O Globo
Blecaute da Enel em SP põe em xeque discurso
de que concessão à iniciativa privada é sinônimo de eficiência; empresa
desdenhou críticas e tentou botar culpa no vento
A maior metrópole do país voltou ao tempo da
luz de velas. Um apagão deixou 2,1 milhões de imóveis sem eletricidade na
Grande São Paulo. O blecaute fechou escolas, causou prejuízos, irritou
consumidores e reabriu o debate sobre as privatizações.
A pane começou na sexta-feira, quando um
temporal derrubou árvores e provocou danos à rede elétrica. Depois de 48 horas,
1 milhão de lares e comércios continuavam sem luz.
A concessionária Enel prometeu que a situação
seria resolvida até terça. Depois de descumprir o prazo, tentou empurrar a
responsabilidade para a natureza. “Não é para nos desculparmos, não. O vento
foi absurdo”, desconversou o presidente da empresa.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Nicola Cotugno desdenhou as críticas e disse que a Enel fez um “trabalho incrível”. A julgar pelas palavras do executivo, os consumidores é que deveriam se desculpar por terem ficado no escuro.
Desde que assumiu a concessão em São Paulo, a
empresa italiana dobrou os lucros e reduziu em 35% o número de funcionários.
Antes do apagão, já era mal avaliada. Em 2022, ficou em 19º lugar entre 29
distribuidoras no ranking da Agência Nacional de Energia Elétrica.
O caso da Enel põe em xeque um discurso
repetido como dogma: o de que privatização é sinônimo de eficiência. Como toda
empresa privada, as concessionárias buscam reduzir custos e aumentar receitas.
Se o Estado deixa de fiscalizá-las, quem paga essa conta é o cidadão.
O Brasil tem exemplos bem-sucedidos de
desestatização. Na telefonia, o processo atraiu investimentos e acabou com a
fila de espera por linhas. Isso se deveu à evolução tecnológica e ao advento da
concorrência. Na distribuição de energia, trocou-se um monopólio estatal por
outro privado. Em muitos casos, houve elevação de tarifa sem melhoria no
serviço.
Com os paulistas às escuras, as autoridades
se ocuparam com um jogo de empurra. Tarcísio de Freitas reclamou da poda de
árvores, e Ricardo Nunes se queixou da agência reguladora do estado.
Apesar das desculpas, os dois devem pagar um
preço político pelo apagão. O governador enfrenta novos questionamentos à venda
da companhia de águas, que tenta aprovar a toque de caixa. Candidato à
reeleição, o prefeito ajudou os rivais ao sugerir uma nova taxa para enterrar a
fiação elétrica. Seria menos arriscado apostar na pregação contra o vento.
Pois é.
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