Valor Econômico
“Não vamos partir.” Quando o presidente da
Autoridade Palestina, Mahamoud Abbas, concluiu sua fala sobre o futuro do
conflito, já estava claro que o encontro do último sábado, no Cairo, reunindo
chefes de Estado e chanceleres do mundo árabe, da Europa e do Brasil seria tão
inconclusivo quanto têm sido as reuniões do Conselho de Segurança das Nações
Unidas.
Ao longo dos discursos daquele fórum, porém,
assim como naqueles da ONU, a única unanimidade que parece emergir é a de que,
findo o conflito, a tese dos dois Estados, Israel e Palestina, ressurgirá. O
tema é tão antigo quanto a criação do Estado de Israel, mas foi supressão que levou
ao conflito.
A solução dos dois Estados foi marginalizada pela vitória do Hamas sobre o Fatah, com a ajuda do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, pela ocupação israelense da Cisjordânia, que dificultou a unidade territorial dos palestinos, e pelos acordos que aproximaram os países árabes de Israel, marginalizando a questão palestina.
A clareza em torno deste cenário é que parece
empurrar o consenso pela coabitação dos dois Estados, que consta da posição
oficial da grande maioria dos países e de resolução das Nações Unidas, mas é
descumprida sem sanções.
No sábado, o secretário-geral da ONU, Antonio
Guterres, declarou: “Não podemos perder de vista a única base realista da
verdadeira paz e estabilidade, a solução dos dois Estados”. No domingo, foi a
vez do presidente americano, Joe Biden: "Não podemos desistir da solução
dos dois Estados"
Último chanceler do governo Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer, não vê outra saída para a paz. Diz que a reação dos países árabes ao conflito mostrou que eles voltaram a se envolver com questão palestina e que a reorganização dos assentamentos na Cisjordânia é inevitável, mas é mais crítico do que a linha hoje dominante no Itamaraty sobre o Hamas: “A ameaça existencial sobre o Estado de Israel não é fantasia”.
Hannah Arendt, a filósofa alemã sobrevivente
do Holocausto e de quem Lafer se orgulha de ter sido aluno, escreveu, em maio
de 1948, que Israel, vitorioso na guerra de 1948, viveria cercado por uma
população árabe crescentemente hostil e o que o país decorrente desta tensão
seria muito distante daquele sonhado pelos judeus.
Lafer diz que a solução defendida por Arendt,
a de um Estado binacional, se mostrou inviável, e contrapõe a afirmação de 1948
com aquela feita, em carta para sua amiga Mary McCarthy, de que qualquer
catástrofe em Israel a afetaria mais profundamente do que qualquer outra coisa.
Um mês antes, outro egresso da comunidade
judaica americana, Albert Einstein, havia mandado uma carta para uma
organização sionista dizendo que os responsáveis pela catástrofe da guerra
seriam os britânicos (que promoveram a migração em massa de judeus para a
Palestina a partir dos anos 1920) e as “organizações terroristas construídas a
partir de nossas fileiras”.
Lafer vê a “geografia das paixões” em
ascensão na opinião pública mundial desde o ataque à torres gêmeas em Nova York
em 2001. Diz que a “limpeza étnica” de 80 a 100 mil armênios que se
transformaram em refugiados, por exemplo, não desperta a mesma preocupação no
mundo.
O ex-chanceler ressalta suas diferenças em
relação à atual condução da política externa, sobre o Irã, por exemplo, mas
elogia a resolução apresentada pelo Brasil no Conselho de Segurança e o esforço
para a obtenção dos 12 votos favoráveis, mas critica a declaração do PT sobre o
conflito. Nesta declaração, o partido condena o assassinato e sequestro de
civis, “cometido tanto pelo Hamas quanto pelo Estado de Israel”.
Na sua última fala sobre o tema, na sexta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que “as crianças não pediram que o Hamas fizesse aquele ato de loucura que fez, de terrorismo, atacando Israel, mas também não pediram que Israel reagisse daquela forma insana”.
O PT está certo.
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