sexta-feira, 27 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Reforma tributária cheia de exceções trará alíquota maior

O Globo

A realidade aritmética é inescapável: se uns pagarem menos imposto, os outros precisarão pagar mais

Não há dúvida de que a reforma tributária em tramitação no Congresso representará um enorme avanço para a economia brasileira. Ela acaba com a cobrança cumulativa dos impostos sobre serviços e consumo, põe fim à guerra fiscal entre os estados, aproxima o sistema tributário brasileiro dos melhores e contribui para aumentar a competitividade do país. Ao analisá-la, porém, os parlamentares precisam compreender que há uma contradição intrínseca no parecer apresentado pelo relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM).

O texto amplia as exceções à alíquota de referência adotada nos novos impostos criados — a CBS (federal) e o IBS (estadual e municipal) — em substituição a outros cinco. Ao mesmo tempo, quer manter intacta a arrecadação. Isso significará necessariamente uma alíquota maior, em prejuízo das empresas não enquadradas nas exceções.

Braga acerta ao impor no texto um limite de crescimento à carga tributária, avaliado periodicamente. Mas, como não considera a possibilidade de queda na arrecadação, supõe uma alíquota de referência maior. A realidade aritmética é inescapável: quando um empresário é beneficiado com imposto menor, todos os outros precisam pagar mais, do contrário a arrecadação cai. O governo prevê uma alíquota de 27% para a soma dos dois impostos. Antes mesmo da apresentação de Braga, porém, já havia no mercado estimativas de até 33%. Certamente elas subirão.

Regimes excepcionais deveriam estar embasados em justificativas sólidas, não na distribuição voluntária de bondades. Um exemplo: o texto do relator isenta de tributação uma cesta de produtos de primeira necessidade (outra, mais ampla, estará sujeita a alíquota reduzida). Mesmo que as empresas repassassem toda essa vantagem ao preço final, o resultado seria injusto, pois beneficiaria pobres e ricos de forma indiscriminada. A literatura econômica demonstra que impostos sobre consumo não são o instrumento adequado para combater a desigualdade.

O texto aprovado na Câmara já era pródigo em exceções. Em vez de reduzi-las, Braga criou outras. Propôs alíquotas menores até na concessão de rodovias ou saneamento básico. Ofereceu desconto de 30% a profissionais liberais, um agrado a escritórios de advocacia, consultorias e médicos. A maioria desses profissionais de classe alta está inscrita em regimes especiais como o Simples (foco de distorções não tratadas nesta reforma). Se beneficiá-los já era socialmente injustificável, que dizer da nova vantagem?

Amazonense, Braga manteve a proteção à Zona Franca de Manaus. Felizmente abandonou a ideia de cobrar de concorrentes das empresas instaladas nela o Imposto Seletivo, criado para coibir o consumo de produtos nocivos como álcool ou cigarro. No lugar, previu uma contribuição. Ainda que a alternativa seja melhor, mantém incentivos economicamente ineficazes.

Em alguns aspectos, Braga melhorou o texto aprovado na Câmara. Previu, a cada cinco anos, revisão dos setores em regimes especiais ou beneficiados por alíquotas reduzidas. Pode ser uma oportunidade para promover ajustes. Teria havido mais avanços se os senadores tivessem resistido aos grupos de pressão. Os ganhos com a reforma certamente ainda superam os entraves que criará. Mas o Congresso precisa reduzir ao mínimo os regimes excepcionais, de modo a garantir uma alíquota competitiva para toda a economia.

STF faz bem ao rejeitar pedido de mudança no crédito imobiliário

O Globo

Decisão que permite retomada do imóvel em caso de inadimplência traz segurança ao mercado

Pode parecer inquestionável a garantia ao comprador de um imóvel financiado de que não perderá a moradia se ficar inadimplente. Mas não é. Por meio do sistema em vigor no mercado, conhecido como alienação fiduciária, o próprio imóvel serve como garantia do empréstimo, portanto o financiador deve poder retomá-lo caso o comprador não arque com suas obrigações. Foi essa, na essência, a decisão tomada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo movido por um devedor da Caixa Econômica Federal. Por 8 votos a 2, a Corte fixou esse entendimento com repercussão geral, e ele deverá ser doravante respeitado por todas as instâncias da Justiça.

O relator do processo, ministro Luiz Fux, votou a favor da retomada do imóvel do comprador inadimplente por via extrajudicial. Ele argumentou que nada impede o devedor de recorrer a um juiz, mas é fundamental preservar as regras vigentes no mercado. O ministro Edson Fachin divergiu, afirmando que a moradia é um direito constitucional fundamental. Fux foi seguido por mais sete ministros: Cristiano ZaninAndré MendonçaAlexandre de MoraesDias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, presidente da Corte. Apenas a ministra Cármen Lúcia votou com Fachin.

O desfecho do julgamento dá a todo o mercado imobiliário — compradores, incorporadores, construtores e investidores — a segurança jurídica necessária de que continuará em vigor o mecanismo de alienação fiduciária. Criada em 1997, essa modalidade de empréstimo imobiliário se expandiu e tornou mais acessível a casa própria.

Em 2009, os empréstimos concedidos com garantia do próprio imóvel representavam 2% do PIB. Dez anos depois, em 2019, 10%. Hoje, 98,2% dos financiamentos imobiliários são obtidos dessa forma, segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Os negócios aumentaram e a inadimplência caiu. O mercado de veículos novos e usados também passou a se sustentar na alienação fiduciária do bem. Esse sistema, de operação financeira simples, permite que os juros do crédito imobiliário ou financiamento de veículos sejam os mais baixos do mercado e possam ser amortizados no longo prazo, com prestações condizentes com o orçamento familiar. No empréstimo imobiliário, o pagamento pode levar mais de três décadas.

Sem o bem funcionar na prática como garantia real do empréstimo, todo esse sistema desmoronaria. As consequências afetariam os investimentos e o mercado de trabalho na construção civil. Não se pode voltar aos tempos do populismo imobiliário de décadas atrás, quando leis que protegiam os devedores e inquilinos serviam de palanque a políticos demagogos e provocavam estagnação no mercado imobiliário, em prejuízo dos que não tinham casa própria.

IVA tende a ser maior com o aumento de exceções no Senado

Valor Econômico

A reforma dos tributos ainda assim porá ordem no caos atual, embora se afaste das melhores práticas

O projeto de reforma tributária, cuja iniciativa é um avanço para o país, trouxe concessões com o parecer do relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM). Em termos de justiça tributária, a criação de nova alíquota, com desconto de 30%, para profissionais liberais, com renda bem acima da média da população, mostra a prevalência de grupos de interesse. Essa prevalência se espraiou por outros pontos do texto e levará a alíquota do IVA a ser maior para todos. No equilíbrio entre União e Estados, as concessões feitas no Fundo de Desenvolvimento Regional, que atingirá R$ 60 bilhões a perder de vista em duas décadas, retiram do Tesouro recursos que hoje não existem, e que talvez não existam no futuro. A ampliação das exceções, em regimes diferenciados, vai contra a simplificação buscada pela reforma. Há aprimoramentos pontuais em relação ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados.

A reforma transcorrerá no longo prazo (50 anos), mas, no curto prazo, não dialoga com o novo regime fiscal. O governo Lula precisa de aumento de arrecadação para cobrir gastos crescentes, mas o parecer de Braga cria uma trava à carga tributária sobre o consumo, cuja intenção é louvável, mas pode ser inexequível. Ela se baseia em uma média de arrecadação entre 2012 e 2021, período que abrange a maior recessão da era republicana moderna. A estimativa é de que o limite corresponda a pouco mais que 12,5% do PIB. Para cobrir despesas por definição em alta (entre 0,6% e 2,5% por ano), ou o PIB terá de crescer muito, ou o governo terá de ampliar a tributação do capital - o que tem sido dificultado pelo Congresso - ou o regime fiscal terá de ser mudado.

Além disso, como os senadores representam os Estados, a fatura apresentada à União é elevada. Os vários fundos que podem ser aprovados custarão R$ 95 bilhões entre 2025 e 2028 (artigo de Cristiane Schmidt, Valor, 2 de outubro). Depois pode piorar. No Fundo de Desenvolvimento Regional, que permitirá aos Estados substituir a guerra fiscal, feita com isenções do ICMS e outras benesses, por recursos orçamentários, as compensações custeadas pela União somariam R$ 160 bilhões até 2032. Ao atingir R$ 40 bilhões naquele ano, o relator, em acordo com o governo, acrescentou mais R$ 2 bilhões por ano até 2043, quando se estabilizará em R$ 60 bilhões ao ano, a perder de vista - não há prazo para o fim. Até aquele ano, serão desembolsados R$ 688 bilhões.

A União financiará nesse fundo a ausência de recursos supostamente provocada pela queda de arrecadação motivada pela mudança da tributação para o destino. Eles serão destinados a investimentos em inovação, infraestrutura e um genérico “atração de investimentos”. Esta é parte da história. A outra é contada pelo Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, que jogou no colo da União os custos da guerra fiscal, conduzida ilegalmente pelos Estados e condenada pelo Supremo Tribunal Federal. Os repasses começam com R$ 8 bilhões em 2025, crescem à mesma razão a cada ano até atingirem R$ 32 bilhões em 2029 e depois decrescem igualmente até 2032 - R$ 160 bilhões reais, pois serão corrigidos pelo IPCA.

Além disso, o relator ampliou o seguro-receita de 3% para 5%, percentual do Imposto sobre Bens e Serviços, fruto da união de ICMS e ISS, que será destinado aos Estados e municípios que apresentarem maior queda de arrecadação.

A distribuição dos custos parece exagerar muito as perdas com a reforma. Estudo recente do Ipea mostrou que os resultados da mudança tributária serão auspiciosos para Estados e municípios - 60% dos primeiros e 82% das cidades ganharão receitas. A quase totalidade dos municípios que terão mais arrecadação está entre os que têm PIB per capita abaixo da média nacional e abrigam 67% da população brasileira.

O desequilíbrio das compensações não é o único problema. O relator criou uma quarta alíquota, de 30% de desconto do IVA, para uma faixa considerável de cidadãos que têm rendimentos acima da média, a dos profissionais liberais (advogados, arquitetos, médicos, dentistas etc), que já contam com benefícios tributários vários, como o Simples. Os setores sujeitos a regimes específicos, cujas regras ainda serão definidas por lei complementar, passaram a incluir serviços de saneamento e concessão de rodovias, agência de viagens e turismo e todo tipo de transporte coletivo, inclusive o aéreo, que estava fora. Também cresceu a lista já extensa de setores com alíquota reduzida, nela ingressando produções culturais, artísticas, desportivas, comunicação institucional e outras, além de produtos e insumos para a produção agropecuária, que já constava do projeto que veio da Câmara.

A cesta básica se desdobrou em outra, ampliada, com 40% de desconto do IVA, além da restrita, com alíquota zero. Dessa forma, os pobres, que gastam muito além dos demais segmentos de renda em alimentação, possivelmente terão redução líquida de impostos. Por outro lado, com a ampliação do número de alíquotas e regimes específicos, a carga total do IVA dificilmente será menor do que 27% e provavelmente será maior que isso. A reforma dos tributos ainda assim porá ordem no caos atual, embora se afaste das melhores práticas. A discussão no plenário do Senado não tende a aprimorá-la.

Tensão global

Folha de S. Paulo

Risco de expansão do conflito em Israel traz dúvida sobre papel dos EUA no mundo

Desde que Israel declarou guerra ao grupo palestino Hamas, perpetrador do mais violento atentado contra o Estado judeu em seus 75 anos de existência, o planeta acompanha apreensivo o crescente risco de alastramento do confronto.

A incapacidade de o Conselho de Segurança da ONU agir de forma coordenada acerca do conflito, algo previsível dada a composição da fração do colegiado com poder de veto, ilustra a sensação de impotência de líderes mundiais.

Os olhos se voltam para os Estados Unidos, cujo recurso ao seu inigualável poderio militar ainda é esteio, mesmo com a perda relativa de influência global do país desde a ascensão chinesa.

Com efeito, o governo de Joe Biden promoveu uma enorme mobilização em favor de Israel, enviando dois grupos de porta-aviões e reforçando suas bases na região.

O motivo declarado é dissuadir o Irã, rival de Israel, de participar de forma mais ativa na guerra. Até aqui, Teerã adotou retórica inflamada, mas prática mais comedida.

Disse que não entraria no conflito, confiando a missão a seus aliados, como o Hamas e o Hezbollah libanês. Este último grupo tem por ora limitado sua ação à intensificação de escaramuças com Israel.

O Hezbollah, mais capaz que o Hamas, traria problemas para Tel Aviv se entrasse de vez no jogo. O que não é provável agora, contudo.

Não que isso torne a situação imune a escaladas. Unidades americanas na Síria e no Iraque foram atacadas por grupos ligados ao Irã, e um navio dos EUA no mar Vermelho abateu mísseis de rebeldes iemenitas bancados por Teerã.

A questão da proporcionalidade da reação de Israel, com a destruição sistemática de Gaza, alienou os países árabes moderados, e a reaproximação entre Tel Aviv e a Turquia foi abortada de vez.

A Rússia de Vladimir Putin tem elevado o tom, adicionando a defesa dos palestinos ao rol de conflitos que mantêm com o Ocidente —a Guerra da Ucrânia à frente.

O autocrata russo ameaçou navios americanos e, de forma algo teatral, promoveu uma simulação de ataque nuclear aos rivais no mesmo dia em que deixou o tratado que bania todos os testes atômicos.

Avolumam-se na imprensa relatos de que os americanos tentam segurar a reação israelense, visando priorizar o resgate dos 220 reféns nas mãos do Hamas e ganhar tempo para proteger suas bases.

A crise humanitária em Gaza também pressiona Biden, mas a história mostra que Israel é refratário a pedidos de comedimento do maior aliado quando vive crises percebidas como existenciais.

Com todo esse cipoal de perigos, os EUA têm na atual guerra um renovado desafio ao relutante papel hegemônico que podem exercer.

Volta ao passado

Folha de S. Paulo

Governo adia devolução de recursos do BNDES e flerta com estratégia equivocada

O Ministério da Fazenda e o BNDES, principal banco para investimentos federais, fecharam acordo a fim de adiar a devolução de um saldo de R$ 23 bilhões remanescente de recursos emprestados pelo Tesouro Nacional nos mandatos anteriores do PT que financiaram vultosos empréstimos a empresas.

Entre 2008 e 2014, o Tesouro repassou cerca de R$ 540 bilhões ao BNDES, que então concedeu empréstimos com juros subsidiados, muitas vezes da ordem de 3% ao ano. A política na época visava fomentar os chamados "campeões nacionais" em vários setores. A contrapartida foi maior dívida púbica e custos para o contribuinte.

Tomadores notórios foram a JBS e empreiteiras, que usaram os recursos para consolidação —no caso da JBS, tornando-se a maior empresa do mundo no setor frigorífico— e, supostamente, investimentos em infraestrutura. Alguns resultaram em episódios de corrupção.

Conceder empréstimos com juros artificialmente baixos piorou a situação fiscal e trouxe resultados duvidosos para a economia.

Não por acaso, a prática foi questionada pelo TCU. Desde 2016, no governo Michel Temer (MDB), os recursos têm sido devolvidos ao Tesouro, abatendo dívida pública. Também foi aprovada uma lei que impede mais subsídios e baliza o crédito novo na TLP, a taxa de longo prazo, que reflete o custo de captação do governo no mercado.

Desde então, já retornaram R$ 693 bilhões, incluindo juros. Restavam ainda os R$ 23 bilhões, que deveriam ser reembolsados até o final deste ano, mas o cronograma foi ajustado para 2030.

A mudança segue a diretriz do governo petista de voltar a usar recursos subsidiados. Neste ano, novamente, abriu-se espaço para dinheiro novo a atividades consideradas estratégicas, com juros de 3% ao ano, que refletem a remuneração do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) —parte do qual financia o BNDES, por determinação constitucional.

Embora os montantes ainda sejam limitados por enquanto, trilha-se novamente o caminho para mais crédito direcionado a setores politicamente influentes. Não será surpresa se outras áreas forem adicionadas adiante.

O BNDES é um grande formulador de projetos e não há nada de errado em atuar com seus próprios recursos, como nos últimos anos, marcados por ajustes. Mas será um erro voltar atrás, como parece ser a vontade do governo.

O custo político da reforma possível

O Estado de S. Paulo

Parecer da reforma tributária sintetiza contradições que envolvem a discussão do tema: todos concordam que o sistema atual é inviável, mas ninguém renuncia a privilégios que o inviabilizam

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) finalmente apresentou o relatório da reforma tributária sobre o consumo. Lamentavelmente, o texto ampliou, em vez de reduzir, a quantidade de setores que serão beneficiados com impostos mais baixos após a aprovação da proposta. Como o objetivo da reforma é manter a neutralidade sob o ponto de vista arrecadatório, toda e qualquer exceção concedida pressiona a alíquota cheia para cima.

Até então, com base no parecer aprovado pela Câmara, o Ministério da Fazenda previa que a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) teria de ficar no patamar entre 25,45% e 27%, um dos maiores entre os países que adotam este modelo de tributação. O impacto das novas mudanças propostas pelo relator ainda não foi calculado pelo governo, mas é bastante provável que aumentem a alíquota padrão.

O parecer apresentado pelo senador é uma síntese das contradições que envolvem a discussão da reforma tributária no País. Todos concordam que o sistema atual é inviável, confuso, regressivo, cumulativo e injusto, mas ninguém quer abrir mão dos privilégios que justamente o distorcem.

Esses defeitos, parte inerente do sistema atual, se mostram muito mais resilientes do que o esperado. Tanto que a maioria das sugestões de mudanças que o Legislativo analisou visava justamente a exportar parte dessas distorções do modelo anterior para o novo, que supostamente estava sendo elaborado para dar fim a todas elas. Não há outra forma de avaliar, por exemplo, a proposta, incluída no relatório, que cria uma nova alíquota, também reduzida, para profissões regulamentadas.

Trata-se do tipo de medida altamente regressiva, que beneficia diretamente advogados e médicos com maior poder aquisitivo. A imensa maioria desses profissionais já está contemplada pelo Simples Nacional, cujo limite para enquadramento é um generoso faturamento anual de R$ 4,8 milhões.

Não foi a única concessão que o relator acatou. Haverá um regime específico para combustíveis e lubrificantes, setores como saneamento, rodovias e telecomunicações, agências de viagem e o transporte coletivo de passageiros nos modais rodoviário, ferroviário, hidroviário e aéreo. Os benefícios para o setor automotivo foram prorrogados até 2032, tanto para as empresas já habilitadas quanto para projetos aprovados e ainda não implementados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Há que destacar, no entanto, um grande acerto do relatório. De forma corajosa, o senador enfrentou os interesses do agronegócio e do setor de supermercados para restringir a isenção total dos produtos da cesta básica, um avanço em relação ao modelo atualmente em vigor. Aqueles que não fizerem parte da Cesta Básica Nacional farão parte da cesta estendida, que terá desconto de 60% na alíquota, para contemplar produtos de consumo regional.

Ao contrário do que diz o senso comum, desonerar integralmente a cesta básica é uma medida altamente regressiva, que favorece os mais ricos em detrimento dos mais vulneráveis e compromete as contas da União e dos Estados. Com a criação da cesta estendida, famílias de baixa renda poderão pedir a devolução dos impostos pagos via cashback.

Poderia ser melhor? Com toda a certeza. Mas o relatório sintetiza o custo político de aprovar uma ampla reforma tributária no País. A União teve de ceder elevando o aporte aos Estados, via Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões – menos que os R$ 75 bilhões que os senadores defendiam.

Permanece a dúvida sobre como a trava para o crescimento da carga tributária poderá ser mantida se os repasses da União para o fundo não serão apenas crescentes, como também corrigidos pela inflação. Será um fator adicional a pressionar a revisão dos gastos públicos e a aprovação de reformas estruturais ou um dispositivo a ser ignorado e desrespeitado, como o antigo teto de gastos?

No balanço geral, os benefícios do parecer da reforma tributária ainda superam os custos, e a proposta, longe de ser perfeita, será a reforma possível. Já terá sido uma grande vitória se as exceções pararem por aí.

Uma geração condenada

O Estado de S. Paulo

Seis em cada dez crianças e adolescentes vivem na pobreza e privados de direitos básicos, constata estudo do Unicef; Brasil não pode mais se omitir

O Brasil estará fadado ao mais rotundo fracasso se não investir pesadamente na eliminação das privações de direitos fundamentais de suas crianças e adolescentes pobres. Repetida há décadas, essa óbvia constatação ainda não encontra resposta adequada e prioritária do poder público – uma omissão que condena milhões de brasileiros a viverem na pobreza durante seus anos de formação e sem perspectivas para a vida adulta. O relatório Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência – 2022, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com base em dados do IBGE, não deixa margem para tergiversações. O quadro é grave e exige reação urgente.

A lenta queda na maioria das privações de meninos e meninas de zero a 17 anos no País entre 2019 e 2022 não traz suficiente alento. De fato, houve recuo de 62,9% para 60,3% no período. No entanto, a dura realidade a que seis entre cada dez crianças e adolescentes continuam expostos é inegável. São 31,9 milhões de brasileiros com suas potencialidades ceifadas pela raiz. É preciso priorizá-los nas agendas e nos orçamentos públicos da União, dos Estados e dos municípios, recomenda o Unicef. Não se pode condenar essa geração ao fracasso e à pobreza.

Há de considerar que o cômputo médio de 60,3% de crianças e adolescentes submetidos a privações de seus direitos básicos no País oculta realidades regionais muito mais graves. No Amapá, esse porcentual alcançou 91,6% em 2022 – ou seja, quase a totalidade de meninos e meninas. São Paulo, a unidade mais rica da Federação, registrou a melhor marca estadual, de 35,7%, que não deixa de ser vergonhosa.

Dentre as dimensões analisadas pelo Unicef, nenhuma privação se aprofundou tão escandalosamente quanto o direito à alfabetização. O porcentual de crianças de 7 anos sem condições de ler e escrever dobrou de 20,5%, em 2019, para 40,3%, em 2022. No grupo de meninos e meninas de dez anos, o analfabetismo avançou de 2,4% para 3,5% no período. O atraso escolar, acentuado pela pandemia de covid 19, não foi recuperado e mostrase mais acentuado entre crianças e adolescentes negros de 7 a 17 anos.

Embora tenha havido ligeira melhora nos demais indicadores avaliados, todos se mantêm em níveis alarmantes. O País não pode fechar os olhos ao fato de que, somente no ano passado, 9,4% dos brasileiros de zero a 17 anos viviam em moradias precárias, 5,4% não tiveram acesso à água e 37% não contavam com saneamento básico. Na faixa de 4 a 17 anos, 8,3% estiveram longe da escola. A privação de renda atingiu 38% das crianças e adolescentes, o que se traduziu em insegurança alimentar. Para 20% delas, a renda familiar esteve abaixo da necessária para a compra de comida apropriada.

Há dúvidas de que esse cenário tenha sido substancialmente alterado ao longo de 2023, apesar das corretas mudanças nas políticas sociais do governo federal. Fato é que os dados colhidos pelo Unicef põem em evidência outras conhecidas omissões do poder público, como o combate à violência a que milhões de crianças e jovens estão expostos dentro e fora de suas casas. As mortes de 11 deles a tiros no Estado do Rio de Janeiro neste ano indicam a suscetibilidade de todos a uma política de segurança pública incapaz de lhes proporcionar a mínima proteção. Na outra ponta, o baixo acesso a direitos básicos atua como alavanca para a cooptação de jovens desalentados pelas múltiplas organizações criminosas concentradas nos bolsões de pobreza.

O estudo do Unicef retrata uma tragédia humana e social que, inevitavelmente, afetará o futuro do Brasil como um todo. Os esforços do Estado e da sociedade brasileira precisam ser multiplicados, com máxima eficácia e rapidez, a bem da qualidade de vida e do potencial de seus cidadãos e de seu desenvolvimento econômico e social. Trata-se aqui, nem mais, nem menos, de corresponder integralmente às determinações da Constituição de 1988. Está tudo lá, para quem quiser ler.

Uma trégua volátil nos EUA

O Estado de S. Paulo

Republicanos põem fim a impasse na Câmara, mas os moderados seguem à mercê dos radicais

Três semanas após uma minoria republicana na Câmara dos EUA apresentar uma moção contra seu presidente, o republicano Kevin McCarthy, e derrubá-lo com os votos democratas, os republicanos, que formam uma estreita maioria, escolheram o novo presidente. É o fim do impasse, mas não da guerra civil no partido. A eleição de Mike Johnson foi só uma trégua por exaustão.

Antes, três candidatos caíram. O primeiro, Steve Scalise, caiu ante o afã dos radicais de tentarem eleger seu favorito, Jim Jordan. Após três votações malogradas, Jordan abdicou, e a maioria tentou a sorte com Tom Emmer. Mas ele foi torpedeado pelo ex-presidente Donald Trump e renunciou.

O psicodrama mostrou que Trump tem força para vetar candidatos, mas que os moderados também têm para vetar trumpistas de carteirinha, como Jordan. Johnson foi uma solução de compromisso dos moderados. A outra opção seria um compromisso com os democratas. Em tempos normais, Emmer, o terceiro na hierarquia republicana, seria a opção natural. Mas estes não são tempos normais. Um sintoma é que Johnson, na Casa há seis anos, será seu presidente mais inexperiente desde o século 19.

Johnson é um conservador antagônico às mais ardentes causas progressistas, do aborto ao casamento gay e às políticas climáticas. Para a desgraça da Casa, e especialmente do Partido Republicano, ele votou contra a certificação das eleições de 2020. Mas é um sinal da degradação republicana que, dos nove candidatos que se apresentaram, só dois votaram a favor. Em contraste com agitadores como Jordan, contudo, Johnson tem um temperamento moderado e mostrou disposição a compromissos, por exemplo, votando pela elevação do teto de gastos. Se para os moderados não era a opção ideal, mostrou-se a possível para preservar as chances eleitorais do partido e garantir a governabilidade ao país.

Para dar uma ideia da dimensão dos riscos, o Congresso, duas semanas após os atentados em Israel, ainda não tinha aprovado uma condenação ao Hamas. Na ordem do dia, está um pacote de armas para a Ucrânia, Israel e Taiwan, além de recursos para os palestinos e para a proteção das fronteiras. Mais urgente, e incerta, é a aprovação do orçamento até 17 de novembro, sem a qual o governo ficará paralisado.

No melhor cenário, Johnson sustentará uma ponte entre as facções republicanas. Os radicais já conseguiram um presidente mais linha-dura que McCarthy e fariam um cálculo para não arriscar a maioria republicana nas eleições de 2024. Se Johnson convencê-los a aceitar uma vitória parcial, pode aprovar o orçamento extraindo concessões dos democratas.

Mas nada está garantido. Foi exatamente a prorrogação do prazo para a aprovação concertada por McCarthy com os democratas que levou ao motim dos radicais. Bastam cinco para mandar tudo pelos ares. Há um ano, para se eleger, McCarthy concebeu uma mudança na legislação pela qual qualquer deputado pode apresentar uma moção de vacância da presidência da Câmara. Essa arma regimental à disposição dos extremistas foi usada contra o próprio McCarthy. O risco é que essa arma ainda está lá.

TDAH em todas as faixas etárias

Correio Braziliense

Embora sempre seja mais associado ao desenvolvimento infantil, sabe-se que distúrbio atinge também adultos acima dos 18 anos (chegando a 2 milhões de pessoas entre 18 e 44 anos no Brasil) e vem apresentando número maior de diagnósticos em indivíduos acima dos 44 anos (faixa em que a prevalência chega a 6,1%)

“Quanto mais precoce o tratamento, melhores serão também os resultados para os pacientes.” Quem nunca ouviu essa frase — alguns, várias vezes — para quase todas as doenças? Não é diferente com o transtorno de deficit de atenção com hiperatividade; abreviando-se, o TDAH. Embora seja reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o diagnóstico correto e a trajetória do paciente com TDAH nem sempre ocorre de forma simples e rápida no Brasil. Isso sem falar que é um transtorno que, geralmente, começa na infância e vai acompanhar a pessoa até a fase adulta.

A impressão que temos é de que, nos últimos anos, o diagnóstico tem sido mais frequente, como se grande parcela da população fosse diagnosticada com TDAH, em menor ou maior intensidade. Perdeu a chave, é TDAH; esqueceu o que estava falando, é TDAH; começou uma tarefa e não terminou; e por aí vai. Mas é importante ressaltar que o mundo mudou muito. A quantidade de informações, de afazeres e de produtos eletrônicos a que estamos sujeitos todos os dias é imensa. E nem sempre é TDAH. Essas quatro letras representam um distúrbio neurobiológico de causas genéticas, geralmente diagnosticado por psiquiatras, a partir de sintomas como: desatenção, inquietude e impulsividade.

Divididos entre desatenção e hiperatividade, alguns sinais são mais razoáveis de serem percebidos. O primeiro deles pode ser definido pela dificuldade de manter o foco e organizar as tarefas; e o segundo, por sinais como falar excessivamente e ficar se movimentando constantemente. Ao ser diagnosticado, o tratamento exige dedicação do paciente e da família, especialmente no caso de crianças e jovens.
Esses grupos podem apresentar mais problemas de comportamento, incluindo dificuldades com regras e limites. Em adultos, geralmente, manifesta-se pela desatenção para situações do cotidiano e do trabalho, problemas frequentes de memória e inquietação, sem falar nas associações como cigarro e abuso de álcool.

Fato é que o TDAH afeta quase 11 milhões de pessoas no Brasil (dados do Ministério da Saúde/2022 e do IBGE). Além disso, embora sempre seja mais associado ao desenvolvimento infantil, sabe-se que o distúrbio atinge também adultos acima dos 18 anos (chegando a 2 milhões de pessoas entre 18 e 44 anos) e vem apresentando número maior de diagnósticos em indivíduos acima dos 44 anos (faixa em que a prevalência chega a 6,1%). Os especialistas alertam para o estigma que as pessoas carregam ao receber o diagnóstico. No caso das mulheres, comentários como “ela está mais calma” são frequentes, o que contribui para erros e até atrasos no tratamento.

A boa notícia é que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o primeiro medicamento não estimulante para o tratamento do TDAH. A molécula — atomoxetina — é utilizada nos Estados Unidos desde 2002. Estudos clínicos, inclusive, comprovaram a eficácia no tratamento do distúrbio com comorbidades, como transtorno opositor desafiador, transtorno do espectro autista, ansiedade, transtorno de tiques e depressão. Sem dúvida, um alento para quem tem o transtorno.

 

 

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