O Globo
Economia ruim da Argentina é terreno fértil
para ultradireita, e próximas semanas serão longas em um país polarizado
A Argentina terá dificuldades seja qual for a decisão das eleições de 19 de novembro. A crise econômica não terá solução fácil, portanto quem assumir o país em 10 de dezembro administrará um pesadelo econômico com inflação alta, recessão, falta de dólares e déficit fiscal.
A
vantagem do candidato oficial, Sergio Massa, é ao mesmo tempo sua maior
fragilidade. Ele está no comando da economia, saberá que passos dar e conhece a
natureza do buraco em que o país se meteu. Ao mesmo tempo, ele tem que carregar
o ônus de ser a pessoa que comanda essa economia em frangalhos. A vantagem de
Javier Milei é ao mesmo tempo a sua fragilidade. Ele não tem programa, pode
adaptar as suas propostas a quaisquer circunstâncias. Esse vazio o trouxe até
aqui, mas o medo das suas falas incendiárias pode impedir que ele vá adiante.
Uma análise que ouvi no governo brasileiro
define bem o extremista de direita, Javier Milei.
– Ele faz parte dessa novidade na política que já vimos em vários países, em que um candidato se diz anti-sistema, mesmo não sendo, e que com falas radicais tem tido sucesso mundo afora em monopolizar os descontentes. A Argentina tem tido momentos tão difíceis nos últimos governos que a insatisfação levou-o a obter todo esse espaço nas eleições. Milei usa essa tecnologia de reunir ideias que chegam com muito apelo às pessoas, mas que nem sempre correspondem à verdade, ou representam um programa. A ideia é mobilizar descontentes, com o discurso de ser contra tudo e todos, enquanto a política tradicional tenta convencer as pessoas em torno de um programa de governo — disse uma autoridade que acompanha o assunto.
O quadro econômico traçado num estudo do Itaú
BBA é muito ruim. O banco brasileiro projeta uma queda de 3% no PIB deste ano e
acha que a recessão continuará no ano que vem, com recuo de 2,5%.
“Independentemente de quem for eleito, a nova administração terá que lidar com
graves desequilíbrios macroeconômicos”, diz o banco. A recessão será resultado,
na visão do Itaú, “da inflação descontrolada”. Calculam que a inflação chegará
a 150% e a taxa de juros ficará em 110%. O país tem reservas baixíssimas e terá
déficit comercial este ano por causa da seca.
Em ambiente com indicadores econômicos tão
ruins é fácil uma figura como Javier Milei progredir com falsos remédios como
armamentismo, venda de órgãos, fechamento do Banco Central e extinção dos
ministérios da Saúde e da Educação.
O resultado das eleições para o Congresso
criou mais um desafio para quem vencer as eleições: ninguém tem maioria. O
partido peronista tem 108 cadeiras na Câmara de 257 parlamentares, perdeu dez.
O grupo de centro direita, da candidata Patricia Bullrich, que ficou no
terceiro lugar, perdeu 25 cadeiras e ficará com 93. O Liberdade Avança de Javier
Milei tem apenas 38 deputados, 35 conquistados na votação de domingo. A
governabilidade dependerá de negociação, mas Milei partirá de uma base muito
menor e não tem qualquer experiência de negociação.
A única possibilidade de vitória do peronista
Sergio Massa virá da capacidade que ele tenha de construir uma coalizão para
governar. Isso significará mudar seu programa para incluir propostas que sejam
do agrado de outras forças políticas. É isso que ele tem dito nas últimas 24
horas que fará, e é isso que o Peronismo nunca fez ao longo dos seus governos.
Javier Milei diz que vai dolarizar do país,
eliminando o peso, mas nunca explicou como fará isso. Os economistas tentam dar
sentido a esse caos que são as falas de Milei. Emerson Marçal, coordenador do
centros de macroeconomia aplicada da FGV-EESP, disse que a dolarização não é
impossível, mas exigirá do país abrir mão de ter política monetária própria. A
Argentina, diz, precisa de um grande ajuste fiscal que nunca foi feito.
— A dolarização é uma situação limite. Em
geral dá certo para países muito pequenos, sem grandes problemas de balanço de
pagamentos, com muitos recursos turísticos e sem problema para acessar o dólar
— explicou.
Essa é a segunda vez na história que haverá
segundo turno na eleição presidencial argentina. A primeira foi em 2015, quando
Maurício Macri enfrentou Daniel Scioli, atual embaixador no Brasil. As próximas
semanas parecerão longas na Argentina. O país as atravessará polarizado e em
aguda fragilidade econômica.
Pois é.
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