segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Maria Cristina Fernandes - Consenso pelos dois Estados sairá fortalecido da guerra

Valor Econômico 

“Não vamos partir.” Quando o presidente da Autoridade Palestina, Mahamoud Abbas, concluiu sua fala sobre o futuro do conflito, já estava claro que o encontro do último sábado, no Cairo, reunindo chefes de Estado e chanceleres do mundo árabe, da Europa e do Brasil seria tão inconclusivo quanto têm sido as reuniões do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Ao longo dos discursos daquele fórum, porém, assim como naqueles da ONU, a única unanimidade que parece emergir é a de que, findo o conflito, a tese dos dois Estados, Israel e Palestina, ressurgirá. O tema é tão antigo quanto a criação do Estado de Israel, mas foi supressão que levou ao conflito.

A solução dos dois Estados foi marginalizada pela vitória do Hamas sobre o Fatah, com a ajuda do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, pela ocupação israelense da Cisjordânia, que dificultou a unidade territorial dos palestinos, e pelos acordos que aproximaram os países árabes de Israel, marginalizando a questão palestina.

A clareza em torno deste cenário é que parece empurrar o consenso pela coabitação dos dois Estados, que consta da posição oficial da grande maioria dos países e de resolução das Nações Unidas, mas é descumprida sem sanções.

No sábado, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, declarou: “Não podemos perder de vista a única base realista da verdadeira paz e estabilidade, a solução dos dois Estados”. No domingo, foi a vez do presidente americano, Joe Biden: "Não podemos desistir da solução dos dois Estados"

Último chanceler do governo Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer, não vê outra saída para a paz. Diz que a reação dos países árabes ao conflito mostrou que eles voltaram a se envolver com questão palestina e que a reorganização dos assentamentos na Cisjordânia é inevitável, mas é mais crítico do que a linha hoje dominante no Itamaraty sobre o Hamas: “A ameaça existencial sobre o Estado de Israel não é fantasia”.

Hannah Arendt, a filósofa alemã sobrevivente do Holocausto e de quem Lafer se orgulha de ter sido aluno, escreveu, em maio de 1948, que Israel, vitorioso na guerra de 1948, viveria cercado por uma população árabe crescentemente hostil e o que o país decorrente desta tensão seria muito distante daquele sonhado pelos judeus.

Lafer diz que a solução defendida por Arendt, a de um Estado binacional, se mostrou inviável, e contrapõe a afirmação de 1948 com aquela feita, em carta para sua amiga Mary McCarthy, de que qualquer catástrofe em Israel a afetaria mais profundamente do que qualquer outra coisa.

Um mês antes, outro egresso da comunidade judaica americana, Albert Einstein, havia mandado uma carta para uma organização sionista dizendo que os responsáveis pela catástrofe da guerra seriam os britânicos (que promoveram a migração em massa de judeus para a Palestina a partir dos anos 1920) e as “organizações terroristas construídas a partir de nossas fileiras”.

Lafer vê a “geografia das paixões” em ascensão na opinião pública mundial desde o ataque à torres gêmeas em Nova York em 2001. Diz que a “limpeza étnica” de 80 a 100 mil armênios que se transformaram em refugiados, por exemplo, não desperta a mesma preocupação no mundo.

O ex-chanceler ressalta suas diferenças em relação à atual condução da política externa, sobre o Irã, por exemplo, mas elogia a resolução apresentada pelo Brasil no Conselho de Segurança e o esforço para a obtenção dos 12 votos favoráveis, mas critica a declaração do PT sobre o conflito. Nesta declaração, o partido condena o assassinato e sequestro de civis, “cometido tanto pelo Hamas quanto pelo Estado de Israel”.

Na sua última fala sobre o tema, na sexta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que “as crianças não pediram que o Hamas fizesse aquele ato de loucura que fez, de terrorismo, atacando Israel, mas também não pediram que Israel reagisse daquela forma insana”.

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