sexta-feira, 10 de novembro de 2023

César Felício - Leque da reforma deve fechar na Câmara

Valor Econômico

Grupos de pressão terão que ser organizar para tentar repactuar os termos da reforma em um ambiente de muito maior controle pela cúpula

De 837 emendas recebidas o relator da reforma tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), acatou 285. É um número significativamente maior do que as 158 emendas acolhidas na Câmara pelo relator daquela casa, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Não se pode por si só considerar que o senador foi mais flexível do que o deputado porque há uma diferença de universo nos pareceres. A questão é estrutural.

No caso da Câmara, Ribeiro opinou sobre 219 propostas de modificação. Fica nítido com esses números que a discussão da reforma tributária na Câmara foi mais centralizada e com menor capacidade de pressão de grupos organizados para buscar tratamento diferenciado.

Houve ramos empresariais, como o do saneamento, que só se mobilizaram quando a PEC chegou ao Senado. As montadoras instaladas no Nordeste, Centro-Oeste e Norte tentaram e não conseguiram se garantir na Câmara, mas emplacaram a prorrogação de incentivos na outra Casa do Congresso.

Proporcionalmente a possibilidade de um grupo interessado produzir uma emenda no Senado foi 20 vezes maior do que na Câmara. Em média foram apresentadas 10 emendas por senador e 1 emenda a cada 2 deputados. O processo decisório na Câmara é muito mais restrito a um pequeno núcleo de líderes e de articuladores ligados ou ao Palácio do Planalto, ou ao presidente da Casa, Arthur Lira. Fora desse núcleo, que verdadeiramente manda, o parlamentar está na categoria descrita por Max Weber em “A Política como Vocação”: são “carneiros votantes, perfeitamente disciplinados”. A disciplina que é possível quando se tem 20 partidos representados. E quando há pelo menos duas bancadas transversais que se superpõem aos partidos em determinadas questões: a dos ruralistas e a dos evangélicos.

No Senado há mais porosidade e o cabresto da dupla Rodrigo Pacheco (presidente) e Davi Alcolumbre (ex-presidente, em campanha antecipada para voltar ao cargo) corre mais frouxo.

Nada mais lógico, portanto, que o leque aberto pelos senadores em relação à reforma tributária seja fechado pelos deputados. Essa é a tendência. Ainda que tendência não seja destino.

Os grupos de pressão terão que ser organizar para tentar repactuar os termos da reforma em um ambiente de muito maior controle pela cúpula e onde o governo tem mais poder de fogo. É visível que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem uma relação fluida com o presidente da Câmara.

Municípios

Nem todos os lobbies conseguiram emplacar suas teses. O dos municípios que devem perder receita com a reforma tributária, por exemplo, ficou para trás. Joga contra o grupo o fato de ser minoria tanto em quantidade quanto em população: a proposta atual aumenta a renda para a maior parte dos municípios e para os mais populosos.

A reforma tributária tem um caráter redistributivo entre os municípios, porque transfere a cobrança do futuro IVA da origem para o destino. Com isso, saem ganhando os que são eminentemente consumidores e perdem aqueles menos populosos e que geram alto valor adicionado.

Os municípios recebem hoje 25% do ICMS, tributo estadual. As cidades que sediam empreendimentos levam vantagem, já que 65% dessa cota é distribuída conforme o valor adicionado fiscal (VAF). O restante é disciplinado por lei estadual, sendo que 10% precisa ser distribuído conforme despesas relacionadas à educação. A reforma tributária elimina o VAF. A Câmara dos Deputados aprovou em julho que 85% deve ser distribuído de acordo com a população dos municípios. Outros 10% são destinados para atender o Fundeb e 5% são rateados igualmente entre todos os municípios. No Senado o relator Eduardo Braga diminuiu a porcentagem vinculada ao critério populacional para 80%, destinando 5% para compensação ambiental.

O economista Sergio Gobetti, do Ipea, apresentou nota técnica em agosto calculando que a nova cobrança poderá trazer perdas para 1.030 municípios, ou 18% do total. Ele identifica 32 cidades que correriam mais risco, como Cubatão (SP), Paulínia (SP), Guamaré (RN) e São Francisco do Conde (BA), sedes de refinarias.

Gobetti estimou que R$ 50,5 bilhões anuais se deslocarão de municípios com alto valor adicionado para os mais pobres. Entre os maiores ganhadores com a reforma estão cidades periféricas, atuais bolsões de pobreza.

Uma emenda votada no plenário da Câmara tornou mais drástico o caráter redistributivo. Na versão original do parecer de Nogueira, o critério populacional tinha peso de 60% e havia uma margem de 35% a ser disciplinada por lei estadual. Da lavra do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), ligado ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), houve a supressão dessa margem. A quantidade de municípios que perdem receita sobe de 605 para 1.030, mas a população beneficiada vai de 61% para 67% dos brasileiros, de acordo com Gobetti. “As Assembleias Legislativas muitas vezes criam critérios que fogem do razoável”, diz Pedro Paulo. No caso do Rio, de acordo com o parlamentar, uma briga entre o então governador Marcello Alencar e o então prefeito do Rio Cesar Maia, em 1996, prejudica a capital fluminense até hoje. Na ocasião, a Assembleia Legislativa reduziu o repasse de ICMS da capital, alterando o Índice de Participação dos Municipios (IPM). A cidade perdeu 2,2% de participação no ICMS distribuído pelo Estado.

 

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