O Globo
Insistir que preto, negro ou escuro tenham
sempre conotação depreciativa é negacionismo etimológico ou de contexto
É fácil imaginar o ridículo em que incorreria
uma ministra da Saúde que declarasse:
— Falar em vírus de computador contribui para
o descrédito das campanhas de vacinação. Pessoas que têm letramento sanitário
não dizem coisas como “o carro morreu”, e a gente escuta muito isso.
Ou um ministro dos Direitos Humanos, em campanha contra o etarismo, criticar expressões do tipo lua nova, bossa nova, Novalgina, Jovem Pan, Jovem Guarda — por enfatizarem o “novo”, perpetuando a discriminação aos idosos.
— Pessoas que têm letramento etário não usam
— diria, valendo-se da velha (ops, surrada) carteirada da superioridade
intelectual.
Está fora de cogitação um magistrado
(digamos, do STF)
condenar quem diga “pneu careca” ou “estou careca de saber”.
— Indivíduos utentes de letramento capilar
não logram valer-se de elocuções desse jaez — aludiria, em seu ínsito
vernáculo.
Não, ninguém que preze a inteligência alheia
desenvolveria “raciocínios” tão descabidos. É óbvio que carro não entra em
óbito; que a escola de samba se chamar Mocidade Independente de Padre Miguel
não exclui a velha guarda; que o campo careca tem apenas grama rala, sem aludir
à calvície de ninguém.
Mas a ministra da Igualdade Racial tachou de
analfabeto quem não vê racismo em
“buraco negro” e prefere entendê-lo como definido pela Física (região do
espaço-tempo em que o campo gravitacional é tão intenso que nenhuma partícula
ou radiação eletromagnética consegue escapar) — e se vale disso,
metaforicamente, para uma situação que pareça um beco sem saída. Culpa da
ciência, claro, que não soube se antecipar aos delírios identitários do século
XXI e deixou de chamar de flicts, talvez, à cor que absorve todos os
comprimentos de onda.
Insistir que palavras como preto, negro,
escuro — ou quaisquer de suas variações — tenham sempre conotação racial (e
depreciativa) é puro suco de negacionismo etimológico ou de contexto. Mas se
encaixa à perfeição no discurso “nós” (afrodescendentes, mulheres, LGBTQIAP+,
despossuídos, oprimidos, compassivos, conscientes e de esquerda) versus “eles”
(eurocêntricos, tóxicos, convencionais, privilegiados, opressores, insensíveis,
iletrados e de direita).
Êta mundinho binário!
Para “desracializar” a linguagem, será
preciso revogar a dicotomia entre luzes e trevas que nasceu com o universo, no
bigue-bangue, e reparar a injustiça óptica de o branco ser a soma de todas as
cores e o preto a ausência de luz. Até lá, não hão de cessar os ataques ao balé
“O lago dos cisnes” (o cisne negro é a gêmea má), ao humor negro e, se bobear,
até ao prêt-à-porter (associação sonora de “preto” a um tipo de roupa que não é
de alta-costura...).
Dará trabalho (com o perdão da palavra)
decolonizar o cérebro de quem contrabandeia, sem juízo crítico, certos
conceitos acadêmicos — como racial literacy — e quer aplicá-los, na marra, a
uma realidade tão diferente daquela para a qual foram pensados.
Lutar contra as palavras (luta mais vã...) em
vez de olhar para o racismo real lembra a velha piada de procurar na sala (que
está mais iluminada) algo que se perdeu no quintal. A pessoa nunca vai achar,
mas se sentirá gratificada pelo fingido esforço de encontrar.
Até onde eu sei,o preto é que é a soma de todas as cores,enquanto o branco é a ausência de cor.
ResponderExcluirO Iluminismo influiu muito pouco no Brasil. A classe política é, no geral, reflexo da maior parte do povo. Tosca. Pôr a mão no dinheiro, de preferência o dos outros, jogando sem trabalhar é o primeiro objetivo. A tendência é os governantes se tornarem cada vez mais estúpidos e grosseiros.
ResponderExcluirA tendência à grosseria, estupidez, corrupção e incoerência é uma ; outra opção é nós nos esforçamos para reverter ao menos um pouquinho desta tendência ao obscurantismo.
ExcluirÉ bem difícil reverter as visões atrasadas, eu admito ; e é difícil reverter menos pelo ideologismo e mais porque quem se diz progressista no Brasil só faz esta declaração como disfarse e o que fazem, na verdade, é viver do movimento social.
Progressista à vera, no Brasil, são muito poucos e com maioria que tem visão mais à direita. São bons progressista, mas são muito poucos.
Temos que tentar reverter a tendência ao fundo! A velocidade com que o buraco econômico e cultural no Brasil está sendo cavado nos últimos 20 anos é bem assustador.
E a farsa de um partido político e seus blogues se dizerem progressistas e publicarem o "Brasil171" e terem como presidenta a Glehse Hoffmman é um imenso deboche
Excluir