O Globo
Para Juan Luis González, país chega ao
segundo turno em situação inédita de tensão
O que acontece quando um país instável cai
nas mãos de um líder instável? A pergunta aparece no prefácio de “El Loco”,
biografia não autorizada de Javier Milei. Autor do livro, o jornalista Juan
Luis González confessa não ter encontrado a resposta para o enigma argentino.
“Não há uma experiência passada que permita
imaginar como seria um governo Milei. Muitas ideias dele nunca foram aplicadas
na Argentina, como dolarizar a economia, fechar o Banco Central e acabar com as
obras públicas”, diz o biógrafo. “Além disso, há a instabilidade de Milei, um
personagem que fala com seu cachorro morto e pensa que os clones do animal lhe
dão conselhos políticos. É muito difícil prever o que acontecerá”, resigna-se.
Lançado em julho, o livro se tornou um best-seller instantâneo. González reconstituiu a trajetória do candidato de extrema direita: de menino solitário, que sofria bullying até do pai, a polemista histriônico, que ganhou fama com gritos e insultos na TV. A morte do bicho de estimação, em 2017, é descrita como um ponto de virada.
“Milei se convenceu de que Conan era seu
filho. Quando o cachorro morre, seu discurso ganha um tom messiânico. Ele passa
a acreditar que fala com Deus, que foi escolhido”, resume o jornalista. “Isso
chama a atenção porque Milei se diz um libertário. Em tese, não deveria usar
uma retórica tão religiosa”, observa. Não é a única contradição do deputado de
primeiro mandato que pode chegar hoje à Casa Rosada.
Apesar de vociferar contra a política
tradicional, que rotula de “casta”, Milei contou com ajuda até de peronistas
para fundar seu partido. Ao conquistar a vaga no segundo turno, ele se aliou
aos dois líderes da direita tradicional: o ex-presidente Mauricio Macri, que
chamava de “covarde” e “repugnante”, e a terceira colocada Patricia Bullrich,
que tachou de “montonera assassina”.
Na política internacional, a retórica
agressiva permanece. Milei se refere a Lula como “comunista” e afirma que, se
eleito, não negociará com o presidente brasileiro. Ele também costuma
hostilizar a China, segundo maior destino das exportações argentinas.
“Alguns grupos políticos se definem por seus
inimigos. Os inimigos da nova direita são o comunismo, o feminismo, o
progressismo e a esquerda em geral”, diz González. Ele aponta outra semelhança
com Donald Trump e Jair Bolsonaro: a tática de desacreditar o sistema
eleitoral. “Milei disseminou a tese de que só perde se houver fraude. Isso está
levando a democracia argentina a uma situação inédita de tensão”, alerta.
No mês passado, o país vizinho celebrou 40
anos do fim da ditadura mais violenta do continente. O peronista Sergio Massa,
desgastado pela inflação galopante, repetiu o bordão “Nunca mais”. Milei
preferiu questionar as estimativas que apontam 30 mil desaparecidos políticos.
Sua vice, Victoria Villarruel, disse na quarta-feira que a Argentina só
conseguirá sair da crise “com uma tirania”.
Para o biógrafo de Milei, o discurso da dupla
representa um risco concreto, que não deveria ser subestimado. “A democracia já
está ameaçada na Argentina. O perigo é real”, adverte González.
Pois é,e deu no que deu.
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