segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Denis Lerrer Rosenfield* - Terror, democracia e crime

O Estado de S. Paulo

Em certo sentido, não deveria surpreender que Lula equipare o terror do Hamas, massacrando crianças, mulheres e idosos, à defesa de Israel contra uma agressão bárbara

A esquerda revolucionária, ao contrário da social-democrata, sempre teve uma irresistível atração pela violência, considerando-a, mesmo, como ato inaugural de instauração da nova sociedade. E não só inaugural, pois a esquerda, chegando ao poder, caracterizouse pelo uso implacável da repressão, eliminando qualquer crítica e oposição. Eram os inimigos de classe, que surgem agora nas várias vertentes do pensamento dito decolonial, por exemplo, voltado contra os colonizadores, sendo os EUA o Grande Satã na vertente islâmica. Esboça-se toda uma aliança entre a esquerda da luta de classes e identitária com a dominação islâmica em nome do combate contra o Ocidente e seus valores.

Paradoxalmente, os regimes voltados para a execução dos homossexuais, para a subordinação incondicional das mulheres, para regras estritas de conduta sexual e vestimentária, cuja desobediência leva à tortura e à morte, são ícones desta nova vertente da violência sob a forma do terror. Hamas e Irã seriam exemplos.

Cabe salientar que a revolução comunista que instaurou a República Soviética foi levada a cabo pelo uso da violência, com a conquista do palácio símbolo dos czares, criando um regime implacável com os seus opositores e, depois, com os seus próprios amigos. A revolução maoísta seguiu o mesmo caminho, vindo a complementar o terror pela morte coletiva de milhões de pessoas. A revolução cubana, tão incensada ainda no Brasil, tem como seu símbolo o paredón, onde os “inimigos” eram fuzilados. Hoje, seu povo vive sob o mais brutal jugo. A revolução dos aiatolás no Irã seguiu o mesmo padrão, sendo incensada e apoiada pela esquerda, inclusive militarmente.

Em certo sentido, não deveria surpreender, neste contexto, que Lula, sob o manto de um humanitarismo hipócrita, equipare o terror do Hamas, massacrando crianças, mulheres e idosos, à defesa de Israel contra uma agressão bárbara. O Hamas tem o direito de matar, Israel não pode exercer o seu direito à autodefesa. A cegueira ideológica parece não ter limites ao ser feita a equivalência entre uma organização terrorista e um Estado democrático onde há eleições, liberdades e onde mulheres e homossexuais usufruem de todos os direitos.

A fala supostamente humanitária do cessar-fogo vela o seu propósito principal, a saber, impedir que Israel consiga eliminar o Hamas e destruir toda a sua estrutura militar. Não é a sobrevivência dos palestinos que está em questão, mas a do Hamas enquanto organização terrorista. A esquerda procura simplesmente preservar o poder de fogo dessa organização para que logo possa voltar a atacar Israel e tornar-se símbolo do combate contra os valores ocidentais.

Lula e o PT não fazem nada mais diferente do que fizeram, supostamente pela paz, ao proporem um cessar-fogo semelhante na Ucrânia, o que seria equivalente a reconhecer o status quo militar, ou seja, legitimar e referendar o esquartejamento do território ucraniano, doravante tido por russo.

Em nome de uma pretensa “autodeterminação dos povos”, Lula e o PT têm justificado que ditadores esquerdistas oprimam os seus próprios povos. Internamente, tudo podem fazer, pois seriam os revolucionários, os representantes da luta contra os EUA, o “imperialismo”. A ausência de condenação da violenta repressão na Nicarágua, empreendida por “companheiros” petistas, é de cortar o fôlego. Contra o Ocidente tudo vale, enquanto os “camaradas” têm direito ao uso indiscriminado do arbítrio e da violência.

Cuba é outro exemplo eloquente do mutismo esquerdista, como se tudo fosse de responsabilidade dos EUA. Seria uma Amsterdã, no dizer do presidente Lula, não fosse o “imperialismo”. Não há bloqueio em Cuba, mas tão somente a impossibilidade de negociar com os EUA e suas empresas no mundo. Para negociar com o Brasil, a Rússia, o Irã e a China, por exemplo, não sofre nenhuma restrição. Conta, no entanto, a dominação da burocracia comunista com o uso intensivo de prisões e tortura, quando não de morte. Onde estão os valores verdadeiramente humanitários?

Não menos reveladora é a acolhida da “dama do tráfico” amazonense nos Ministérios da (In)Justiça e dos Direitos (In)Humanos. Ela teve direito, inclusive, ao pagamento de diárias e custeio de sua viagem. Compreende-se, também, melhor por que o governo Lula é tão ardoroso defensor de gastos incontrolados, preocupando-se apenas com o aumento da arrecadação tributária. O lema é gastar e arrecadar mais. Note-se, igualmente, que aqui está presente toda uma tradição de esquerda de elogio – se não glamourização – de criminosos e delinquentes. São os bandidos sociais, os excluídos que fazem valer a sua voz pela violência, os contestatários da ordem capitalista.

Numerosos eram os romances e as peças de teatro tendo como mote a imbricação íntima entre crime e política. A “dama” amazonense aparece como um símbolo dos presidiários/criminosos em seu combate à atual sociedade. Sua entidade, aliás, se denomina Associação Instituto Liberdade do Amazonas. Curioso, não?

*Professor de filosofia na Ufrgs

 

 

2 comentários:

  1. É claro que Israel está sendo tão,ou mais,bárbaro que o Hamas.

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  2. Eu sou de esquerda,mas nunca endossei ditadura esquerdista,mesmo tendo sempre uma boa causa por trás,o que é bem diferente da extrema-direita que visa apenas a exterminar minorias.

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