terça-feira, 10 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Mercado de créditos de carbono é um avanço para o Brasil

O Globo

Projeto aprovado no Senado representa passo essencial, mas texto deveria incluir agropecuária

O Projeto de Lei que regula o mercado de carbono, aprovado por unanimidade pela Comissão do Meio Ambiente do Senado, não é o ideal, mas sem dúvida representa um avanço. Estabelece um mecanismo fundamental para reduzir as emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

Votado de forma terminativa, sem necessidade de ir ao plenário, o projeto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Estipula, para as empresas que lançarem mais de 10 mil toneladas de carbono na atmosfera (ou o equivalente em outros gases), a obrigação de apresentar um relatório de emissões e reduções, pelas quais terão direito a créditos. As que emitirem mais de 25 mil toneladas terão de comprar esses créditos de carbono das que tiverem reduzido suas emissões — ou então terão de pagar multas, perderão benefícios fiscais e estarão proibidas de firmar contratos com o setor público.

A negociação de créditos de carbono, hoje apenas voluntária, passará ao mercado formal. Com a compra e a venda reguladas por lei, empresas com dificuldades de reduzir emissões serão obrigadas a adquirir a permissão de outras que reduzirem. Tal mecanismo induzirá a transição a um sistema produtivo mais limpo e contribuirá para o Brasil cumprir as metas de corte assumidas no Acordo de Paris. O projeto também traz mais segurança jurídica às iniciativas de descarbonização em curso, ao criar uma autoridade nacional de natureza técnica, responsável por avaliar projetos e certificar as metodologias adotadas. Calcula-se que alcance 85% do mercado corporativo.

A principal deficiência foi uma concessão à bancada ruralista adotada de última hora. Os senadores retiraram agricultura e pecuária dos setores obrigados a apresentar relatórios. Tal mudança exclui do mercado de carbono a segunda maior fonte brasileira de emissões. A principal é o manejo da terra, que inclui desmatamentos, com 49% do total. A agropecuária responde por 25%. Como o desmatamento também está relacionado ao avanço agrícola, de forma direta ou indireta a agropecuária acaba respondendo por mais da metade dos gases que o Brasil lança na atmosfera.

O argumento usado para justificar a exclusão da agropecuária — aceito pela relatora do projeto, senadora Leila Barros (PDT-DF), cujo trabalho foi de resto louvável— é a dificuldade de medir as emissões da atividade rural. É um argumento falho. Há centenas de estudos científicos sobre as emissões das atividades agrícolas. Basta consultar universidades, técnicos do Ministério da Ciência e Tecnologia ou as organizações especializadas que já fornecem essas medidas às empresas mais modernas e inovadoras do agronegócio.

Atrair investimentos externos é crucial para economia brasileira

O Globo

País continua atraente para o investidor estrangeiro, mas seria ainda mais se aprofundasse reformas

Diante da carência crônica de capital e do baixo nível de poupança, o investimento estrangeiro é fundamental para alavancar a economia brasileira e desenvolver o país. Por isso é auspiciosa a notícia de que, apesar das turbulências políticas, os investidores estrangeiros continuam atentos ao Brasil, têm colocado aqui quantidade considerável de dinheiro e poderão aumentar ainda mais esses recursos se o país tiver a sabedoria de promover uma agenda de reformas que traga mais dinamismo econômico.

Em cinco dos últimos seis anos, o Brasil atraiu mais investimento em construção, compra ou ampliação de empresas que a Índia, um dos países que mais crescem, segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Em 2022, foi o quinto no ranking mundial de Investimentos Estrangeiros Diretos, atrás somente de Estados Unidos, China, Cingapura e Hong Kong. Um ano antes, era o sexto. Entre 2015 e 2022, foi o país emergente que mais atraiu investimento internacional em projetos de energia renovável.

Dados recentes divulgados pelo jornal Valor Econômico mostram que, no mercado de fusões e aquisições, o interesse dos estrangeiros também é crescente. Apesar da tendência mundial de queda neste ano nesse segmento (em torno de 70%), a confiança dos estrangeiros no Brasil só fez crescer no primeiro ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles investiram em fusões e aquisições quase US$ 16 bilhões do início de janeiro ao final de setembro, ou 61% do total. No mesmo período do ano passado, o montante tinha somado US$ 14 bilhões.

O setor de commodities, em que o país tem clara vantagem comparativa, desempenhou papel relevante. A Vale vendeu 13% de sua unidade de metais básicos à Manara Minerals, da Arábia Saudita, e ao fundo americano Engine No.1, em transação de US$ 3,4 bilhões. Os estrangeiros também se interessaram por outros setores da economia e participaram de nove das dez maiores operações. A Visa pagou US$ 1 bilhão para ficar com a Pismo, plataforma de serviços bancários com operações na América Latina, Ásia e Europa. Em sua primeira aquisição no país em 20 anos, a suíça Nestlé comprou a Kopenhagen pelo equivalente a US$ 900 milhões. A Biotrop, empresa de tecnologias biológicas e naturais para o agronegócio, foi adquirida pelo grupo belga Biobest.

O motivo para investir em empresas brasileiras pode variar. Há quem deseje participar de uma operação de exportação. Mas a maioria põe dinheiro aqui de olho no mercado interno. Pelos dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), O Brasil cresceu 5% em 2021 e 2,9% em 2022, abaixo da média latino-americana. As projeções para este ano (2,1%) e o próximo (1,2%) são inferiores às estimativas para as economias emergentes e à média global.

Dá para imaginar o salto que os investimentos externos dariam se o Congresso adotasse uma agenda voltada ao crescimento. Por isso não deve haver demora na aprovação das reformas, em especial a tributária, que colocaria o país noutro patamar de competitividade.

Emprego surpreende, mas ritmo de expansão deve cair

Valor Econômico

Parece pouco provável que o ano repita o feito de 2022, quando 2 milhões de vagas formais foram abertas

A resiliência do mercado de trabalho tem surpreendido desde o início do ano. Inicialmente, os analistas davam como certo de que a melhoria seria passageira e não resistiria ao avançar dos meses. Depois se constatou que o reforço dos programas de benefícios, notadamente do Bolsa Família, poderia estar levando mais pessoas a deixar de procurar emprego, reduzindo o desemprego por conta da menor taxa de participação. A economia mais forte do que se esperava também pode ter animado o mercado de trabalho. À medida que o tempo passa, porém, parece estar havendo uma combinação de todos esses fatores, com efeito incerto ao longo do tempo.

Os dados mais recentes divulgados confirmam a manutenção da tendência de melhora do emprego. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, referente ao trimestre móvel terminado em agosto, mostrou uma taxa de desemprego de 7,8%, inferior ao trimestre móvel anterior, de 7,9%, e ao de igual período em 2022, de 8,9%. A taxa de 7,8% é a menor para um trimestre encerrado em agosto desde 2014 (7%) e também a menor para qualquer trimestre da pesquisa desde fevereiro de 2015 (7,5%).

Ao fim de agosto, o país tinha 8,4 milhões de desempregados, 1,3 milhão a menos do que um ano antes, ou 13,2%. É o menor contingente de desempregados desde o trimestre encerrado em junho de 2015 (8,5 milhões). A população ocupada, incluindo empregados, empregadores e funcionários públicos, somava 99,7 milhões de pessoas, mais 641 mil pessoas em um ano.

Na semana passada, o Ministério do Trabalho e Emprego divulgou que o Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou a abertura líquida de 220.844 mil vagas com carteira assinada em agosto, o melhor saldo desde janeiro. No ano, o número de vagas criadas foi de 1,3 milhão.

O aumento do emprego vem acompanhado de aumento da remuneração. A massa salarial real, soma de todos os rendimentos dos brasileiros ocupados, alcançou o recorde de R$ 288,9 bilhões no trimestre findo em agosto, maior valor da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. É resultado da elevação do número de trabalhadores empregados e da expansão do rendimento médio real, favorecida pelo aumento real do salário mínimo. Já o rendimento real ficou estável no período, totalizando R$ 2.947, com crescimento de 4,6% no ano.

Para o IBGE, o contexto econômico favorável contribui para a redução do desemprego, sem especificar algum fator. De fato, a economia também vem surpreendendo positivamente desde o salto de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, puxado pelas atividades da agropecuária, até o crescimento de 0,9% no segundo trimestre.

Por toda parte houve revisão para cima das projeções para o PIB deste ano. O Ipea é o mais otimista e elevou de 2,3% para 3,3% a previsão de crescimento, número à frente até mesmo dos 3,2% estimados pelo governo e replicados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No mercado financeiro, a expectativa ronda os 2,9%, de acordo com o Boletim Focus. Mais comedido, o Boletim Macro FGV Ibre revisou o percentual projetado de 1,8% para 2,5%.

Segundo o IBGE, um grupo de atividades relacionadas aos serviços responde por quase 70% do aumento da ocupação até agosto, compreendendo informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas; administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana; serviços sociais e domésticos.

Embora a metodologia seja completamente diferente da do IBGE, que capta a ocupação formal e a informal, os dados do Novo Caged, que se referem ao trabalho com carteira assinada, também confirmam o setor de serviços como principal gerador de emprego, com 777.130 postos criados de janeiro a agosto. O segmento se beneficia do crescimento de outros setores, como o agropecuário, que estimula indiretamente a abertura de vagas em segmentos como transportes e seguros. A agropecuária propriamente dita é a que menos vagas com carteira assinada gerou neste ano até agosto, 105,4 mil, segundo o Caged.

O aumento das contratações pela administração pública, especialmente nas áreas de saúde e educação, também ampliou os números. Essas contratações não são necessariamente formais, muitas têm caráter temporário, dependem de fatores como arrecadação e iniciativas políticas, e carecem de sustentação a médio prazo.

A melhoria do mercado de trabalho, inegável nos últimos meses, parece ter um progresso duvidoso à frente. Espera-se que tenha ficado para trás o sombrio primeiro trimestre de 2021, quando o desemprego beirou os 15%. Os próximos meses podem ser favorecidos pelas contratações sazonais de fim de ano. Mas parece pouco provável que o ano repita o feito de 2022, quando 2 milhões de vagas formais foram abertas. Para chegar lá seria necessário abrir 700 mil vagas em três meses, ritmo muito superior ao atual.

Hamas terrorista

Folha de S. Paulo

Massacrar civis foi o objetivo da invasão à Israel; geopolítica fica mais instável

Hamas, agremiação islâmica que dá as cartas na Faixa de Gaza, cruzou de vez a fronteira rumo ao terrorismo sanguinário.

Não havia objetivo militar nenhum na invasão de território sob controle de Israel neste sábado (6). Os bandos armados sabiam que não teriam condições de sustentar posições do outro lado da cerca.

A única intenção foi a de, beneficiando-se da surpresa propiciada pelo completo fracasso da inteligência israelense, massacrar e sequestrar civis indefesos.

Jovens que se divertiam num festival foram impiedosamente alvejados, o que deixou ao menos 260 mortos. Outros acabaram arrastados à força para cativeiros mantidos pelos terroristas.

Assassinar quem encontrassem pelo caminho e abduzir não combatentes, sem poupar mulheres nem crianças, também norteou as incursões dos jihadistas em outras localidades do sul de Israel. Mais de cem corpos foram encontrados numa comunidade invadida pelos celerados homicidas.

Agora uma brigada do Hamas ameaça matar reféns, seguindo a cartilha da bestialidade terrorista.

Condenar a carnificina patrocinada pelo grupo islâmico é o mínimo que as nações responsáveis deveriam fazer. Alertar Israel para que utilize com proporcionalidade e foco o seu enorme poderio bélico no revide também.

Outra recomendação de bom senso seria os dois lados reencontrarem rapidamente o caminho da diplomacia. Isso exigiria que as lideranças moderadas palestinas retomassem o controle político no campo dos árabes e que fosse revertida a deriva do governo de Israel para a direita religiosa.

Esse encaminhamento ideal, é forçoso convir numa abordagem realista, tornou-se bem menos provável após os atrozes acontecimentos do fim de semana.

A estocada terrorista do Hamas, que deixará traumas duradouros na sociedade e na política de Israel, deve desencadear uma nova espiral de violência no Oriente Médio. Nesse ambiente o terreno se torna propício ao avanço de correntes radicais de lado a lado.

Desenhava-se, sob a coordenação dos Estados Unidos, uma aproximação entre o Estado judaico e a ditadura saudita que poderia redundar num histórico reconhecimento de Israel pelo reino árabe.

Esse movimento fica agora em suspenso, como de resto congelam-se todas as demais expectativas sobre iniciativas que pudessem levar mais estabilidade àquela região conflagrada do planeta.

Pelo contrário, os ventos ora sopram na direção da incerteza. À desafiadora agressão russa na Ucrânia soma-se um redivivo, sangrento e, pelo visto, prolongado conflito entre israelenses e palestinos.

Pisos e tetos

Folha de S. Paulo

Governo improvisa após trapalhada na saúde; perdeu-se chance de rediscutir gasto

Inexiste boa saída para o imbróglio em que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se meteu com as despesas públicas em saúde.

O problema foi criado pela própria administração petista, com ajuda impensada do Congresso, quando se decidiu, além de acabar com o teto para os gastos federais, restabelecer as regras constitucionais que impõem pisos para os aportes em educação e saúde fixados como percentuais da receita.

Tudo isso já virou lei, mas o governo se esqueceu de colocar no papel que só pretendia seguir as normas a partir do próximo ano. Agora, a menos de três meses para o final deste 2023, tenta escapar da obrigação de destinar ao SUS perto de R$ 20 bilhões acima do que está previsto no Orçamento.

Até aqui, Lula e sua equipe econômica já arcam com o desgaste de terem cometido uma trapalhada e de estarem tentando cortar verbas para uma área social prioritária. Esses seriam os menores males.

Na tentativa de remediar a situação, conseguiu-se que o Congresso aprovasse proposta que pode reduzir para R$ 4,8 bilhões o valor extra a ser pago neste ano —o texto estabelece que será usada uma expectativa menor de receita para o cálculo do montante.

O arranjo é precário, pois se trata de um projeto de lei que busca remendar a aplicação de um ditame inscrito na Constituição e, portanto, hierarquicamente superior. Mesmo assim, o Executivo seria obrigado a promover às pressas um remanejamento difícil de recursos para cumprir a norma.

Por isso, o governo trabalha com alternativa não menos tortuosa: uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito da possibilidade de gastar não mais que os cerca de R$ 170 bilhões autorizados na lei orçamentária.

Entre um improviso e outro, o fato é que se perdeu oportunidade preciosa de rediscutir as regras constitucionais de gastos em saúde e educação, também aplicadas a estados e municípios.

Os percentuais fixos da receita vão perdendo sentido à medida que mudam as necessidades e as prioridades da gestão pública. Nos próximos anos, o envelhecimento da população deve exigir mais recursos para o SUS, enquanto o oposto se dá no ensino.

O governo não deveria trabalhar com tetos nem pisos imutáveis para despesas. Os segundos engessam o Orçamento e desincentivam avanços gerenciais que permitam serviços melhores a custos menores.

Terrorismo não tem outro nome

O Estado de S. Paulo

Manda a decência que o Brasil se alinhe aos países civilizados no repúdio ao ataque do Hamas a civis, e foi o que Lula fez, reafirmando diretriz de uma política externa avessa ao terror

O presidente Lula da Silva felizmente poupou a inteligência alheia ao chamar de terrorismo o que terrorismo é. Diante do assassinato indiscriminado de centenas de civis inocentes em Israel no intervalo de poucas horas, numa covardia que encontra poucos paralelos na história, não restou alternativa a Lula senão se dizer “chocado com os ataques terroristas realizados contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas” e ao repudiar “o terrorismo em todas as suas formas”.

Lula deve ter feito um esforço considerável para publicar essa mensagem nas redes sociais. Não poucos petistas certamente esperavam que seu grande líder divulgasse um comunicado mais ambíguo, cuja leitura resultasse na conclusão de que as vítimas, no caso os israelenses, são responsáveis por seu infortúnio em razão do comportamento pregresso de Israel em relação aos palestinos. Para o chanceler informal de Lula, Celso Amorim, por exemplo, o ataque “vem depois de anos e anos de tratamento discriminatório” por parte de Israel. “O que acabou de acontecer é apenas uma demonstração, grave, com consequências, do que acontece pela perda da esperança na paz”, acrescentou Amorim.

Essa linha de raciocínio é propositalmente enganadora, pois considera que havia alguma “esperança de paz” com o Hamas, o grupo terrorista responsável pelo ataque a Israel. O Hamas não quer nem nunca quis a paz, em primeiro lugar porque a destruição de Israel está em seu estatuto fundador, e em segundo lugar, mas não menos importante, é uma organização satélite do Irã, que igualmente deseja a destruição de Israel. Sem levar em conta essa circunstância nada desprezível, atribuir exclusivamente a Israel a extrema violência de quem pretende aniquilá-lo é, no mínimo, cínico.

Felizmente, o único favor que Lula fez aos cínicos foi omitir o nome do Hamas em seu comunicado. Podia ser pior, considerando-se que o PT, partido do presidente, em nota oficial, conseguiu a proeza não só de omitir o nome do Hamas, mas de ignorar que havia claramente um agressor e um agredido. “O Partido dos Trabalhadores expressa sua preocupação com a recente escalada de violência envolvendo palestinos e israelenses, com diversas vítimas civis, incluindo crianças e idosos”, diz a mensagem, que não faz nenhuma mísera concessão à verdade dos fatos.

Manda a decência que o Brasil se alinhe aos países civilizados no repúdio veemente e sem meias palavras ao ataque deliberado do Hamas contra civis inocentes, e foi o que Lula fez, reafirmando a diretriz de uma política externa avessa ao terror e historicamente defensora da solução pacífica para o conflito entre Israel e Palestina.

O Brasil preside, neste mês, o Conselho de Segurança da ONU, lembrou Lula, ao comprometer-se a não poupar “esforços para evitar a escalada do conflito”. Embora seu poder de influência no conflito entre Israel e Palestina seja limitado, o Brasil mantém-se rigorosamente como defensor da adoção dos termos dos Acordos de Oslo, selados há 30 anos por israelenses e palestinos. Apesar da negligência de ambos os lados e da omissão da comunidade internacional, a construção de um Estado soberano palestino com fronteiras definidas, previsto pelo pacto, tem sido a tônica da política externa brasileira sobre segurança no Oriente Médio.

O pêndulo das duas gestões anteriores de Lula na Presidência pendeu para a causa palestina em razão dos desvios de Israel ao acerto de Oslo e das suas consequências inevitáveis – o domínio tirânico do Hamas sobre a população da Faixa de Gaza, com apoio e financiamento do Irã, e o recrudescimento de sua violência contra os israelenses. Vergou igualmente sob a pressão da militância petista e de uma ala ideológica da diplomacia, ainda presas aos dogmas da guerra fria. No entanto, verdade seja dita, o Brasil dos anos 2000 jamais deixou de preservar sua relação de amizade e de cooperação com Israel.

A condenação de Lula ao terrorismo palestino contra Israel indica a prevalência da maturidade e do bom senso. Não pode haver tergiversação nem cálculo político diante do terror.

O labirinto da América Latina

O Estado de S. Paulo

Conjuntura oferece oportunidades, mas sem a qualificação da governança pública e da produtividade privada, instabilidade política e estagnação econômica seguirão reforçando uma à outra

A teoria econômica sugere que países pobres tendem a convergir aos níveis de renda dos ricos. Há décadas isso acontece no leste da Ásia, mas não na América Latina. Por que não? E como romper essa estagnação? Foram questões enfrentadas numa análise do G30, um instituto global, com sede em Washington, formado por lideranças econômicas de setores públicos, privados e da academia.

Desde os anos 70, países com renda per capita similar à dos latino-americanos cresceram o dobro. A escolaridade cresceu em ambos os grupos, mas a América Latina teve taxas bem menores de investimento e produtividade. A principal explicação é a má alocação de recursos. Primeiro, entre empresas de um mesmo setor. Políticas mal desenhadas – que restringem excessivamente contratações e demissões; incentivam empresas a se manterem pequenas e informais; ou que sobretaxam setores produtivos e subsidiam improdutivos – canalizam recursos de empresas de alta produtividade às de baixa produtividade. Depois, há a má alocação entre setores, especialmente entre bens exportáveis e o resto. Países com exportações diversificadas tendem a crescer de modo mais rápido e sustentável, entre outras razões pelas habilidades necessárias para produzir um conjunto complexo de bens. Mas desde os anos 2000 a complexidade na América Latina oscila entre estagnada e declinante – como no Brasil.

Nesse panorama, há especificidades. O G30 diagnostica quatro “síndromes” de baixo crescimento. Primeiro, há os países com macroinstabilidade endêmica, como Argentina ou Venezuela, marcados por hiperinflação, crescimento volátil e dívida insustentável. Segundo, há os com macroestabilidade, como Chile, Colômbia ou Uruguai, mas cujas falhas de governos e mercados, bem como os investimentos de baixo retorno, têm levado à desaceleração. Há o caso peculiar do México, que goza de uma indústria sofisticada, mas que está estagnado por má alocação na produtividade, disparidades regionais, narcoviolência e deterioração institucional.

Há, por fim, a síndrome brasileira. O “custo Brasil” – resultante de protecionismo, subinvestimento em infraestrutura, educação precária, alta informalidade do trabalho, subsídios a privilegiados, burocracia paquidérmica e corrupção – é pesado. Mas o problema de fundo é caracterizado por déficits orçamentários endêmicos, juros altos e pouca poupança. “O Brasil não crescerá em bases sustentáveis a menos que conserte seu problema fiscal secular.” Mas, como as reformas tributária ou administrativa evidenciam, “todas as áreas de ajustes potenciais são ‘possuídas’ por algum grupo influente”.

Países da América Latina também têm desafios relativos à sua governança política. “Suas democracias estão mais bem ranqueadas que as da África, Oriente Médio e Ásia, mas vemos um consistente retrocesso da democracia e da qualidade das instituições de governo”, nota Andrés Velasco, um dos pesquisadores. “A confiança entre os cidadãos caiu, bem como nas instituições”, minando a capacidade do Estado e nutrindo o populismo.

Um caminho alternativo, diz o G30, é possível, “mas exigirá bons políticos, boa política e sorte”. A conjuntura global oferece o que se poderia chamar de “sorte”. A descarbonização, combinada a uma região farta em sol, ventos, minérios e água, e a necessidade das democracias ricas de realocar fornecedores a países amistosos e próximos, combinada às oportunidades comerciais oferecidas pelas novas tecnologias, podem ser o combustível necessário para a revitalização latinoamericana.

Mas mesmo o mais potente combustível é inútil numa máquina disfuncional. Sem vontade política e cívica capaz de definir e organizar prioridades, como a reforma dos serviços públicos, a alocação produtiva ou a diversificação das exportações, o natural é que “a economia e os resultados distribucionais medíocres continuem a envenenar o poço da desconfiança mútua, tornando a política mais fragmentada, as eleições mais polarizadas e a capacidade de fazer escolhas difíceis – do tipo que impõem custos agora e benefícios à frente – ainda mais reduzida”. •

Falta indústria na balança comercial

O Estado de S. Paulo

Superávit comercial contribuirá para aumento do PIB, mas dados embutem sinal de alerta

Sucessivos desempenhos positivos da balança comercial projetam para 2023 superávit recorde de US$ 93 bilhões, estimativa tanto do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) quanto da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). De janeiro a setembro, o saldo de US$ 71,31 bilhões já é 16% superior ao registrado em todo o ano de 2022.

A expressiva exportação de commodities agrícolas e minerais fará do resultado do comércio exterior a melhor notícia da economia neste ano, apesar de os preços de alguns importantes produtos, como soja e milho, estarem mais baixos do que no ano passado, como mostrou reportagem do Estadão. O saldo ajudará a empurrar para cima o Produto Interno Bruto (PIB).

No boletim Visão Geral da Conjuntura de setembro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revisou para cima sua expectativa de alta do PIB, de 2,3% para 3,3%. Além do forte desempenho agropecuário, que estima crescer em 15,5%, o prognóstico tem grande influência da alta das exportações, que se situa em 8,5%, e da queda de 0,5% das importações.

E aí está o ponto de divergência entre governo e exportadores. Enquanto o vice-presidente Geraldo Alckmin, titular do MDIC, usou as redes sociais para classificar o superávit comercial como uma “notícia triplamente positiva” por contribuir para o crescimento econômico, a inovação e a geração de empregos, José Augusto de Castro, presidente da associação de comércio exterior, destacou o caráter negativo do resultado por ser fortemente influenciado pela redução das importações, e não exatamente pelo aumento da atividade.

Há, de fato, no monitoramento dos dados, um importante sinal de alerta a ser observado pelo governo. Ainda que o desempenho extraordinário do agro esteja sendo ditado pela competitividade alcançada pelo setor, o escoamento da produção no mercado internacional tem sido muito beneficiado pelos baques sofridos por concorrentes que tiveram colheitas atingidas por problemas climáticos, como Estados Unidos e Argentina.

O Brasil, que passa, na cultura agrícola, razoavelmente ileso aos prejuízos da crise climática, deve produzir neste ano mais de 300 milhões de toneladas de grãos, outro recorde. É essa supersafra que vem sustentando o bom resultado das vendas, que poderia ser melhor, se os preços continuassem no mesmo ritmo de 2022. Mas, pelo menos, mantêm-se em nível superior ao de antes da pandemia.

A questão, também destacada no boletim do Ipea, é a queda dos investimentos do setor produtivo, destacados pela rubrica Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). A projeção é que, neste ano, o resultado seja 2,1% menor do que o pífio avanço de 0,9% de 2022. O pior é que a queda tem sido constatada especialmente no setor de máquinas e equipamentos, o principal indicador da atividade industrial. Aí está a essência do problema.

A indústria, que respondia por quase 50% das exportações nos anos 2000, não chega a bater 30% atualmente. A agropecuária tem dado suporte fundamental à economia, mas sem a indústria o PIB brasileiro não conseguirá se firmar.

Transporte público, uma área de risco

Correio Braziliense

Os passageiros queixam-se também dos furtos nos ônibus. Essa outra expressão de violência por falta de segurança nos terminais e dentro dos veículos. Algo corriqueiro em todo país, a exigir das empresas e dos governos providências urgentes

Transporte público quase sempre é um grande problema para os usuários e para o Estado. Há poucos dias, um cobrador de ônibus foi morto, com tiro à queima roupa, por latrocidas, simplesmente porque não ouviu a ordem do marginal para que passasse o dinheiro que estava no caixa. O crime ocorreu na capital da República, diante de dezenas de passageiros, que ficaram em pânico e atônitos com a inominável violência. Os criminosos foram presos, mas a insegurança não cessa aí. Cabe às autoridades responderem à indagação feita por todos: quais providências serão tomadas para que os usuários tenham sua integridade preservada?

Os passageiros queixam-se também dos furtos nos ônibus. Essa outra expressão de violência por falta de segurança nos terminais e dentro dos veículos. Algo corriqueiro em todo país, a exigir das empresas e dos governos providências urgentes. Trabalhadores, estudantes, idosos compõem a maioria dos usuários do transporte coletivo, um segmento da sociedade com pouca renda.

As mulheres também são vítimas, cotidianamente, do assédio sexual no transporte público, seja ônibus, seja metrô ou no transporte por aplicativo. A separação de vagões exclusivos para mulheres é uma alternativa desrespeitada. E isso ocorre não só pelo elevado número de usuários, mas, sobretudo, pela falta de educação, respeito e machismo dos homens, pródigos em desrespeitar as mais básicas regras de civilidade. Por parte das empresas, falta fiscalização, a fim de conter os abusos no interior dos ônibus e trens.

As administradoras de aplicativos, provavelmente, não fazem uma seleção rigorosa do comportamento pregresso dos motoristas. Ainda que tomem providências contra os agressores de passageiros, são medidas que chegam com atraso. Os danos aos usuários poderiam ser evitados se critérios rigorosos de seleção fossem práticas regulares.

O público LGBTQIAP , além de ser suscetível a diferentes formas de violência, é alvo também da homofobia. As agressões não são físicas ou patrimoniais. Esse segmento sofre com as agressões verbais e intimidações. Recentemente, uma série de reportagens do Correio Braziliense revelou as dificuldades que esse grupo enfrenta dentro do transporte coletivo. Desrespeitados, eles são vistos como parcela de não humanos por uma sociedade eivada de preconceitos.

Os deficientes físicos formam outro grupo da população que enfrenta dificuldades de mobilidade se depender, unicamente, do transporte público. Em grande parte dos ônibus, faltam sistemas que facilitem o acesso de cadeirantes, usuários de muletas, entre outros obstáculos.

Na capital da República e na maioria das cidades brasileiras, o transporte coletivo ainda deixa muito a desejar. Longe de padrões de segurança e de respeito aos usuários. Tratam-se de questões antigas e não resolvidas, apesar das críticas e das demandas dos usuários. Empresas e poder público postergam soluções que assegurem qualidade ao serviço prestado à sociedade. Ambos têm obrigação de atender bem e de modo satisfatório os passageiros, garantindo-lhes conforto e segurança. Isso é mínimo o que devem aos usuários.

 

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