domingo, 1 de outubro de 2023

Míriam Leitão - Um recomeço com emoção

O Globo

Posse de Barroso como presidente do STF teve emoção e também sensação de alívio pelo afastamento do perigo real que a democracia enfrentou

A posse do ministro Luís Roberto Barroso foi bonita. Sim, teve Maria Bethânia e, quando ela canta, “há uma fagulha de divino” como disse Barroso. Sim, o discurso do novo presidente foi literário. Mas a beleza maior era outra. Havia uma sensação de alívio no ambiente, pelo afastamento do perigo real que a democracia enfrentou. Palmas acolhiam o nome da ministra Rosa Weber, cada vez que era pronunciado. O que se aplaudia era sua firmeza na reconstrução do Supremo Tribunal Federal após o 8 de janeiro. “Estivemos aqui naquela noite — a ministra Rosa, o ministro Toffoli e eu próprio — vimos os destroços e foi uma emoção em tão pouco tempo ver tudo reconstruído.” Foram 21 dias para os consertos físicos. Para os institucionais, ainda estamos em obras.

Constatei o sentimento de alívio pelo perigo autoritário afastado, até em pessoas que colaboraram direta ou indiretamente com o governo anterior, inclusive militares. Os detalhes relatados por testemunhas dos bastidores daquele governo confirmam que a democracia brasileira teve, por quatro anos, um presidente à espreita, esperando a hora de golpeá-la.

Era uma passagem de bastão entre duas pessoas indicadas pela ex-presidente Dilma, o que mostra o acerto das escolhas dela. “Minha gratidão vai também para a presidente Dilma Rousseff, que me indicou para o cargo da forma mais republicana que um presidente pode agir: não pediu, não insinuou, não cobrou.”

Nos salões da Justiça, pouco se falava do ex-presidente Jair Bolsonaro, como se ele fosse passado. A Justiça Eleitoral pode condená-lo novamente à inelegibilidade. O ministro Benedito Gonçalves organizou em três grupos um total de 16 Ações de Investigação Judicial Eleitoral que questionam o uso dos recursos públicos em campanhas contra as urnas eletrônicas, como nos atos de sete de setembro, e até no enterro da Rainha. Gonçalves pretende apresentar seus votos antes de 9 de novembro, quando deixa o TSE.

Na economia, ouvidos em horas diferentes, o ministro Fernando Haddad e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, me disseram a mesma coisa. O que preocupa é o cenário externo, porque internamente a economia tem se desempenhado bem.

— Juros americanos, preço do petróleo e queda do ritmo chinês — disse o ministro Fernando Haddad, citando os três problemas da economia externa que o preocupam.

— Os juros longos americanos sobem, empresas que antes se financiavam com juros perto de zero, têm que pagar até 7% ao ano, isso drena a liquidez para os nossos papéis. O petróleo está indo para US$ 100 — explicou Campos Neto.

Haddad me disse que prefere pagar os precatórios deixados pelo governo anterior em 2023. Assim entraria sem esse peso em 2024, o ano um do arcabouço fiscal.

— Tem gente nos criticando, mas o que nós queremos é pagar — brincou Haddad.

Os muitos assuntos, de economia e política, que dominavam as conversas foram trocados pelo silêncio para o início da cerimônia. A voz soberana de Maria Bethânia nos entregou um Hino Nacional de lavar almas e aquietar temores. O discurso do ministro Luís Roberto Barroso foi de fuga declarada do juridiquês.

— Nós somos o único tipo de gente que diz coisas do tipo: ‘no aforamento, havendo pluralidade de enfiteutas, elege-se um cabecéu’. A vida fica muito difícil.

Barroso estava decidido a facilitá-la e usou uma imagem simples para falar das dificuldades da vida.

— Viver é andar numa corda bamba, é tomar decisões sempre com risco de errar. A gente se inclina um pouco para um lado, um pouco para o outro, e segue em frente. Às vezes alguém olhando de fora pode ter a impressão de que o equilibrista está voando. Não é grave, porque a vida é feita de certas ilusões. Mas o equilibrista tem que saber que está se equilibrando.

O ministro se equilibrava entre emoções. Pediu que Maria Bethânia cantasse uma música final, em homenagem, “que todos haverão de entender”. Em janeiro, Barroso perdeu Tereza, sua mulher por 29 anos, mãe de seus filhos Luna e Bernardo. Emocionante desde o início, a música de Chico, que ela cantou, termina assim: “Depois de te perder/ Te encontro com certeza/ Talvez num tempo da delicadeza/ Onde não diremos nada/ Nada aconteceu/ Apenas seguirei/ Como encantado ao lado seu”. Todo o sentimento ficou suspenso no ar de Brasília. A noite ainda teria Diogo Nogueira em dueto com Barroso em “Aquarela brasileira”. Há posses e posses na capital federal. Esta foi bonita.

 

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