sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Vinicius Torres Freire - Venezuela, Gaza, petróleo e o risco de piora ainda maior na política mundial

Folha de S. Paulo

Mundo anda sobre gelo fino e trincado; horror no Oriente Médio pode ser chance para Trump

Os Estados Unidos suspenderam por seis meses algumas sanções contra a Venezuela. Americanos ou quem faça transações com os americanos vão poder negociar petróleo, gás e ouro venezuelanos e, também, títulos da dívida do país dominado por Nicolás Maduro, em calote desde 2017.

Mas o governo dos EUA não autorizou a compra de dívida nova do país, o que não refresca em nada o financiamento internacional do país.

Quanto ao que interessa aqui e agora, nestas colunas, se e quando a Venezuela conseguir vender mais petróleo e gás haverá um pequeno alívio para a sua economia desgraçada. "Se": a produção de petróleo na Venezuela foi arruinada por sanções, incompetência e fuga de talentos técnicos.

O aumento ora previsível da produção venezuelana não fará coceira na oferta mundial do combustível, que diminuiu basicamente neste ano porque Arábia Saudita e Rússia assim o quiseram.

O assunto não é nem de longe esotérico. Com os cortes de produção da Opep+, o preço do barril ficara por um tempo em torno de US$ 85 (o tipo Brent). De agosto a fins de setembro, deu uma corrida até chegar quase US$ 97, voltando a baixar a US$ 83 pouco antes do ataque do Hamas a Israel, sem que os entendidos ou chutadores informados dessem explicações aceitáveis do que se passava.

Nesta quinta (19), o barril estava em pouco mais de US$ 92. Está caro. Carestia adicional vai redundar em mais pressão inflacionária, o que inclusive deve afetar o Brasil, mesmo com a nova política de preços da Petrobras.

A desgraça em Gaza e Israel até agora não afetou sobremaneira os preços, pelo menos não de modo fazer o valor do barril ir além da banda de variação recente e anterior à guerra. A guerra mal começou, porém, a julgar pelas declarações do governo israelense.

Especula-se que a guerra de Vladimir Putin na Ucrânia teria levado os Estados Unidos a amolecerem com a Venezuela e a fazerem vista grossa para a recuperação das vendas do petróleo do Irã (se é que os americanos poderiam fazer grande coisa, pois o cliente maior iraniano, na margem, é a China).

Uma desgraça ainda maior no Oriente Médio deve cancelar os benefícios, mínimos, dessa distensão, por assim dizer, para dizer o menos.

A inflação continua a ser um problema nos Estados Unidos e, ainda pior, na Europa. A ideia dos bancos centrais americano e europeu de que é preciso levar a inflação à meta informal e baixíssima de 2% ainda deve fazer estragos no crescimento econômico.

Para piorar, as taxas de longo prazo americano continuam a subir, ora nos maiores níveis em 16 anos, por motivos vários (entre eles o receio internacional de comprar títulos americanos e o excesso de oferta, dados o déficit público americano e a venda de títulos pelo Fed). Quanto maiores os níveis das taxas americanas, mais difícil que os juros caiam muito mais por aqui também, Brasil.

Pode ainda parecer esotérico, mas não é. Antes da guerra, juros americanos e petróleo eram as preocupações maiores de autoridades econômicas, em termos de economia e finança internacional, de Fernando Haddad inclusive.

O mundo vem caminhando em gelo fino trincado e a guerra no Oriente Médio acaba de abrir mais uma rachadura, entre as tantas que aumentam a instabilidade política e econômica, que vem de longe e foram pioradas por gente como Trump e Putin.

Não é preciso lembrar que os Estados Unidos votam para presidente no ano que vem. Joe Biden vai mal das pernas; o Congresso americano é um circo sinistro aloprado pelos reacionários e lunáticos republicanos. Uma desgraça maior no Oriente Médio, no petróleo, na inflação e/ou nas taxas de juros pode facilitar a volta de Trump e reanimar a extrema direita mundial. Para dizer o menos.

 

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