Folha de S. Paulo
A Abin tentou me espionar pelo celular. Mas,
como não uso celular, teve de me seguir sapato a sapato
O fato de você ser paranoico não impede que
esteja sendo seguido. Foi do que suspeitei durante quatro anos ao identificar,
em vários lugares, sujeitos me espiando por trás de postes, fingindo ler jornal
encostados em paredes ou caminhando às minhas costas e se voltando para trás
quando eu me virava para encará-los. Décadas de filmes de gângsteres me fizeram
achar que estavam me vigiando.
Agora aposto que sim. A revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), comandada pelo famigerado Alexandre Ramagem, foi usada pelo governo Bolsonaro para bisbilhotar a vida de seus adversários, confirma tudo. Por meio das antenas de telefonia, monitoraram os passos de 10 mil usuários de celulares para saber aonde iam, com quem se encontravam e quais sujeiras de Bolsonaro eles haviam descoberto. Especial atenção era dada a políticos, advogados, ministros do STF, ex-aliados e os suspeitos de sempre, nós, os jornalistas.
O interesse por mim estava nas dezenas de
colunas que produzi neste espaço alertando sobre as manobras de Bolsonaro para
abocanhar o segundo mandato e, aí, sim, eternizar-se no poder. Não sabíamos
então que a estrutura de inteligência do Estado vinha sendo usada para espionar
brasileiros. E olhe que o próprio Bolsonaro já admitira ter a sua
"inteligência particular".
No meu caso, o problema para a Abin é que não
uso celular. Nunca usei. Sou dos últimos seres vivos a, até hoje, não depender
desse aparelho para respirar. Donde não tinham como me "monitorar"
pelo digital, o que me permitiu continuar circulando impune por lugares
suspeitos aqui do Rio, como o botequim Jobi, a livraria Folha Seca e o calçadão
do Leblon. Até que se tocaram e viram que tinham de me seguir pelo velho método
analógico, ou seja, sapato a sapato.
Não sei o que descobriram. Mas, por sorte,
Bolsonaro foi deletado antes de usar essas informações contra mim.
O sujeito foi deletado.
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