domingo, 15 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Poupar civis é maior desafio na reação a Hamas

O Globo

Israel tem responsabilidade de reagir sem cair na armadilha dos terroristas, que usam palestinos como escudos

Em qualquer conflito armado, as principais vítimas — e as mais dolorosas — sempre são os civis. Aqueles que não usam farda nem empunham armas, muitas vezes idosos ou crianças, ficam sujeitos à privação de víveres, energia ou serviços. Seus movimentos são tolhidos, suas famílias dilaceradas pelos combates, suas vidas estão sempre em risco. E muitos morrem. Morrem sem nenhum motivo, nenhum sentido de justiça. Por isso todo relato das guerras costuma vir acompanhado da contabilidade macabra de mortes entre civis. Só nas principais guerras deste século, foram mais de 300 mil na Síria, mais de 120 mil no Afeganistão, mais de 100 mil no Iraque e, até agora, perto de 10 mil na Ucrânia.

Números como esses deveriam provocar indignação, embora nem sempre isso aconteça. Cada morte de civil numa guerra deveria despertar revolta, embora nem sempre isso aconteça. Todas as forças num conflito deveriam fazer o possível para preservar a vida daqueles que não são combatentes, embora nem sempre isso aconteça. O caso do conflito entre israelenses e palestinos costuma ser uma exceção. Há sempre um clamor internacional para que vidas civis sejam preservadas. Isso é extremamente positivo, mas demonstra que tudo na região é mais intenso.

Entre 2008 e 2022, perto de 6.500 civis palestinos e pouco mais de 300 civis israelenses morreram no conflito, segundo dados da ONU. Depois dos atentados do grupo terrorista Hamas no último fim de semana e da reação israelense, esse número já subiu expressivamente, com pelo menos 1.300 israelenses e 2.200 palestinos mortos. Devem ser ouvidas, portanto, as vozes que pedem respeito, compaixão e um tratamento humanitário da população da Faixa de Gaza, onde vivem mais de 2 milhões de palestinos, a maioria em condições insalubres.

Desta vez, o choque na região foi agravado por fatores inéditos. Um deles foi a barbárie indescritível dos ataques terroristas do Hamas (cujos alvos, jamais se deve esquecer, eram todos civis). Outro foi a captura de 150 reféns israelenses, levados para Gaza. É uma situação com que Israel jamais lidou — ao menos não nessa dimensão (em 2011, o país chegou a trocar a libertação de um único refém em poder do Hamas desde 2006, o soldado Gilad Shalit, pela de mais de mil palestinos que mantinha presos).

No discurso, o governo israelense prometeu “esmagar” o Hamas. Na prática, trata-se de uma missão complexa. A primeira medida adotada foi o cerco a Gaza, com corte no fornecimento de água, comida e energia, nas comunicações e trocas de mercadorias. A segunda medida foram — e são — os bombardeios contínuos que têm caído sobre áreas habitadas, uma vez que os estimados 80 mil combatentes do Hamas operam no seio da população em vez de protegê-la. Com isso, Israel atinge todos os palestinos que lá vivem e ameaça o funcionamento de hospitais e serviços essenciais para atender os feridos. Além dos bombardeios, o Exército israelense convocou 360 mil reservistas e, antes de qualquer invasão terrestre, emitiu um alerta para 1,1 milhão de civis que vivem no norte de Gaza se dirigirem ao sul.

O desafio é enorme, porque não se trata apenas de questão militar. Deflagrar uma operação para pôr fim ao Hamas traz riscos evidentes. Primeiro, para a vida dos reféns, cuja libertação Israel tem exigido como condição para aliviar o cerco. Em seguida, há um alto risco de imagem. O Hamas subjuga uma população indefesa, se infiltra nela, se mistura a ela, a usa como escudo humano em instalações militares ou outros alvos de ataques israelenses, sem se importar com a vida dos civis expostos. O Hamas tem perfeita noção disso. Não é exagero supor que aposta na reação israelense desmesurada para que a opinião pública mundial deixe a barbárie dos atentados em segundo plano.

Diante de todos esses desafios, há análises para todos os gostos propondo meios para Israel alcançar seus objetivos poupando a população civil de Gaza. Passam por cessar-fogo, estabelecimento de corredores humanitários, negociações entre as partes ou com mediação de terceiros. Não resta nenhuma dúvida de que isso seria o ideal, até mesmo imprescindível. No mundo real, porém, não importa o que se escreva, é dos israelenses a responsabilidade histórica de superar a crise e de se defender, depois do mais monstruoso atentado terrorista que já sofreram. Tal tarefa cabe apenas à sociedade, ao governo, ao Exército e ao Estado de Israel. E responderão por isso internamente e diante do mundo.

Assédio à reforma

Folha de S. Paulo

Emendas no Senado buscam privilégios setoriais que esvaziam a mudança tributária

Um objetivo central da reforma tributária é a uniformização das alíquotas dos impostos sobre o consumo de bens e serviços. Isto é, que a carga seja igual ou similar para qualquer ramo de atividade.

Além de propiciar benefícios tais como transparência, simplicidade na administração pública e privada da tributação e evitar a nefasta guerra fiscal, a uniformidade é reconhecida como meio de aumentar a eficiência geral da economia.

No entanto está em curso uma corrida pelo tratamento diferenciado —isto é, por alíquotas menores e privilégios setoriais.

Aprovada na Câmara dos Deputados já com exceções indesejáveis, a reforma tramita no Senado, onde recebeu 429 emendas até a quarta-feira (11). De acordo com reportagem publicada pela Folha, o movimento "Pra Ser Justo" analisou 310 emendas apresentadas até o dia 4. Dessas, 46% provocariam um aumento da alíquota geral.

Vale dizer: quando há exceções (imposto menor), há que compensá-las de modo a manter o nível da arrecadação dos governos, um objetivo sensato da proposta.

A corrida pelo privilégio é evidente desde as audiências públicas da reforma na Câmara. Aqueles que reclamam tratamento especial afirmam que apoiam a mudança, mas que sua atividade é por algum motivo especial o bastante para continuar a recolher impostos com alíquotas reduzidas ou até ganhar novos benefícios.

Ou seja, todos são a favor da uniformização —desde que ela só valha para os outros.

Alíquotas diferenciadas em geral distorcem as decisões de uso de recursos produtivos, ou seja, capital e trabalho. Uma decisão de investimento baseada em isenção de impostos leva menos em conta o retorno esperado do empreendimento em si. Assim, reduz-se a eficiência geral da economia.

De resto, trata-se de um incentivo para que empresas reivindiquem favores do governo, em prejuízo da busca por produtividade.

O relatório sobre o texto da reforma a ser votado no Senado deve ser apresentado no dia 24. Ainda não se sabe, pois, quais emendas serão acolhidas. Porém o relator, Eduardo Braga (MDB-AM), disse, por exemplo, que estuda como prorrogar ou criar incentivos para montadoras de veículos.

O próprio governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também apoia alguns desses favorecimentos, o que eleva os riscos para a proposta.

Quanto mais exceções, maior será a alíquota geral, o que será um obstáculo político ao avanço da reforma. Maiores serão também a distorção da alocação de capital, a complexidade do sistema e a possibilidade de guerras fiscais entre as unidades da Federação.

Decerto que uma reforma tão complexa implica inevitáveis concessões políticas. Uma oportunidade preciosa será perdida, contudo, se o texto for desfigurado a ponto de serem duvidosas as vantagens em relação ao sistema atual.

Retrocesso civilizatório

Folha de S. Paulo

Projeto que proíbe casamentos homoafetivos é afronta aos direitos humanos

Chega a ser difícil acreditar que possa prosperar no Congresso um retrocesso civilizatório como o projeto de lei que proíbe o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

Entretanto a proposta obscurantista foi aprovada por 12 votos a 5, na última terça-feira (10), pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, da Câmara dos Deputados, com impulso da direita bolsonarista e da bancada evangélica.

O texto foi relatado pelo deputado Pastor Eurico (PL-PE), cujo parecer aponta que a Constituição prevê a proteção do Estado tão somente para "a união estável entre o homem e a mulher".

Há mais de uma década, em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade legal de união entre pessoas do mesmo sexo. Os ministros entenderam que ali se sobrepunha o princípio fundamental da Carta que rechaça "preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

O Congresso deveria, isso sim, levar tal entendimento à lei.

Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça determinou que os cartórios celebrassem o casamento civil. De lá para cá, o número de uniões homoafetivas por ano quase quadruplicou, passando de cerca de 3.700 para perto de 13 mil no ano passado, de acordo com levantamento da associação que congrega os cartórios no país.

Inexiste argumento minimamente razoável para retirar dessas milhares de famílias e outras futuras a possibilidade de serem reconhecidas perante a lei. Trata-se de imposição autoritária que não pode ter lugar em uma democracia plural como a brasileira.

Note-se que o projeto quer proibir que casais do mesmo sexo possam celebrar o matrimônio no âmbito civil, em clara violação da laicidade do Estado. Não há hoje nenhuma obrigação legal para que templos de qualquer credo celebrem tais casamentos se não o quiserem —o que é devidamente protegido pela liberdade religiosa.

Felizmente ainda restam muitas etapas para a tramitação da proposta reacionária, o que dá oportunidade aos deputados de se pouparem de uma vergonha histórica e abandonarem o que seria uma afronta aos direitos humanos.

É preciso revalorizar a globalização

O Estado de S. Paulo

Questionado pela esquerda estatista e pela direita nacionalista, o sistema multilateral de comércio ainda é o melhor caminho para um mundo mais seguro, próspero e sustentável

“As ideias que moldaram o mundo globalizado de hoje foram uma resposta ao desastroso mundo desglobalizado da primeira metade do século 20. Vendo o quanto uma economia mundial dividida contribuiu para a depressão econômica, o conflito e, ao fim, para a 2.ª Guerra Mundial, os arquitetos do pós-guerra resolveram construir ao invés disso uma economia mundial aberta e integrada.” Assim a Organização Mundial do Comércio (OMC) resumiu em seu último relatório sobre o comércio global o espírito do sistema multilateral de comércio que ela supervisiona. “Um comércio mais livre entregaria crescimento e desenvolvimento compartilhados. A interdependência econômica daria aos países uma participação no sucesso um do outro. Regras e instituições internacionais promoveriam estabilidade, confiança e colaboração. O antídoto ao nacionalismo econômico de soma zero foi uma cooperação econômica global de soma positiva.”

Assim foi, especialmente após a Cortina de Ferro ser rasgada. Desde então, a extrema pobreza caiu de quase 40% da população global para 8,4%; as crianças que morrem antes dos 5 anos, de 9,3% para 3,7%; o analfabetismo, de 25,7% para 13,5%; a mortalidade materna caiu 55%; e a expectativa de vida cresceu de 64 para 73 anos. Em termos de bem-estar, foram as melhores décadas da história da humanidade.

O progresso não foi homogêneo. Há países que retrocederam. Mas a maioria melhorou e os casos de maior sucesso, em todos os continentes e culturas, têm um denominador comum: mais liberdade para inovar, criar, trabalhar, comprar e vender. Segundo o índice de Liberdade Econômica do Fraser Institute, o mais sistemático e abrangente do mundo, o PIB per capita do quartil de países mais livres do mundo é mais de 7 vezes maior que o do quartil dos menos livres, onde a miséria é 16 vezes maior. Países com mercados mais livres crescem mais rápido, têm melhores salários, menos corrupção e mais investimento, bem-estar subjetivo, democracia e respeito aos direitos humanos.

Mas a última década foi turbulenta: crise financeira, caos e terrorismo no Oriente Médio, crises migratórias, a pandemia, extremos climáticos, arrefecimento das democracias e recrudescimento das autocracias, tensões geopolíticas e uma guerra em larga escala que pode detonar uma 3.ª Guerra Mundial.

Contra todas as evidências socioeconômicas, a esquerda estatista requentou seus dogmas – ainda por esses dias o presidente Lula vociferou na ONU sobre a “massa de deserdados e excluídos” legada pelo “neoliberalismo” – e ganhou aliados nas direitas nacionalistas. Establishments assimilaram a retórica do big government, do protecionismo, da repatriação das cadeias de valor e da fragmentação em blocos geopolíticos, e populistas à direita e à esquerda, de fronts opostos, bombardeiam um mesmo inimigo: o livre-comércio. O caminho para um mundo mais seguro, inclusivo e sustentável seria a “desglobalização”.

Com efeito, a globalização trouxe danos colaterais: o crescimento dos países pobres intensificou as emissões de carbono; classes operárias nos países ricos perderam empregos; a capitalização de autocracias como a China ampliou seu potencial de agressão.

Mas a OMC traz fartas evidências e projeções demonstrando que mais fragmentação só agravaria esses problemas. O livre-comércio pode contribuir para mais segurança econômica e menos conflitos, diversificando riscos e facilitando resolução de disputas multilaterais; para menos desigualdade, incluindo economias pobres nas cadeias de valor e promovendo convergência econômica e redução da pobreza; e para mais sustentabilidade, ampliando a disponibilidade de bens e serviços ambientais e viabilizando uma governança coordenada.

A boa notícia é que a globalização continua a crescer. A má é que ela está se desacelerando. A retórica nacionalista ganha terreno e pode virar o jogo. Mas a realidade é que hoje, como sempre, o caminho para um mundo mais próspero, justo e limpo, está em mais abertura e integração, não menos. Antes que de um choque de desglobalização, o mundo precisa de uma onda de “reglobalização”.

Incoerência climática

O Estado de S. Paulo

Grandes empresas fazem alarde, mas não aderem de fato aos esforços para combater os efeitos da crise climática; é preciso investir para mudar a mentalidade de consumidores e produtores

A crise climática tornou-se a maior preocupação mundial das últimas décadas, e o temor cresce à medida que seus efeitos se acentuam de forma assustadora. Mas os investimentos das grandes empresas na mitigação dos impactos ainda são mínimos. Grande parte do planejamento de compromissos e metas se traduz mais em propaganda e retórica do que na aplicação efetiva de recursos.

Apesar da apreensão global, o ponto de inflexão ainda não foi atingido. Os mesmos investidores internacionais que cobram dados sobre emissões não estão preparados para aceitar retornos financeiros eventualmente mais baixos como resultado. Os consumidores, por sua vez, que se mostram mais sensíveis a conhecer a forma como os produtos são feitos, continuam a balizar suas compras essencialmente pelo custo. Por fim, as empresas alçam a questão ambiental ao patamar de prioridade, mas perseguem metas de retorno e de redução de custo em primeiro lugar.

Duzentas e seis multinacionais nos Estados Unidos, Europa e Brasil foram pesquisadas pela consultoria Oliver Wyman, líder global em estratégia e gestão, e pela Climate Group, ONG com escritórios em Londres, Nova York, Nova Déli, Amsterdã e Pequim. O resultado é o retrato sem filtro das decisões sobre investimentos ambientais, como mostrou a Coluna do Broadcast.

Diversos exemplos são citados no relatório Ação Climática em Escala, que usa o termo “contradição do mercado” para referir-se ao descasamento entre propostas e resultados. Mais da metade (59%) das grandes companhias ouvidas investe menos de 5% de seus recursos operacionais em medidas destinadas ao combate e prevenção da crise climática.

Os compromissos com a sustentabilidade entraram oficialmente na pauta global em 1992, com a Conferência das Nações Unidas no Rio de Janeiro (Eco92). Nesses 31 anos o mundo defende formas de frear o aquecimento global, impondo o limite de 1,5°C ao aumento anual da temperatura, sob risco de os desastres climáticos tornarem inabitável o planeta.

A consciência está formada. O problema é partir da teoria para a prática, para ir além de ações isoladas ou simbólicas. O atual estágio exige investimentos em larga escala. Pela amostra representativa do relatório é possível constatar que muitas empresas instituíram metas ambiciosas de redução de carbono até 2030, por exemplo. Mas, na maior parte das vezes, não há detalhamento dos custos que o programa representará.

O papel das grandes empresas na busca pelo equilíbrio climático não acaba com o simples estabelecimento de um cronograma de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. Além disso, é necessária a construção de negócios que prosperem num mundo descarbonizado. Não se trata de escolha. Aliás, não há mais escolha; é imperativo avançar nessa estratégia de negócios.

Os efeitos das mudanças climáticas batem à porta, com as chuvas torrenciais, ciclones, furacões, incêndios florestais, ondas de calor extremo, desastres naturais que deixam um rastro de dezenas, às vezes centenas ou milhares de mortes. Um início de primavera com temperaturas previstas acima de 40°C mostra que já passou da fase das boas intenções.

O relatório mostra que quase nenhuma ação corporativa relativa à questão climática vem do motor normal dos negócios, que é a demanda do consumidor, e nenhum dos entrevistados disse esperar que isso mude. Na interpretação deles, o comportamento do consumidor continua vinculado ao valor monetário. Isso é certamente verdadeiro, mas não pode ser tomado como algo impossível de mudar.

Enquanto a intervenção direta do consumidor for insuficiente, que haja medidas públicas para acelerar o esforço da descarbonização. O Ministério da Fazenda anunciou a criação, em breve, da taxonomia sustentável brasileira, conjunto de regras para orientar investimentos públicos e privados sobre ativos e projetos sustentáveis.

Estamos atrasados. Esse instrumento para calcular a factibilidade dos compromissos ambientais, separando o que é sério daquilo que é apenas “maquiagem verde” (greenwashing), já deveria estar em vigor.

Professor formado a distância

O Estado de S. Paulo

Explosão do ensino a distância em licenciatura eleva risco de desqualificação profissional

A multiplicação de vagas em cursos de graduação a distância, captada pelo MEC no último Censo de Educação Superior, fez com que, em 2022, dois de cada três estudantes ingressassem no ensino superior pela modalidade Ensino a Distância (EaD). Em dez anos, a quantidade de cursos dessa categoria cresceu 700%. Diante do baixo índice de qualificação do EaD – apenas 19% dos cursos privados e 34% dos públicos obtiveram notas 4 ou 5 na avaliação feita pelo Inep –, essa ascensão meteórica é alarmante.

Nos cursos de licenciatura oferecidos por instituições privadas, nos quais são formados professores das mais diferentes disciplinas, há um abismo impressionante entre o ensino presencial e o remoto. De acordo com o censo, 93,7% dos ingressantes entre 2012 e 2022 foram por EaD na rede particular. Um fenômeno que vinha se desenhando havia alguns anos, foi potencializado no período da pandemia e manteve o ritmo mesmo depois do fim das medidas de isolamento social.

O ministro da Educação, Camilo Santana, se diz extremamente preocupado e defende fiscalização mais rigorosa, coordenação e regulamentação desses cursos. Ora, são iniciativas que o MEC deveria ter tomado aos primeiros sinais de crescimento descontrolado da oferta. Pelos dados do censo, nos cursos de EaD em instituições privadas a média é de 171 alunos por professor. Difícil imaginar um bom acompanhamento docente numa turma tão numerosa, mesmo que com participação a distância. A média total é de turmas de 12 alunos, considerando instituições públicas e privadas em cursos presenciais e EaD.

O ensino remoto, como bem disse o ministro Camilo Santana, não pode ser demonizado. Mas precisa de regulamentação criteriosa que confira credibilidade acadêmica aos profissionais que forma. De pouco adianta democratizar o ensino superior elevando-se o total de alunos, mas deixando de lado a imposição de uma instrução de excelência. Quantidade e qualidade são metas a serem perseguidas simultaneamente. De forma alguma a primeira parece ter se tornado a prioridade, e se assim for o País acabará depreciando profissionais essenciais para o desenvolvimento.

Atualmente, considerando instituições públicas e privadas, oito de cada dez alunos matriculados em cursos de licenciatura optam pelo EaD. Ou seja, em pouco tempo haverá no País um contingente de professores do ensino fundamental majoritariamente formado pelo ensino a distância. Não seria uma catástrofe anunciada se, ao menos, a qualidade dessa formação fosse permanente e criteriosamente avaliada e descredenciados os cursos que não obtivessem a expertise mínima para permanecer em atuação.

A situação piora diante da evasão nesses cursos da educação superior, considerando-se os de EaD e presencial, tanto nas públicas como nas particulares. No conjunto dos cursos de licenciatura do País, 58% dos estudantes que ingressaram na faculdade em 2013 haviam desistido do curso em 2022.

A formação de professores é fundamental para a qualificação do ensino, que precisa urgentemente de um salto de qualidade. O atual quadro, contudo, não autoriza otimismo.

Um apelo antigo: melhorar a educação

Correio Braziliense

"O Brasil precisa unir esforços para empreender uma educação sólida, que prepare o país para os monumentais desafios presentes e futuros"

Neste Dia do Professor, impõe alertar, mais uma vez, para uma necessidade tão antiga quanto essencial: a imperiosa urgência de melhorar a educação no país. Trata-se de caminho incontornável se o Brasil quiser galgar efetivamente novos patamares de desenvolvimento. Investir na qualidade do ensino direciona a nação para um futuro promissor; tem efeito direto no mercado de trabalho; contribui para combater mazelas, como a violência; ajuda a instaurar a civilidade no nosso meio; forma cidadãos capazes de fazer as melhores escolhas na política, na economia, na vida cotidiana.

Os efeitos positivos citados brevemente acima evidenciam os benefícios transversais e geracionais proporcionados pelo cuidado com a educação. Aprimorar a qualidade do ensino deveria ser — e aqui não se fala novidade alguma — política de Estado, e não de governo. Infelizmente, gestões irresponsáveis e vieses ideológicos, tanto da esquerda quanto da direita, prejudicam a formação educacional de brasileiros.

Perpetua-se um estado de coisas lastimável, como crianças em idade escolar que não compreendem os rudimentos do português ou da matemática; jovens que abandonam o ensino médio; professores mal remunerados e desvalorizados; escolas em condições deploráveis – quando há escolas.

É extensa a quantidade de estudos disponíveis que detalham os desafios educacionais no Brasil. Um levantamento esclarecedor foi divulgado em setembro pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no relatório Education at a Glance (Um olhar para a educação, em tradução livre). Os dados informam que o Brasil investe US$ 3,5 mil por aluno/ano na educação pública básica. É menos de um terço da média dos países da OCDE, na faixa de US$ 10,9 mil. E o baixo investimento é apenas uma parte do problema. Mais do que a quantidade de recursos, especialistas alertam para a necessidade de se observar a qualidade desses investimentos, a partir da verificação de seus resultados.

Outra amostra inquietante veio a público na semana passada. O Censo da Educação Superior, divulgado pelo Ministério da Educação, identificou sinais preocupantes na formação de professores. O levantamento apontou um crescimento vertiginoso dos cursos a distância. Na formação em licenciatura, 80% dos alunos optaram por essa modalidade. Não se trata, como ponderou o ministro da Educação, Camilo Santana, de “demonizar” os cursos a distância. Mas existe claramente um deficit de qualidade na preparação desses futuros profissionais da sala de aula.

Segundo o resultado mais recente do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), a situação é grave: os cursandos de licenciatura tiveram, numa escala de 0 a 10, nota abaixo de 5. Em Pedagogia, anotaram 3,6. “Não podemos aceitar que a grande maioria dos cursos de licenciatura do Brasil seja a distância”, disse Camilo Santana. “Não tenho dúvidas de que vamos ter desafios enormes em relação, principalmente, aos cursos de licenciatura”, acrescentou.

Está claro, pois, que o Brasil precisa unir esforços para empreender uma educação sólida, que prepare o país para os monumentais desafios presentes e futuros. Problemas como desigualdade social, emergência climática, avanço do crime organizado, apenas para citar alguns, só poderão ser mitigados ante uma ação coletiva, que envolva governo e sociedade, em todos os níveis.

 

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