O Globo
Lula restaurou o tamanho do Brasil na
política externa após o apequenamento na gestão anterior, mas a diplomacia tem
cometido erros e hesitações
A política externa precisa ter princípios e
flexibilidade. O erro é ser flexível nos princípios. Ela precisa reagir aos
eventos e ter noção do contexto. O erro é relativizar a reação aos eventos por
causa do contexto. Essas confusões têm sido feitas. O que houve em Israel foi
um atentado terrorista tendo como alvo a população civil. Isso, e tudo o mais,
torna o Hamas um grupo terrorista. O contexto é a luta do povo palestino pelo
direito de se organizar em estado, seu longo sofrimento. É possível condenar o
Hamas e defender o legítimo direito dos palestinos. A hesitação inicial da
diplomacia nesse terceiro governo Lula não se justifica. É hora de ter rumo e
fazer sentido.
A integridade territorial dos países é um princípio. O que a Rússia fez com a Ucrânia foi desrespeito à integridade territorial. O contexto é o contínuo crescimento da Aliança do Atlântico Norte, uma herança da velha guerra fria, que deveria estar desativada. Contraditoriamente é a Otan que acaba sendo fortalecida quando se vê que a Rússia, mesmo depois do fim da União Soviética, se acha no direito de invadir países ou anexar territórios. Foi isso que moveu a Finlândia e a Suécia no abandono da neutralidade. Nem o contexto alegado, do avanço da Otan, serve para relativizar o fato de que a Rússia é o invasor e a Ucrânia o país invadido. Ter tanta dificuldade em condenar a Rússia é um erro.
O presidente Lula chegou ao poder pela terceira
vez porque ele encarnou a bandeira da democracia contra o projeto autoritário
do seu adversário. Merecidamente. Lula governou democraticamente e, mesmo
quando enfrentou a prisão da Lava-Jato, cumpriu a ordem judicial e lutou na
Justiça pela sua defesa. Jair Bolsonaro também merecidamente foi apontado como
antidemocrático. Ele se esforçou na defesa da ditadura militar e da tortura.
Publicamente, ele atacou o Judiciário. Secretamente, conspirou contra a
democracia. Então, a escalação dos papéis eleitorais na última disputa
presidencial foi justa. Lula representando a democracia, Bolsonaro, o projeto
autoritário.
Isso torna imperativo que Lula observe a
democracia como um princípio do qual jamais deve se afastar. Quando ele disse
que democracia é relativa, para agradar ao governo de Nicolás Maduro, que a
afronta há anos, ele estava esgarçando seu próprio capital político.
Qual é a preocupação central da política
externa da atual gestão? A de elevar o Brasil à condição de negociador de
conflitos e de fazer do país um interlocutor relevante nas mesas de negociações
globais. O governo Lula só pode ser um negociador de conflitos se for visto
como confiável pelas partes. É nesse ponto que ele se perde. O governo acha que
se ele não condenar as ditaduras que se dizem de esquerda, como Venezuela e
Nicarágua, se ele não condenar a invasão da Ucrânia, se ele não definir o Hamas
como grupo terrorista, será aceito como negociador. Na nota divulgada na
sexta-feira, o governo se explicou dizendo que o conselho de Segurança não
define o Hamas como terrorista. Todos sabem que o poder de veto na mão de
alguns países impede, inúmeras vezes, as ações e definições necessárias.
O Brasil é um país importante e Lula já fez
bastante para restaurar o nosso tamanho natural depois do apequenamento imposto
pela administração anterior. Há uma mesa de negociação na qual somos grandes, a
do combate às mudanças climáticas. Esse peso é natural e dado pela dimensão da
nossa biodiversidade e do papel fundamental da Amazônia na busca do equilíbrio
climático.
Para garantir esse capital diplomático, o governo tem que ser coerente na política interna em questões ambientais e indígenas. As ambiguidades internas precisam ser superadas. Apostar na exploração do petróleo no mar da Amazônia não é apenas contraditório. É um mau negócio, levando-se em conta o tempo de maturação de qualquer projeto na área que é de, no mínimo, uma década. Em meados dos anos 2030, o mundo terá que estar reduzindo drasticamente o consumo de combustíveis fósseis. Considerar a hipótese de não vetar integralmente o projeto do marco temporal, pensando em alianças com setores atrasados do agronegócio, é um erro. O Brasil não manterá sua relevância nas discussões climáticas se aumentar a carbonização do país e ameaçar o direito dos povos originários, aliados naturais da preservação ambiental.
Exatamente.
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