O Globo
Embora o governo tenha conseguido formar uma
maioria eventual para temas específicos da política econômica, continua
minoritário no Congresso
As recentes pesquisas de opinião demonstram
que a lua de mel tradicional no primeiro ano entre a sociedade e o novo governo
eleito está sendo superada pela polarização partidária que se mantém ativa no
país. Embora o governo petista tenha conseguido, às custas de excessivas
concessões ao Centrão, formar uma maioria eventual para temas específicos da
política econômica, continua minoritário no Congresso.
A incongruência ideológica entre os três
Poderes, analisada aqui na coluna de quinta-feira, com um Executivo de
esquerda, um Legislativo predominantemente conservador e um Supremo Tribunal
Federal (STF) majoritariamente progressista, gera conflitos entre eles que o
novo presidente do Supremo nega, mas se dispõe a mediar, e pode ser também uma
virtude, na visão do cientista político das Fundação Getulio Vargas do Rio,
Carlos Pereira.
Ele vê entre nós um sistema político extremamente competitivo e de perfil “consensualista”, o qual não permite que nenhuma força política consiga sozinha ser majoritária. As saídas dos conflitos, quase que inexoráveis, portanto, precisam ser negociadas e pactuadas a todo momento. Por um lado, adverte, perdemos eficiência governativa, “temos a sensação de que nada acontece ou, quando acontece, é fruto de negociações escusas, o que gera mal-estar, muitas vezes generalizado”.
Mas, por outro lado, há a quase certeza de
que não vai haver mudanças bruscas, e que ninguém vai ser capaz de passar o
rolo compressor nas posições circunstancialmente minoritárias. Este raciocínio
se assemelha à garantia que os partidos de centro-direita dão à democracia, sem
a qual seus poderes não valem nada. Paradoxalmente, lembra Carlos Pereira, o
jogo não quebra. “Não temos virada de mesa justamente porque cada uma dessas
forças se controla mutuamente de uma forma dinâmica”, uma versão nacional da
teoria de pesos e contrapesos (“checks and balances”) de Montesquieu, que
previa essa necessidade de os Poderes da República se fiscalizarem.
Um equilíbrio essencialmente dinâmico, define
Carlos Pereira: “Em um ambiente institucional com esta natureza, é exigido um
coordenador com a capacidade e a virtude de montar coalizões minimamente coerentes,
que os poderes e recursos sejam distribuídos proporcionalmente, levando-se em
consideração o peso político que cada força tenha na sociedade e refletida no
Congresso, e que a coalizão que o Executivo consiga montar não seja muito
distante da preferência agregada de perfil conservador/progressista do
Congresso”, explica o cientista político.
O problema do terceiro mandato do presidente
Lula, argumenta, é que ele não está conseguindo exercer esse papel de
coordenador. “Fez a escolha de montar uma coalizão grande demais, heterogênea
demais e desproporcional demais”. Na sua visão, o PT continua sendo
desproporcionalmente recompensado. Ele admite que o presidente Lula, “pelo
menos não está, até o momento, ignorando as preferências agregadas predominantemente
conservadoras do Congresso”.
Mesmo parecendo ter consciência dessas
restrições, Lula não tem oferecido saídas sustentáveis para os conflitos. A
expectativa é que esses, e novos conflitos institucionais, sejam a marca do
governo. Considero que os conflitos floresceram porque, com o advento do
bolsonarismo, a direita perdeu a vergonha de se apresentar ao eleitorado, pois
descobriu que também parte dele buscava quem defendesse seus valores, que são
retrógrados em relação ao que estava estabelecido na sociedade brasileira,
sintonizada com os costumes das democracias ocidentais mais avançadas.
No tempo em que era vergonhoso dizer-se de
direita, todos eram de centro e a social-democracia era majoritária, com seus
valores mais ajustados à modernidade. Carlos Pereira avalia que “os custos de
governabilidade serão altos e a efetividade do governo será baixa. Isso vai
gerar desconforto, a torcida vai continuar vaiando o time, mas o jogo
continua”. Eu torço para que esse conflito entre o Brasil moderno e o arcaico
encontre uma liderança, pessoal ou coletiva, que leve o país para um consenso
possível.
Tomara.
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