Folha de S. Paulo
Mundo anda sobre gelo fino e trincado; horror
no Oriente Médio pode ser chance para Trump
Os Estados
Unidos suspenderam por seis meses algumas sanções contra a Venezuela.
Americanos ou quem faça transações com os americanos vão poder negociar petróleo, gás
e ouro venezuelanos e, também, títulos da dívida do país dominado por Nicolás
Maduro, em calote desde 2017.
Mas o governo dos EUA não autorizou a compra
de dívida nova do país, o que não refresca em nada o financiamento
internacional do país.
Quanto ao que interessa aqui e agora, nestas
colunas, se e quando a Venezuela conseguir vender mais petróleo e gás haverá um
pequeno alívio para a sua economia desgraçada. "Se": a produção de
petróleo na Venezuela foi arruinada por sanções, incompetência e fuga de
talentos técnicos.
O aumento ora previsível da produção venezuelana não fará coceira na oferta mundial do combustível, que diminuiu basicamente neste ano porque Arábia Saudita e Rússia assim o quiseram.
O assunto não é nem de longe esotérico. Com
os cortes de produção da Opep+, o preço do barril ficara por um tempo em torno
de US$ 85 (o tipo Brent). De agosto a fins de setembro, deu uma corrida até
chegar quase US$ 97, voltando a baixar a US$ 83 pouco antes do ataque do Hamas a Israel, sem que
os entendidos ou chutadores informados dessem explicações aceitáveis do que se
passava.
Nesta quinta (19), o barril estava em pouco
mais de US$ 92. Está caro. Carestia adicional vai redundar em mais pressão
inflacionária, o que inclusive deve afetar o Brasil, mesmo com a nova política
de preços da Petrobras.
A desgraça em Gaza e Israel até agora não
afetou sobremaneira os preços, pelo menos não de modo fazer o valor do barril
ir além da banda de variação recente e anterior à guerra. A guerra mal começou,
porém, a julgar pelas declarações do governo israelense.
Especula-se que a guerra de Vladimir Putin na
Ucrânia teria levado os Estados Unidos a amolecerem com a Venezuela e a fazerem
vista grossa para a recuperação das vendas do petróleo do Irã (se é que os
americanos poderiam fazer grande coisa, pois o cliente maior iraniano, na
margem, é a China).
Uma desgraça ainda maior no Oriente Médio deve
cancelar os benefícios, mínimos, dessa distensão, por assim dizer, para dizer o
menos.
A inflação continua a ser um problema nos
Estados Unidos e, ainda pior, na Europa. A ideia
dos bancos centrais americano e europeu de que é preciso levar a inflação à
meta informal e baixíssima de 2% ainda deve fazer estragos no crescimento
econômico.
Para piorar, as taxas de longo prazo
americano continuam a subir, ora nos maiores níveis em 16 anos, por motivos
vários (entre eles o receio internacional de comprar títulos americanos e o
excesso de oferta, dados o déficit público americano e a venda de títulos
pelo Fed).
Quanto maiores os níveis das taxas americanas, mais difícil que os juros caiam
muito mais por aqui também, Brasil.
Pode ainda parecer esotérico, mas não é.
Antes da guerra, juros americanos e petróleo eram as preocupações maiores de
autoridades econômicas, em termos de economia e finança internacional, de Fernando
Haddad inclusive.
O mundo vem caminhando em gelo fino trincado
e a guerra no Oriente Médio acaba de abrir mais uma rachadura, entre as tantas
que aumentam a instabilidade política e econômica, que vem de longe e foram
pioradas por gente como Trump e Putin.
Não é preciso lembrar que os Estados Unidos
votam para presidente no ano que vem. Joe Biden vai
mal das pernas; o Congresso americano é um circo sinistro aloprado pelos
reacionários e lunáticos republicanos. Uma desgraça maior no Oriente Médio, no
petróleo, na inflação e/ou nas taxas de juros pode facilitar a volta de Trump e
reanimar a extrema direita mundial. Para dizer o menos.
Cruzes!
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