O Globo
Flávio Dino no Supremo é Lula agindo por um
Alexandre de Moraes para chamar de seu. Sabe que esse gênio não voltará mais à
lâmpada e que os ímpetos e inquéritos autoritários — pela democracia — que ora
agradam poderão desagradar.
Sabe que a força togada proativa que topou
brigar na rua contra o bolsonarismo é tão estável-confiável quanto a crença em
que seja possível defender a República num vale-tudo.
Sabe, sobretudo, que o gênio que não voltará
mais à lâmpada é o dos precedentes. As liberdades excêntricas autorizadas a
Moraes — em nome da virtude — ficarão; para que outros, por virtudes outras,
lancem mão. Os nunes-marques-mendonças. Então: Dino. Já não bastará um
Lewandowski. Doravante: Lewan na agenda, Xandão na atitude. Dino.
Dino no Supremo é Lula investindo nos vícios do tribunal. Que identifica. Que escolheu alimentar. Talvez o presidente, por meio de uma espécie de líder do governo na Corte constitucional, projete — deseje — a diluição do poder xandônico. Multiplicá-lo-á.
Não serão banais as consequências da opção
por um agente político com o perfil — para o confronto, também para o microfone
— do ministro da Justiça. Da reunião com os (como definir?) líderes do tribunal
na semana passada, algo que se trata por natural, difundiu-se que a confirmação
de Dino — apregoado (normal) como o preferido de Moraes e Gilmar Mendes — seria
gesto do presidente pela pacificação das relações do Planalto com o Supremo;
depois de haver o líder do governo no Senado votado pela emenda à Constituição
que veta decisões individuais de ministros em ações para suspender o efeito de
leis e atos assinados pelos chefes do Executivo e do Legislativo.
Pacificação? Sim. Para fins brasilienses:
sim. Lula preferindo compor pela acomodação com um Poder que se perverteu em
interferente. Ao mesmo tempo apontando para aguçar um comportamento expansivo
que consiste na negação da natureza — comedida e colegiada, donde impessoal —
de uma Corte guardiã da Carta.
Ou é Dino ou é pacificação. Para a saúde dos
pesos da República, a coisa pública aqui entendida como o que concerne às
gentes que apertam o botão e esperam o elevador: ou é Dino ou é pacificação.
Nem toda a pauta raptada pelo bolsonarismo
será bolsonarista; sob o risco, para além de inflar o fenômeno, de lhe dar
campo no terreno da razão. Ministros do STF, desde muito antes da existência
competitiva de Bolsonaro, excedem-se — e têm se excedido cada vez mais. Há uma
febre de arreganhos monocráticos. Interditar esse debate — sob o argumento de
que, “se criticar o Supremo, o capeta voltará” — é forma opressora de proteger
concentração anômala de poder.
Ministros do Supremo, por meio de atividade
monocrática desmedida, minam a fortaleza plenária do tribunal — o que lhe dá a
balança — e transtornam os fundamentos da Corte. E os senadores da República,
dando vazão a revanchismo ou sob genuína preocupação com os efeitos da sanha
expansionista do STF, legislam para aterrar uma ferramenta que pode ser — é —
útil.
Tudo errado. A PEC é ruim. O Supremo
monocrático é ruim. A discussão é necessária.
O problema estará no instrumento — no recurso
à decisão individual — ou na maneira como os dinos de hoje o usam?
Evitar-se-ia um bocado de problemas se algum
bom senso houvesse. A própria reação dos ministros — à aprovação da PEC pelo
Senado — como expressão do desequilíbrio. Plantando aqui e acolá — escorados na
muleta do que produziram contra o 8 de Janeiro — que o voto de Jaques Wagner e
a pouca dedicação do Planalto em derrubar o projeto seriam uma “traição
rasteira”.
Relação entre Poderes — um dos quais o
Judiciário — em que seja possível haver traição será vínculo doente. Só trai e
é traído quem tem parceria, quem tem acordo-pacto.
Para repactuar a deturpação, para a retomada
do contrato pela democracia segundo convescote de Brasília, vem Dino. Para
personificar — aprofundar — a crise de legitimidade do Supremo no mundo real,
em detrimento do urgente choque de colegialidade: vem Dino. Pelo bem do povo.
Enquanto o povo lhes questiona quantos votos tiveram para suspender
individualmente a indicação de um ministro etc. pelo presidente da República.
— Não se sacrificam instituições no altar das
conveniências políticas.
Está certo o ministro Barroso, provocando —
tão provocador o STF — o cronista a perguntar se ato externo algum sacrificaria
mais o tribunal do que Dias Toffoli queimando as provas da Odebrecht, inclusive
a porção em que é citado: “o amigo do amigo do meu pai”.
— Esta Casa não é composta por covardes nem
por medrosos. Este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações.
Está certo o ministro Gilmar Mendes — poderia
ser proclame de Arthur Lira, sobre a Câmara. Estranho seria se alguém ali
tivesse medo. Medo tem quem anda nas ruas e vende o almoço para poder jantar.
Muito bom!
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