Por Caio Sartori / Valor Econômico
Ex-secretário especial da Presidência,
Hussein Kalout diz que configuração política de Israel ‘encorajou’ os atos
terroristas, que prestam desserviço à causa palestina
Pesquisador na Universidade de Harvard, o
cientista político brasileiro Hussein Kalout avalia que o Hamas e o
primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, alimentam-se mutuamente com
radicalismos. O Hamas colocou em curso ataques terroristas que o professor de
Relações Internacionais considera deploráveis, “bárbaros” e deslocados do que
deveria ser a causa palestina. O israelense adotou uma política de negação das
demandas palestinas, intensificando os assentamentos e governando com grupos de
extrema direita ultranacionalistas, afirma Kalout.
“Isso em nada absolve o crime bárbaro e os
atos terroristas praticados pelo Hamas. Mas, é importante sublinhar que o
Netanyahu fez escolhas”, diz ele. “O Hamas se alimenta do radicalismo do
Netanyahu, e o Netanyahu precisa do Hamas para manter sua narrativa securitária
para vencer as eleições e continuar montando a coalizão dele com a extrema
direita ultranacionalista. Esses polos extremados se alimentam mutuamente.”
Além dos trabalhos em Harvard, Kalout é
conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e foi
secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência da República entre
2016 e 2018, no governo Michel Temer (MDB).
Veja a seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Qual parece ter sido o objetivo
dos ataques do Hamas?
Hussein Kalout: O que o Hamas parece
querer é mudar o status quo, forçar Israel a sair da inércia. Não me parece o
melhor caminho, a forma mais correta e adequada para atender ao povo palestino.
A forma como a violência foi empregada é terrorista. Entrar numa festa e fazer
uma chacina de 260 jovens não tem a ver com resistência, com criação de um
Estado nacional, com a luta de uma causa. Acho que há uma distorção muito
grande entre o objetivo central da causa palestina e essa operação fúnebre e
totalmente deplorável implementada pelo Hamas.
Valor: Como tem avaliado até aqui a
reação à guerra?
Kalout: Obviamente o conflito
Israel-Palestina é por si só polarizador, move paixões. Sempre haverá diversos
ângulos pelos quais se pode explorar esse conflito, conforme conveniências
circunstanciais e preferências. Se olhar pelo lado israelense, será vantajoso olhar
para esse episódio fora do contexto conjuntural da questão palestina como um
todo, porque esse olhar lança luz apenas sobre a brutalidade do terrorismo do
Hamas. Se olhar pelo lado palestino, vai querer olhar não como caso isolado,
mas como parte de um arcabouço sistêmico, conectado a uma política de domínio
colonial, de apartheid, de assentamentos, que são reflexo de uma política de
opressão. Cada um vai interpretar de uma forma, e os países se inclinam para um
lado ou outro de acordo com suas preferências.
Valor: O que esperar de Israel nos
próximos dias?
Kalout: O ponto central é que hoje
Israel tem em seu benefício o direito à legítima defesa e a solidariedade da
comunidade internacional - que são vantagens importantes, mas podem ser
facilmente desperdiçadas a depender da forma como a força militar for
empregada. Se for punir coletivamente 2 milhões de moradores de Gaza e isso
levar a muitas baixas civis, vai acabar arranhando a imagem de Israel e
subtraindo essa vantagem comparativa. O que Israel vai fazer com os 2 milhões
de moradores de Gaza? Eles não têm como sair dali, Gaza vive sob um cerco que
agora será ainda mais apertado. É uma prisão ao ar livre.
Valor: Qual foi o papel de Netanyahu
nisso tudo?
Kalout: É importante lembrar que o
grande responsável por todo esse processo é o próprio Netanyahu, que optou por
ter uma coalizão composta por agremiações de extrema direita,
ultranacionalistas, que têm como política central a expansão da política de
assentamentos ilegais, a anexação do território palestino e a negação objetiva
da autodeterminação do povo palestino e da existência de um Estado palestino.
Isso em nada absolve o crime bárbaro e os atos terroristas praticados pelo
Hamas. No entanto, é importante sublinhar que o Netanyahu fez escolhas. Ele
prometeu a Israel segurança e o Exército mais forte do Oriente Médio. Você pode
realmente ter um arcabouço de defesa mais poderoso, mas isso não quer dizer que
você tem segurança, algo que o Hamas provou. Seu governo está em estado
falimentar: moralmente, politicamente e legitimamente. Além disso, ele
fragmentou a sociedade israelense, gerou fissuras graves com propostas de
mudanças nas leis, no Judiciário, descaracterizando o caráter plural e
democrático do Estado de Israel. Isso serviu como um encorajamento para o
Hamas, é óbvio. Essas divisões internas, essas cisões, esse enfraquecimento,
serviram como momento oportuno para o Hamas golpear.
Valor: Netanyahu impulsionou o Hamas?
Kalout: O Hamas se alimenta do
radicalismo do Netanyahu, e o Netanyahu precisa do Hamas para manter sua
narrativa securitária para vencer as eleições e continuar montando a coalizão
dele com a extrema direita ultranacionalista. Esses polos extremados se
alimentam mutuamente. Tanto os palestinos precisam se livrar do radicalismo do
Hamas quanto os israelenses precisam se livrar desse arcabouço extremista da
ultradireita nacionalista que Netanyahu abraçou. É uma tragédia para todos os
lados e quem paga por isso são seres humanos que não têm nada a ver. Pessoas de
diferentes nacionalidades mortas numa festa Isso tem a ver com alguma causa? É
assassinato.
Valor: O que fez a Autoridade Nacional
Palestina perder força e o Hamas se colocar como representante da causa?
Kalout: Considero que o Hamas não é o
representante da causa nem do povo palestino, isso é uma falsa premissa. A
causa palestina é muito maior que o Hamas, o povo palestino é plural e não é
subordinado ao Hamas. O enfraquecimento da Autoridade Nacional Palestina se deu
por causa dos sucessivos fracassos nos acordos de paz e pelas opções feitas
pelo governo Netanyahu e outros governos à direita em Israel de paralisar o
processo. Eles podem alegar que a ANP não quis negociar, mas isso não se
sustenta. Por que então que se expandiram as políticas de assentamento, se a
essência do acordo de paz é a devolução de territórios? Não se avança ocupando,
expulsando. Se você faz isso, é porque no fundo não quer negociar nada.
Valor: O que o governo de Israel quis
nas últimas décadas?
Kalout: No fundo, o projeto do Netanyahu
era entregar a Faixa de Gaza para o Hamas, anexar o máximo possível da
Cisjordânia e criar ali regiões autônomas palestinas, mas sem soberania, com
controle administrativo; com o passar do tempo, integrar aquilo ao território
israelense. A essência do acordo de paz é terra em troca de paz. A conta,
então, não fecha. A Autoridade Nacional Palestina foi enfraquecida
propositalmente, não é que “se tornou fraca”. Faltam atores que estejam
imbuídos a de fato resolver o problema, a pagar o preço de um acordo de paz
justo e equilibrado. O Netanyahu quer sobreviver politicamente, não é um
estadista. E esse pessoal do Hamas está longe de ser um interlocutor
habilitado, com o mínimo de decência para sentar numa mesa de negociação e
negociar um acordo de paz.
Valor: O Brasil pode exercer alguma
mediação, agora que preside o Conselho de Segurança da ONU?
Kalout: A presidência dura um mês, 30
dias. É uma presidência de trabalhos administrativos, não tem o poder de impor aos
demais a sua vontade. Você pode ajudar a criar consensos, a propor uma pauta,
mas cada país vai se mover em conformidade com seus interesses. A meu ver,
Israel precisa agora ganhar um tempo para implementar sua estratégia militar,
então não vejo qualquer avanço concreto no âmbito do Conselho de Segurança
antes de Israel alcançar seu objetivo de aniquilação da infraestrutura física
da Faixa de Gaza. Até porque qualquer avanço dependerá muito dos EUA, que na
minha avaliação tenderão, junto com o Reino Unido e provavelmente a França, a
bloquear qualquer avanço nessa direção. O Brasil sozinho não pode muito.
Valor: Nem fora do Conselho?
Kalout: Além de boa vontade, o Brasil não tem muito o que aportar. Na perspectiva do Oriente Médio não é visto como um grande player geopolítico na região. Pode ter o direito de querer se posicionar, como aspirante a uma cadeira permanente no Conselho, e pode querer se ver como player global, mas no Oriente Médio não se vê o Brasil com influência. Se propuser um cessar-fogo a qualquer um dos lados, não vai funcionar. Se propuser ao Hamas se desmilitarizar, eles vão escutar os conselhos do Celso Amorim? Não vão. Acho que se o Celso Amorim der conselhos para o Netanyahu, dizer que precisam moderar a força e parar com a incursão militar, ele não vai nem responder. Olham para o atual assessor internacional como um profissional parcial. Acho que o presidente Lula adotou uma postura moderada, mas a sua assessoria internacional teve que se justificar várias vezes e fazer ajustes e explicações em suas falas [sobre a questão palestina].
Muito bom, especialmente para os que acreditam na mentirosa estória contada pelos noticiários televisivos de que, DO NADA, os homens maus saíram de seus palácios na tranquila Faixa de Gaza, onde viviam à vontade e respeitados por seus pacíficos vizinhos israelenses, e resolveram, DO NADA E POR MALDADE ou loucura, trucidar alguns vizinhos judeus, talvez só por implicância ou por distração. Tragédias não surgem DO NADA, e há um CONTEXTO de décadas de violência e assassinatos na região. Sem ver este CONTEXTO, não há como julgar ou contar o que aconteceu nos últimos dias!
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