O Globo
Embora direção da empresa tenha encampado
discurso da transição energética, prioridade é abrir nova fronteira de
exploração de petróleo na foz do Amazonas
A Petrobras completou 70 anos ontem ainda
muito presa a seu lema fundador: “O petróleo é nosso”. Embora o discurso da
direção da companhia tenha incorporado, na virada de governo de Bolsonaro para
Lula, o tema da transição energética e da necessidade de reduzir a dependência
do petróleo e de diversificar as atividades, toda a estratégia central da
empresa continua atrelada à lógica da exploração petrolífera. Tudo indica que
assim será pelo menos pelos próximos 50 anos, como sempre faz questão de
frisar, com convicção, o presidente da empresa, Jean Paul Prates.
Embora a Agência Internacional de Energia tenha, na revisão mais recente dos seus dados, encurtado os prazos de recomendação para que se reduzam a extração e o consumo de combustíveis fósseis, a direção da Petrobras mantém a convicção de que é preciso explorar novas jazidas para que o Brasil não perca sua autossuficiência nesse futuro não tão próximo em que ainda seremos petrodependentes.
E é essa crença, compartilhada com o
presidente Lula e a ala desenvolvimentista do governo, que move a grande
batalha da empresa hoje: o desbravamento da famosa Margem Equatorial, mais
precisamente da fatia mais inexpugnável e mais cobiçada, a foz do Rio Amazonas,
no Amapá.
Prates começou a semana do aniversário
aumentando a pressão política sobre o Ministério do Meio Ambiente e seu órgão
técnico, o Ibama, pela licença para a fase de estudos de viabilidade técnica da
prospecção naquela região.
O método, agora, foi usar a liberação de uma
licença para poços que ficam no outro extremo da Margem Equatorial, na Bacia
Potiguar, para traçar uma analogia de que seria possível, e até mesmo lógico,
acelerar a prospecção nas áreas da foz.
Não é bem assim. As particularidades
geográficas das duas áreas são em tudo diferentes, e o fato de ter havido uma
de muitas licenças para prospecção no litoral do Rio Grande do Norte não
significa que Prates e o Ministério de Minas e Energia estejam prestes a
“dobrar” Marina Silva e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.
Mas a certeza, por parte da direção da
Petrobras, de que vencerá a queda de braço só permite uma conclusão: a empresa
acredita que se aproxima o momento em que Lula arbitrará a contenda a seu
favor. Será, se acontecer, um daqueles pontos agudos de definição de rumos de
um governo, pois, como tenho dito aqui, a agenda ambiental, a necessidade de
alcançar metas em termos de redução de emissões e a transição para uma energia
mais limpa não são mais adereços, e sim pautas centrais do Brasil e do mundo.
Mais: será que essa visão petrodependente do
governo Lula e os prazos necessários para começar a explorar petróleo com
sucesso numa região inóspita combinam com a pressa global em mitigar o aquecimento
do planeta?
Não é só no impasse quanto à Margem
Equatorial que a Petrobras chega aos 70 com um ar de festa retrô. A agenda de
readquirir ativos vendidos em governos anteriores e investir em áreas de que a
empresa vinha saindo justamente para se recuperar de tombos do passado — como
não se lembrar do delírio de grandeza da Sete Brasil? — demonstram que, também
na empresa, grassa a visão de repetir um passado idealizado esperando obter
resultados diferentes.
Trata-se de um vício que o governo vem demonstrando
em vários temas, principalmente aqueles em que a visão de mais Estado na
economia se choca com iniciativas liberais dos anos mais recentes.
O futuro movido a hidrogênio verde e energia
eólica parece ainda uma ficção científica distante quando se olha para a
estratégia de negócios da Petrobras. O risco é, assim, a empresa ser atropelada
pelos acontecimentos cada vez mais velozes de um mundo em revolução.
Pois é.
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