domingo, 19 de novembro de 2023

Eliane Cantanhêde – Mais um ‘mito’?

O Estado de S. Paulo

Milei: onde a política afunda, os salvadores da pátria emergem e atacam a democracia

Javier Milei replica na Argentina os “fenômenos”, ou “mitos”, Donald Trump nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro no Brasil e Hugo Chávez na Venezuela, entre tantos outros exemplos a confirmar que, quando os políticos falham, os partidos caem em descrédito e as instituições se tornam disfuncionais, a política abre espaço a aventureiros com boa lábia e poucos escrúpulos, que se lançam como “salvadores da pátria”.

Trump, Bolsonaro e agora Milei atacam as eleições com histórias mirabolantes sobre fraudes, para agitar seus seguidores, atiçar os ânimos e vandalizar as instituições. Derrotados na reeleição, Trump liderou a invasão do Capitólio e Bolsonaro incitou o quebra-quebra no Planalto, no Congresso e no Supremo. Milei já está na mesma toada. E se perder?

Não é fácil definir um candidato que, em reuniões, deixa uma cadeira vazia para a alma de um bichinho que morreu, defende o fim do Banco Central e de hospitais, escolas e universidades públicas e agride os principais parceiros estratégicos do país, explorando a ojeriza crescente à política e o gosto dos eleitores pelo que é estapafúrdio. Não tem graça.

O Itamaraty recebeu 17 pesquisas na Argentina. Umas dão vitória de Milei, outras, de Sérgio Massa, peronista, ministro da Fazenda em meio à desgraça econômica e apoiado pelo presidente Lula e o PT. A tendência é levemente favorável a Milei, mas tudo é incerto neste domingo entre o ruim e o péssimo.

Sem citar nomes, Lula fez um apelo ao “voto democrático”, que se contrapõe às ameaças de Milei e à “tirania” defendida pela vice na chapa dele, enquanto a diplomacia dos dois países operava nos bastidores. Recado brasileiro: ganhe quem ganhar, as relações com a Argentina são de Estado e independem do governo de plantão. Recado argentino: Milei faz essas piruetas verbais nos palanques, mas não fará (ou faria...) na Casa Rosada. Um Milei na campanha, outro no governo. Será?

Ele ameaça romper com a China, tirar a Argentina do Mercosul e ignorar o “comunista” Lula. A China é o principal parceiro econômico da Argentina, do Brasil e da maioria da América Latina e Caribe. E o que sobra do Mercosul sem os “hermanos”, às vésperas do acordo com a União Europeia. Quanto aos tiros contra Lula, é bom lembrar: a diplomacia é pragmática, mas feita por presidentes, por pessoas. Com um comércio bilateral de US$ 25 bilhões em 2022 (superávit de US$ 2,2 bilhões a favor do Brasil), os dois países estão juntos também nos Brics, na Unasul e na Celac e têm velhos acordos de cooperação em setores sensíveis, como defesa e área nuclear. Até por isso, reina a paz na região.

 

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