O Globo
Os argentinos começam a decidir hoje nas
urnas o seu destino econômico e político, tendo à frente dias incertos
A Argentina e o Brasil viveram dois passados
trágicos. A ditadura e a hiperinflação. Nós vencemos a hiperinflação há 29
anos. Para eles isso está presente no peso diário de carregar sacolas de
dinheiro para fazer compras. Na política, parte da Argentina está disposta a
hipotecar seu futuro a um candidato que defende o ideário da ditadura, tem uma
motosserra na mão, propostas econômicas exóticas, e habilidade nas mídias
digitais. O Brasil fez a mesma aposta em 2018 e viveu quatro anos de ultraje. A
Argentina está presa a esses dois passados e tem pela frente um futuro de total
“incertidumbre”.
Marcos Azambuja, que foi embaixador em Buenos Aires, entre 1992 e 1997, é autor de frases brilhantes que definem situações. Ele disse ao “Valor” de sexta-feira: “Milei representa a radicalização de direita. É perigoso acreditar no que ele diz, mas também é perigoso não acreditar”. À coluna, ele explicou o pensamento.
—Você erra quando não acredita na retórica
eleitoral ou quando acredita demais nela. Pode se dissipar ou pode se
aprofundar. Trump anunciou que ia fazer e fez. Bolsonaro anunciou que ia fazer
e fez. As crônicas são de mortes anunciadas. Geralmente quem vem com discurso
radical, cumpre o que vai fazer. Veio para fazer aquilo.
E “aquilo”, no caso, é o projeto autoritário
embrulhado na palavra “liberdade”, como vimos no Brasil. Milei faz ameaças em
relação ao Brasil, de rompimento, de não negociação. A resposta tem que ser
serena, ensina o embaixador.
—Cabe a nós o ônus da racionalidade. Não
podemos cair na armadilha política ou ideológica. O Brasil tem que ter a
responsabilidade do seu peso, a serenidade do seu tamanho. Que não aceitemos
provocação — diz o embaixador para a hipótese de o pior acontecer na Argentina.
As alternativas são de passados presentes. O
peronismo de Sergio Massa que está no poder agora só agravou a situação
econômica. E Patricia Bullrich, da direita tradicional, do ex-presidente
Mauricio Macri, não resolveu a crônica crise de inflação, colapso cambial e
default externo.
A Argentina se engana como nos enganamos. Há
economistas lá que garantem que eles não estão em hiperinflação, apenas a
inflação está alta, mas estabilizada. Lembra delírios semelhantes ditos no
Brasil antes do Plano Real. O Banco Central de lá faz uma consulta como a do
Focus. A previsão de 36 consultados era a de que a inflação de setembro seria
de 11,7%. Deu 12,7%. Eles preveem 180,7% de inflação no ano. Com patamar assim
e um candidato com chances de ganhar, chamando o peso de “excremento” e dizendo
que abandonará a moeda, o resultado óbvio é a escalada inflacionária.
“Dólar sem teto”, disse o jornal
“Clarín" na sexta-feira. O candidato governista decretou feriado bancário
antes das eleições de hoje. Foi inútil. O dólar no paralelo saltou para 1.100
pesos. “Com isso, o informal praticamente dobrou de 650 pesos, que era a
cotação durante as primárias em 13 de agosto”. O dólar oficial está congelado
em 350 pesos, a diferença com o paralelo chegou a 214%, e o BC o vende por
1.000. Conhecemos os passos dessa estrada insana.
O FMI prevê que o ano terminará com uma
recessão de 2,5%, mas com o fim da seca o PIB de 2024 será positivo em 2,8%. O
ano que vem econômico depende muito do que acontecerá neste fim de semana ou em
novembro, se houver segundo turno.
É até espantoso que numa conjuntura tão ruim
na economia, com recessão, escalada inflacionária e dólar sem teto, o candidato
governista, justamente o ministro da Economia, seja competitivo e esteja em
diversas pesquisas com chances de disputar o segundo turno com Milei.
Segundo o site espanhol “20 minutos”, as
pesquisas a três dias antes das eleições, quando foram suspensas pela lei
eleitoral, indicavam a maior probabilidade de haver segundo turno, ou seja,
nenhum dos candidatos teria 45% dos votos ou 40% com dez pontos na frente do
segundo colocado. De oito pesquisas, sete davam a dianteira ao candidato da
extrema direita.
—A Argentina tem uma tendência a chegar um
pouquinho tarde no jogo. O Trump já está fora. O Bolsonaro já está fora. A
retórica direitista extrema está desacreditada. E agora que a Argentina pode
embarcar nesse barco — lamenta Azambuja.
As urnas dirão, hoje ou em novembro, quem
comandará o barco argentino a partir de 10 de dezembro, dia da posse.
Valha me Deus!
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