terça-feira, 3 de outubro de 2023

Míriam Leitão - Os vários motivos da piora fiscal

O Globo

As receitas estão caindo e as despesas aumentando, mas governo garante que o déficit zero de 2024 será perseguido

A queda da inflação, principalmente dos IGPs que registram deflação, pode ter tirado de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões de arrecadação de impostos. Queda da inflação é sempre uma excelente notícia para a economia, para as famílias e empresas, mas o efeito colateral é a queda da receita. Isso é só mais um ponto de dúvida dos muitos que existem hoje em torno dos resultados fiscais deste ano e do próximo. As receitas têm caído, as despesas estão aumentando e vários projetos ainda dependem do Congresso. Mas o que se ouve no governo é que a meta de déficit zero de 2024 continuará sendo perseguida.

O cálculo da queda de receita por causa da redução da inflação é do próprio governo. Há três meses, a arrecadação tem sido ruim por vários motivos. Um deles é que houve queda do imposto de renda pessoa jurídica, principalmente no setor petroquímico. Neste segmento agora começa a haver uma recuperação pela alta dos preços do petróleo. A elevação, que começou em junho e levou a cotação a bater em US$ 95 na semana passada, cria outro problema que é a necessidade de novos reajustes de preços de gasolina e diesel. Contudo, essa alta das cotações pode aumentar a receita de impostos do setor de petróleo.

A queda de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões de arrecadação pela diminuição da inflação não estava no radar do governo nessa dimensão. “Para o país é ótimo a médio prazo, mas para o fiscal nominalmente você perdeu uma base de arrecadação”, explica uma fonte da Fazenda.

Isso se reflete no déficit desse ano, que já se sabe que será alto, ainda que menor do que inicialmente previsto. O problema maior é em relação ao ano que vem. O Congresso tem aprovado pautas que elevam os gastos e reduzem os impostos a pagar. São benesses que se transformam em piora do quadro fiscal do país, com todas as consequências negativas sobre as expectativas.

Uma dessas medidas foi analisada ontem no editorial deste jornal, a diminuição da contribuição previdenciária dos municípios. Só isso pode tirar dos cofres públicos R$ 9 bilhões. A medida foi um jabuti que entrou na última hora na tramitação do projeto que renovou a desoneração dos 17 setores que mais empregam. A aprovação foi comemorada pelas empresas, mas representa uma perda de receita de R$ 9,4 bi. Além disso, tem o custo da desoneração previdenciária das prefeituras.

Uma das maiores renúncias fiscais do país é o Simples, não pelo programa de redução de impostos para as micro e pequenas empresas, mas porque o valor do faturamento anual foi ampliado para R$ 4,8 milhões pegando um número muito maior de empresas. Agora o projeto é elevar para R$ 8,7 milhões o faturamento anual para ser enquadrado no Simples. Programas similares em outros países beneficiam apenas empresas realmente pequenas.

A “Folha” publicou ontem uma longa reportagem pontuando todos esses projetos que elevarão os gastos ou reduzirão a receita e concluiu que essa conta extra do Congresso é de R$ 24 bilhões. Um dos projetos é o que transfere para o governo federal os servidores dos ex-territórios, ao custo de R$ 6,3 bilhões.

Ao lado disso, tem também a incerteza em relação à aprovação de medidas para elevar a arrecadação como o imposto sobre os recursos em paraísos fiscais e a mudança da tributação dos fundos dos super-ricos, ainda não aprovados. O governo está ficando numa situação de ter receitas incertas, e despesas crescentes.

Ainda assim, na entrevista do secretário do Tesouro, Rogério Ceron, ao “Valor” de ontem, ele disse que o governo vai continuar perseguindo o déficit zero e negou que esteja pensando em alterar a meta. “Nós vamos buscar, independentemente de qual seja a meta formal, o resultado zero, o equilíbrio nas contas”.

O governo já admite internamente que será difícil chegar nesse resultado, mas garante que a trajetória do déficit será declinante em 2024. Sobre 2023, no início o resultado negativo estava previsto para ficar em R$ 230 bilhões. O realizado será menor do que isso. A queda da arrecadação pela diminuição da inflação é apenas um dos motivos dessa piora das projeções. E o melhor dos motivos, já que queda de inflação é para comemorar. No ano passado, houve um momento em que a inflação passou de 12%. Caiu para 3,1% em junho de 2023 e agora voltou para 5%. No ano que vem deve ficar em torno de 3%. O governo já sabe que não contará com o imposto decorrente da inflação. Mas acha que isso é muito bom.

 

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