O Globo
Posse de Barroso como presidente do STF teve
emoção e também sensação de alívio pelo afastamento do perigo real que a
democracia enfrentou
A posse do ministro Luís Roberto Barroso foi
bonita. Sim, teve Maria Bethânia e, quando ela canta, “há uma fagulha de
divino” como disse Barroso. Sim, o discurso do novo presidente foi literário.
Mas a beleza maior era outra. Havia uma sensação de alívio no ambiente, pelo
afastamento do perigo real que a democracia enfrentou. Palmas acolhiam o nome
da ministra Rosa Weber, cada vez que era pronunciado. O que se aplaudia era sua
firmeza na reconstrução do Supremo Tribunal Federal após o 8 de janeiro.
“Estivemos aqui naquela noite — a ministra Rosa, o ministro Toffoli e eu
próprio — vimos os destroços e foi uma emoção em tão pouco tempo ver tudo reconstruído.”
Foram 21 dias para os consertos físicos. Para os institucionais, ainda estamos
em obras.
Constatei o sentimento de alívio pelo perigo autoritário afastado, até em pessoas que colaboraram direta ou indiretamente com o governo anterior, inclusive militares. Os detalhes relatados por testemunhas dos bastidores daquele governo confirmam que a democracia brasileira teve, por quatro anos, um presidente à espreita, esperando a hora de golpeá-la.
Era uma passagem de bastão entre duas pessoas
indicadas pela ex-presidente Dilma, o que mostra o acerto das escolhas dela.
“Minha gratidão vai também para a presidente Dilma Rousseff, que me indicou
para o cargo da forma mais republicana que um presidente pode agir: não pediu,
não insinuou, não cobrou.”
Nos salões da Justiça, pouco se falava do
ex-presidente Jair Bolsonaro, como se ele fosse passado. A Justiça Eleitoral
pode condená-lo novamente à inelegibilidade. O ministro Benedito Gonçalves
organizou em três grupos um total de 16 Ações de Investigação Judicial
Eleitoral que questionam o uso dos recursos públicos em campanhas contra as
urnas eletrônicas, como nos atos de sete de setembro, e até no enterro da
Rainha. Gonçalves pretende apresentar seus votos antes de 9 de novembro, quando
deixa o TSE.
Na economia, ouvidos em horas diferentes, o
ministro Fernando Haddad e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto,
me disseram a mesma coisa. O que preocupa é o cenário externo, porque
internamente a economia tem se desempenhado bem.
— Juros americanos, preço do petróleo e queda
do ritmo chinês — disse o ministro Fernando Haddad, citando os três problemas
da economia externa que o preocupam.
— Os juros longos americanos sobem, empresas
que antes se financiavam com juros perto de zero, têm que pagar até 7% ao ano,
isso drena a liquidez para os nossos papéis. O petróleo está indo para US$ 100
— explicou Campos Neto.
Haddad me disse que prefere pagar os
precatórios deixados pelo governo anterior em 2023. Assim entraria sem esse
peso em 2024, o ano um do arcabouço fiscal.
— Tem gente nos criticando, mas o que nós
queremos é pagar — brincou Haddad.
Os muitos assuntos, de economia e política,
que dominavam as conversas foram trocados pelo silêncio para o início da
cerimônia. A voz soberana de Maria Bethânia nos entregou um Hino Nacional de
lavar almas e aquietar temores. O discurso do ministro Luís Roberto Barroso foi
de fuga declarada do juridiquês.
— Nós somos o único tipo de gente que diz
coisas do tipo: ‘no aforamento, havendo pluralidade de enfiteutas, elege-se um cabecéu’.
A vida fica muito difícil.
Barroso estava decidido a facilitá-la e usou
uma imagem simples para falar das dificuldades da vida.
— Viver é andar numa corda bamba, é tomar
decisões sempre com risco de errar. A gente se inclina um pouco para um lado,
um pouco para o outro, e segue em frente. Às vezes alguém olhando de fora pode
ter a impressão de que o equilibrista está voando. Não é grave, porque a vida é
feita de certas ilusões. Mas o equilibrista tem que saber que está se
equilibrando.
O ministro se equilibrava entre emoções.
Pediu que Maria Bethânia cantasse uma música final, em homenagem, “que todos
haverão de entender”. Em janeiro, Barroso perdeu Tereza, sua mulher por 29
anos, mãe de seus filhos Luna e Bernardo. Emocionante desde o início, a música
de Chico, que ela cantou, termina assim: “Depois de te perder/ Te encontro com
certeza/ Talvez num tempo da delicadeza/ Onde não diremos nada/ Nada aconteceu/
Apenas seguirei/ Como encantado ao lado seu”. Todo o sentimento ficou suspenso
no ar de Brasília. A noite ainda teria Diogo Nogueira em dueto com Barroso em
“Aquarela brasileira”. Há posses e posses na capital federal. Esta foi bonita.
Foi bonita a festa,pá.
ResponderExcluirA música que Bethânia cantou é de Cristovão Bastos e letra de Chico.
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