O Globo
O problema da eleição presidencial argentina
é saber para onde vai o eleitorado da terceira colocada, Patricia Bullright,
apoiada por Mauricio Macri
Se é verdade que o presidente Lula aconselhou
o candidato oficial do governo da Argentina, o atual ministro da Fazenda,
Sergio Massa, a parar de “contar dólares” e ganhar as eleições, é mau sinal.
Que os assessores petistas, inclusive os de marketing político, foram
fundamentais na virada de Massa, nisso a imprensa argentina é unânime.
Mas o conselho de Lula corresponde, a ser
verdade, aos gastos que o candidato oficial fez a partir das primárias para
reverter a corrida presidencial, que devem tornar mais caótica ainda a economia
do país, onde a inflação anual é de 140%, 40% estão abaixo da linha de pobreza
(desses, 10% são considerados indigentes), e o PIB caiu 5%.
Massa anunciou bônus para diversos grupos sociais: os aposentados (7,8 milhões) ganharam 37 mil pesos por mês, ao custo de 234 milhões de pesos; trabalhadores de empresas privadas (5,5 milhões) ganharam 30 mil pesos, pagos compulsoriamente pelas próprias empresas; os funcionários públicos (390 mil) receberam bônus de 60 mil pesos; aposentados e pensionistas com renda mensal de até 1,5 salário mínimo (3 milhões) ganharam um vale-alimentação de 45 mil pesos. Outros 2,4 milhões de beneficiados pelo programa Tarjeta Alimentar, cartão para compra de alimentos, receberam reajuste de 30% no valor mensal creditado pelo governo.
Os cadastrados no programa tipo Bolsa Família
argentino ganharam um bônus de 20 mil pesos. Como dizia a ex-presidente Dilma
Rousseff, é preciso “fazer o diabo” para ganhar eleições, e Lula sentiu isso na
pele na disputa contra Bolsonaro, assim como a então oposição sentira a ação
governamental petista, especialmente na eleição e na reeleição de Dilma. Nos
anos 1980, uma propaganda de vodca originou no Brasil a expressão “efeito
Orloff”, pois todos os erros cometidos na economia argentina acabavam se
reproduzindo no Brasil. A mensagem básica da propaganda resumia-se a uma frase
— “eu sou você amanhã” — para evitar a ressaca por beber uma vodca de má
qualidade.
O “efeito Orloff” reverso acabou tirando a
possibilidade de o Bolsonaro argentino, Milei, ser eleito no primeiro turno,
talvez de ganhar a eleição presidencial da Argentina. Nós cometemos o erro
antes, e nossos “hermanos” foram alertados por propagandas muito bem feitas,
comparando Bolsonaro e Milei e mostrando os efeitos deletérios da passagem pelo
governo brasileiro. Nas primárias, parecia que os eleitores, diante da crise
interminável, preferiam a incerteza. No primeiro turno, agora, parece que
escolheram o “menos pior”, como fazemos aqui há muito tempo.
A Argentina é tão “indecifrável”, na
definição do ex-presidente do Uruguai José Mujica, um ícone da esquerda, que o
ministro da Fazenda de um governo falido pode vencer a eleição. Mas há uma
explicação, diz Mujica:
— Eles têm uma mitologia que se chama
peronismo, esse animal existe.
O problema da eleição presidencial na
Argentina é saber para onde vai o eleitorado da terceira colocada, Patricia
Bullrich, apoiada por Mauricio Macri. Ela anunciou que não apoiará Sergio
Massa, porque quer derrotar o peronismo. Mas não se atreveu a anunciar apoio a
Milei, o que ainda pode acontecer.
Milei é muito radical, o que limita as
negociações. Precisará recuar para fazer acordos, mas se recuar demais pode
decepcionar seu eleitorado, a maioria jovem, que está apoiando sua retórica
anarquista. A luta na Argentina como sempre é contra ou a favor do peronismo,
fenômeno de décadas e décadas em torno do qual a política argentina continua se
desenvolvendo. Existe peronismo de direita, de esquerda, de centro. Embora
tenha perdido força, Milei não está derrotado ainda. Ele seria a escolha
natural para o eleitorado de centro-direita de Bullrich, e essa possibilidade
está no radar petista.
Pé de pato,bangalô três vezes!
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