Valor Econômico
Legitimidade do Brasil como mediador da paz
depende do enfrentamento do crime organizado
Indagado, antes da cirurgia, sobre a agenda
de seu chefe em 2024, um auxiliar próximo do presidente Luiz Inácio Lula a
Silva, listou, nesta ordem, o que são suas prioridades: o G-20, cujo comando o
Brasil assume na próxima semana, as visitas de chefes de Estado ao país, em
retribuição àquelas que Lula lhes fez este ano, e a preparação para a COP 30 e
a cúpula dos Brics, em 2025. E a lojinha? Fica por conta dos ministros.
Neste quase um mês em que Lula convalesceu, Brasília parou. O mundo é que andou, sob o fogo cruzado do Oriente Médio. A política externa seguiu a cartilha do Itamaraty à qual Lula, à distância, se incorporou, tropeçando aqui e ali, e se corrigindo acolá. A política interna é que mostrou o quanto é dependente de Lula. Se o presidente se valeu de sua cirurgia para postergar nomeações, o presidente da Câmara, Arthur Lira, respondeu na mesma moeda com o adiamento de votações. Até o relatório da reforma tributária, no Senado, só saiu depois que Lula reapareceu.
O jogo é manjado. O presidente represa as
nomeações para garantir que o Congresso lhe entregue o caixa para 2024. Mal
saiu a nomeação de seu indicado para a Caixa Econômica Federal, o presidente da
Câmara marcou a votação do projeto que taxa as “offshores” e, em seguida,
enforcou a próxima semana inteira no feriado de Finados.
A data limite deste jogo é 31 de dezembro,
quando o Orçamento e a grade de impostos que permitirão girar o caixa em 2024
têm que estar aprovados. O cenário externo dramatiza a necessidade que Lula tem
dessas votações porque o conflito no Oriente Médio só aprofunda as dificuldades
da economia nos mercados externos do Brasil.
O governo aposta todas as fichas na
recuperação da economia para estancar a perda de popularidade do presidente.
Isso só reforça o poder de retranca do Congresso. A pesquisa Quaest / Genial
confirma a preocupação com a economia como âncora mas mostra que nem tudo
depende de mais dinheiro no bolso. Como vai receber os chefes de Estado que já
visitou, pode desfazer a impressão de que viaja demais, mas terá que adaptar,
antes tarde que nunca, o discurso em política externa para a era da
polarização.
O bolsonarismo sem Bolsonaro que resiste no
país é tão útil para a direita quanto perigoso para Lula. Como seu mentor, além
de inelegível, está calado, resta ao atual presidente correr sozinho o risco de
se desgastar pelo que fala.
Lula subiu o tom contra o Hamas, na mesma
correção de rota que fez em relação à Rússia na guerra da Ucrânia, mas o país
continua dividido ao meio e a banda que lhe faz oposição continuará
reverberando aquilo que as redes sociais propagam, não o que o jornalismo
informa.
A pesquisa já estava pronta quando a zona
oeste do Rio foi tomada pelo terror da milícia. Talvez por isso não haja
notícias de segurança pública entre as mais lembradas, mas o problema é
latente. Era a quinta preocupação na posse. Hoje é a terceira, empatada com
saúde e ultrapassado pela economia e pelo combo “questões sociais” (pobreza,
fome e miséria).
O ministro Flávio Dino informa que a taxa de
homicídios é declinante, que a apreensão de armas dobrou e aquela de bens do
crime organizado pela Polícia Federal foi multiplicada por 10 do ano passado
para cá. Tudo isso fica encoberto pela imagem que correu o país do bandido que
ateou fogo num ônibus com passageiros na zona oeste do Rio.
A primeira reação de Lula para conter a
repercussão deste ataque foi acenar com a divisão da Pasta da Justiça. Ficou
claro que jogou para a plateia. No dia anterior, tinha tido uma reunião de uma
hora e meia com Dino em que o tema não foi tratado.
Já ficou claro que o Rio não tem um
secretário de segurança pública porque é a Assembleia Legislativa quem a
comanda. O governador Cláudio Castro se omite não apenas para não ser derrubado
mas também porque teria que explicar porque o ex-chefe da Polícia Civil do Rio
Alan Turnowski disputou uma vaga de deputado pelo PL, na coligação que o
reelegeu e pela qual Bolsonaro disputou no Rio. O esquema de Turnowski, que
está preso por associação com milícias, nunca foi desbaratado.
Quem poderia fazê-lo, diz Luis Eduardo
Soares, secretário de secretário de segurança nacional de Lula I, é o
Ministério Público, que tem a atribuição do controle externo da atividade
policial. Mas, se nunca o fez até aqui, não o faria agora sem um titular na
Procuradoria-Geral da República.
Podado o MPF e descartadas intervenção
federal ou operação de garantia da lei e da ordem, resta a ampliação da
Operação Ágata, que prevê a atuação das Forças Armadas no combate ao crime
organizado nas fronteiras, para portos e aeroportos do Rio.
O tema, que foi discutido nesta quarta entre
Dino, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e José Múcio (Defesa), além dos três
comandantes militares, já havia sido pauta de conversa, duas semanas atrás, do
mesmo grupo, à exceção de Costa.
Entre aquela reunião e a desta quarta, saiu o
relatório da CPI do 8/1, que abespinhou a cúpula das Forças Armadas pelo pedido
de indiciamento de militares, entre os quais três ex-comandantes. Como a
relatora da CPI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), é aliada de Dino, resolveram
concluir que agia sob suas ordens.
De lá para cá, porém, a PF descobriu a
participação de militares no furto de armas do próprio Exército que tinham como
destino o crime organizado. E eis que os militares resolveram colaborar para
mostrar que o Brasil não está a caminho da “mexicanização”. É desta cartada que
Lula depende para ter lugar de fala como mediador da paz.
Pois é.
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