quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Vera Magalhães - Petrobras, 70

O Globo

Embora direção da empresa tenha encampado discurso da transição energética, prioridade é abrir nova fronteira de exploração de petróleo na foz do Amazonas

A Petrobras completou 70 anos ontem ainda muito presa a seu lema fundador: “O petróleo é nosso”. Embora o discurso da direção da companhia tenha incorporado, na virada de governo de Bolsonaro para Lula, o tema da transição energética e da necessidade de reduzir a dependência do petróleo e de diversificar as atividades, toda a estratégia central da empresa continua atrelada à lógica da exploração petrolífera. Tudo indica que assim será pelo menos pelos próximos 50 anos, como sempre faz questão de frisar, com convicção, o presidente da empresa, Jean Paul Prates.

Embora a Agência Internacional de Energia tenha, na revisão mais recente dos seus dados, encurtado os prazos de recomendação para que se reduzam a extração e o consumo de combustíveis fósseis, a direção da Petrobras mantém a convicção de que é preciso explorar novas jazidas para que o Brasil não perca sua autossuficiência nesse futuro não tão próximo em que ainda seremos petrodependentes.

E é essa crença, compartilhada com o presidente Lula e a ala desenvolvimentista do governo, que move a grande batalha da empresa hoje: o desbravamento da famosa Margem Equatorial, mais precisamente da fatia mais inexpugnável e mais cobiçada, a foz do Rio Amazonas, no Amapá.

Prates começou a semana do aniversário aumentando a pressão política sobre o Ministério do Meio Ambiente e seu órgão técnico, o Ibama, pela licença para a fase de estudos de viabilidade técnica da prospecção naquela região.

O método, agora, foi usar a liberação de uma licença para poços que ficam no outro extremo da Margem Equatorial, na Bacia Potiguar, para traçar uma analogia de que seria possível, e até mesmo lógico, acelerar a prospecção nas áreas da foz.

Não é bem assim. As particularidades geográficas das duas áreas são em tudo diferentes, e o fato de ter havido uma de muitas licenças para prospecção no litoral do Rio Grande do Norte não significa que Prates e o Ministério de Minas e Energia estejam prestes a “dobrar” Marina Silva e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.

Mas a certeza, por parte da direção da Petrobras, de que vencerá a queda de braço só permite uma conclusão: a empresa acredita que se aproxima o momento em que Lula arbitrará a contenda a seu favor. Será, se acontecer, um daqueles pontos agudos de definição de rumos de um governo, pois, como tenho dito aqui, a agenda ambiental, a necessidade de alcançar metas em termos de redução de emissões e a transição para uma energia mais limpa não são mais adereços, e sim pautas centrais do Brasil e do mundo.

Mais: será que essa visão petrodependente do governo Lula e os prazos necessários para começar a explorar petróleo com sucesso numa região inóspita combinam com a pressa global em mitigar o aquecimento do planeta?

Não é só no impasse quanto à Margem Equatorial que a Petrobras chega aos 70 com um ar de festa retrô. A agenda de readquirir ativos vendidos em governos anteriores e investir em áreas de que a empresa vinha saindo justamente para se recuperar de tombos do passado — como não se lembrar do delírio de grandeza da Sete Brasil? — demonstram que, também na empresa, grassa a visão de repetir um passado idealizado esperando obter resultados diferentes.

Trata-se de um vício que o governo vem demonstrando em vários temas, principalmente aqueles em que a visão de mais Estado na economia se choca com iniciativas liberais dos anos mais recentes.

O futuro movido a hidrogênio verde e energia eólica parece ainda uma ficção científica distante quando se olha para a estratégia de negócios da Petrobras. O risco é, assim, a empresa ser atropelada pelos acontecimentos cada vez mais velozes de um mundo em revolução.

 

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