quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Vinicius Torres Freire - Dinheiro e mortes em Israel e Palestina

Folha de S. Paulo

Indicadores de mercado financeiro e de energia mal se moveram depois da matança

O dinheiro grosso do mundo não deu quase a mínima para os massacres em Israel e em Gaza, na Palestina, e para o risco de que dias ainda piores devem vir, ao menos para o povo palestino. Os indicadores financeiros de tensão mal se moveram.

Não que dinheiro importe, tendo em vista o morticínio. No entanto, idas e vindas da finança e de outros mercados sempre podem degradar ainda mais uma situação horrível.

O comentarismo ou o sensacionalismo geopolítico especulavam que a mais recente onda de matança deve atrapalhar o plano de aproximação entre Arábia Saudita e Israel. Que talvez afetasse mesmo o fornecimento de armas e munições para a Ucrânia. Poderia ainda vir a se transformar em uma grande crise regional caso se provasse a participação iraniana nos ataques do Hamas ou se o Irã viesse a intervir no conflito.

Os donos do dinheiro deram de ombros para o risco de tamanho tumulto, porém. Na segunda-feira (9), o petróleo (tipo Brent) passou de uns US$ 84 para US$ 88; nesta terça (10), baixou a pouco menos que isso.

Em 27 de setembro, porém, chegara a quase US$ 97, quando os entendidos desse mercado especulavam que poderia passar de US$ 100, o que é inflação na veia mundial. Nos dias seguintes, a especulação era de que o barril estava muito caro para uma economia mundial que vai andando devagar.

Dada essa quantidade de chutes em uma quinzena, a calmaria no mercado pode se dever também ao fato de que os mercadores não tenham ideia do que se passa na dita geopolítica.

Ainda assim, em relatórios de bancões e na imprensa financeira ocidental era possível ler gente graúda especulando que, no limite, um dominó de crises poderia levar o Irã a fechar o estreito de Ormuz. É a saída do Golfo Pérsico e de portos de países árabes petrolíferos para o Oceano Índico.

Por ali passa cerca de 18% do consumo diário mundial de petróleo. Se tal bloqueio acontecesse, o mundo se esqueceria logo de Gaza, como o faz quase o tempo inteiro, com breves exceções trienais. Haveria vários desastres.

De ambientes de guerra e da estupidez selvagem humana se pode esperar quase qualquer coisa, é claro. Porém, o Irã tenta se recuperar da ruína e vender mais petróleo, o que o faz em quantidades cada vez maiores desde a guerra de Vladimir Putin na Ucrânia, em especial exportando para a China.

Analistas de petróleo dizem que os Estados Unidos fazem vista grossa para o fracasso de sanções contra o Irã. Sem o petróleo dos aiatolás, o caldo engrossa até para os EUA, por causa de preços mais altos de gasolina.

Demais inimigos ou potenciais inimigos de Israel na região estão arruinados, econômica e militarmente. O Egito coopera com Israel. Os países árabes petrolíferos estão empenhados em facilitar suas relações com o restante do mundo e usar também o dinheiro do petróleo a fim de desenvolver uma economia de serviços (finança, turismo etc.) —Arábia Saudita inclusive.

Outros indicadores de tensão política no mundo também mal se mexeram. Houve alta dos títulos da dívida dos EUA (isto é, os juros caíram), em parte porque ativos americanos são um refúgio de segurança. Mas houve também uma virada de humor quanto ao futuro da taxa de juros do Fed, o Banco Central deles.

A direção do Fed passou a dizer que a recente alta das taxas de longo prazo pode contribuir para a estabilidade das taxas de curto prazo (isto é, pode não haver alta na Selic deles). Iene, franco suíço ou ouro, outros velhos ativos da especulação de tempos de crise, meio fora de moda, também não deram a mínima. Houve uma alta do gás, pois a produção de Israel pode ser afetada.

E foi isso. A depender do tamanho da matança de palestinos que virá, é possível que logo o mundo se esqueça de Gaza outra vez.

 

Um comentário: