O Estado de S. Paulo
Milei: onde a política afunda, os salvadores da pátria emergem e atacam a democracia
Javier Milei replica na Argentina os
“fenômenos”, ou “mitos”, Donald Trump nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro no
Brasil e Hugo Chávez na Venezuela, entre tantos outros exemplos a confirmar
que, quando os políticos falham, os partidos caem em descrédito e as
instituições se tornam disfuncionais, a política abre espaço a aventureiros com
boa lábia e poucos escrúpulos, que se lançam como “salvadores da pátria”.
Trump, Bolsonaro e agora Milei atacam as eleições com histórias mirabolantes sobre fraudes, para agitar seus seguidores, atiçar os ânimos e vandalizar as instituições. Derrotados na reeleição, Trump liderou a invasão do Capitólio e Bolsonaro incitou o quebra-quebra no Planalto, no Congresso e no Supremo. Milei já está na mesma toada. E se perder?
Não é fácil definir um candidato que, em
reuniões, deixa uma cadeira vazia para a alma de um bichinho que morreu,
defende o fim do Banco Central e de hospitais, escolas e universidades públicas
e agride os principais parceiros estratégicos do país, explorando a ojeriza
crescente à política e o gosto dos eleitores pelo que é estapafúrdio. Não tem
graça.
O Itamaraty recebeu 17 pesquisas na
Argentina. Umas dão vitória de Milei, outras, de Sérgio Massa, peronista,
ministro da Fazenda em meio à desgraça econômica e apoiado pelo presidente Lula
e o PT. A tendência é levemente favorável a Milei, mas tudo é incerto neste
domingo entre o ruim e o péssimo.
Sem citar nomes, Lula fez um apelo ao “voto
democrático”, que se contrapõe às ameaças de Milei e à “tirania” defendida pela
vice na chapa dele, enquanto a diplomacia dos dois países operava nos
bastidores. Recado brasileiro: ganhe quem ganhar, as relações com a Argentina
são de Estado e independem do governo de plantão. Recado argentino: Milei faz
essas piruetas verbais nos palanques, mas não fará (ou faria...) na Casa
Rosada. Um Milei na campanha, outro no governo. Será?
Ele ameaça romper com a China, tirar a
Argentina do Mercosul e ignorar o “comunista” Lula. A China é o principal
parceiro econômico da Argentina, do Brasil e da maioria da América Latina e
Caribe. E o que sobra do Mercosul sem os “hermanos”, às vésperas do acordo com
a União Europeia. Quanto aos tiros contra Lula, é bom lembrar: a diplomacia é
pragmática, mas feita por presidentes, por pessoas. Com um comércio bilateral
de US$ 25 bilhões em 2022 (superávit de US$ 2,2 bilhões a favor do Brasil), os
dois países estão juntos também nos Brics, na Unasul e na Celac e têm velhos
acordos de cooperação em setores sensíveis, como defesa e área nuclear. Até por
isso, reina a paz na região.
Que vença o melhor... Não deu.
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