O Globo
Com a declaração do presidente em uma
coletiva para cerca de 40 jornalistas brasileiros, Lula boicotou seu próprio
programa de governo, baseado em promessa inexequível de zerar o déficit público
O Presidente Lula nunca foi cauteloso em suas
falas mas, sobretudo em momentos delicados, tinha a preocupação pontual de se
conter em situações que poderiam colocar em risco a política econômica de seus
governos. No primeiro mandato, contido pelo então ministro da Fazenda Antônio
Palocci, conseguiu reverter uma situação delicada mantendo o objetivo de
equilíbrio fiscal. No terceiro mandato, parecendo convencido de que tem o
direito de dizer o que quer na hora que bem deseja, Lula anuncia ao mundo que
seu governo não tem nenhum compromisso com o fim do déficit fiscal.
Ele nem sequer adiou a meta, defendida com unhas e dentes pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad. Já se sabia que Haddad enfrentava fortes barreiras dentro do próprio PT, mas esperava-se que tivesse o apoio de Lula. Com a declaração do presidente em uma coletiva para cerca de 40 jornalistas brasileiros, Lula boicotou seu próprio programa de governo, baseado em promessa inexequível de zerar o déficit público.
Embora inexequível, era importante que a meta
fosse mantida para que houvesse boa vontade do Congresso e do empresariado, e
demonstrar que o objetivo seria a base da ação do governo como um todo. Da
maneira que o presidente coloca as coisas, cortar investimentos prejudica a
economia, abandonar a meta de equilíbrio fiscal, não. Não é assim que a banda
toca.
Ao anunciar que não pretende se empenhar pelo
déficit que ele mesmo assumiu como compromisso do seu governo, Lula perde a
credibilidade que porventura ainda tenha, e desautoriza o ministro da Fazenda,
fingindo que não sabe que as expectativas econômicas influem nos preços e nos
resultados. Sua palavra dá respaldo a um grupo do PT, em que se destaca a
presidente do partido Gleisi Hoffman, que não acredita em contenção de
despesas, mas sim que “gasto é vida”, como já ouvimos a então presidente Dilma
Rousseff falar em seu malfadado governo.
Ao mesmo tempo, abre-se um espaço amplo para
que o Centrão, que gosta de um gasto para aumentar seu poder de influência no
eleitorado, aprovar pautas bombas como se fossem incentivos ao desenvolvimento
do país. Gastos aleatórios do orçamento secreto não levam a nenhum progresso, a
não ser o dos “coronéis” políticos. O problema maior do país é que ninguém atua
em benefício do coletivo, mas do seu próprio, ou de seu grupo político.
O governo ajuda o PT, majoritário no
Executivo e minoritário no Legislativo. O Centrão trabalha para ampliar seus
espaços, o que tem conseguido com êxito nos últimos governos. Quem se espantou
com a rapidez com que o Centrão engoliu o governo Bolsonaro, deve estar mais
espantado com a rapidez maior ainda com que alcançou seus objetivos num governo
de esquerda, menos de um ano depois da posse.
Os populistas da esquerda unem-se aos da
direita com o objetivo de tirar do governo a maior parte do butim possível,
como por exemplo no aumento pretendido dos fundos Partidário e Eleitoral; e
dividem-se para gastar as verbas orçamentárias de ministérios, autarquias e
bancos oficiais, cada qual querendo uma parte maior. Não há como dar certo um
governo dividido de tal maneira, sem que haja um objetivo comum que una as
forças políticas de um suposto governo de união nacional.
Lula seria o árbitro para que essa mistura
heterogênea desse certo, mas acaba de dar um tiro certeiro no único ministério
que tem um projeto, embora não totalmente confiável. O esforço do ministro
Fernando Haddad é louvável, mas se ficar aparente o que todos desconfiavam, que
não tem o controle do partido como tinha Palocci, não adianta que seja a parte
mais modernizadora do partido. Talvez por isso mesmo, esteja sendo alijado.
Merval e suas mervaíces.
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