Valor Econômico
Argentinos preferiram as pouco detalhadas
propostas de Javier Milei ao risco de ficar à mercê da correnteza peronista
representada por Sergio Massa
Milhões de argentinos decidiram mergulhar
rumo ao desconhecido. Mesmo sem saber a profundidade de onde pulavam de cabeça,
ou seja, as pouco detalhadas propostas do radical Javier Milei, preferiram o
risco do que ficar à mercê da correnteza peronista representada por Sergio
Massa. Nesta, concluíram, o destino inevitável seria o penhasco.
Candidato-ministro, Massa comanda a economia
de um país marcado pelo crescimento da pobreza e da aceleração da inflação.
Acabou personificando um governo desastroso, embora prometesse que tudo seria
diferente em caso de vitória.
Não convenceu, apesar de ter dado mais sinais do que pretendia fazer na presidência do que o adversário. Assegurava, por exemplo, que enviaria rapidamente ao Congresso os primeiros projetos que dariam ao Estado um novo desenho.
Prometia, em outra frente, um reordenamento
do sistema tributário e sua simplificação. A imprensa argentina diz que por lá
há cerca de 150 impostos - deve ser terrível morar num país assim, com tamanho
cipoal tributário, e que demora tanto tempo para aprovar uma reforma na área.
Diante da promessa do rival de promover um
amplo programa de privatizações, sinalizava com a unificação de empresas
estatais. Isso sem falar nos projetos em tramitação que já vinha patrocinando
no Legislativo como ministro da Economia. Um deles tenta regularizar ativos no
exterior, cuja tributação pode render bilhões de dólares no ano que vem.
Não colou. E isso não chegou a surpreender o
governo brasileiro.
O Palácio do Planalto teve tempo suficiente
para formular a manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o
desfecho da eleição argentina. Sabia-se, de antemão, que a situação de Massa
não ia nada bem nas sondagens que antecederam o pleito de domingo.
Milei avançava nas pesquisas internas
manejadas pelos brasileiros que integravam o comitê do candidato da situação.
No melhor dos cenários (sob o ponto de vista petista), havia empate técnico,
mas ainda assim com Massa atrás.
O peronista apostou em uma campanha de medo
contra Milei, cujo histórico ajudava aqueles que o acusam de ser um risco à
democracia e às políticas sociais voltadas aos mais carentes. Contudo, as peças
de marketing de Massa se chocaram com a realidade cotidiana daqueles que
convivem com o descontrole dos preços, o aumento da violência e da pobreza,
além da falta de confiança na própria moeda.
Alguém que se deslocasse 2,8 mil quilômetros
de Brasília até Buenos Aires, tradicional reduto peronista, encontraria uma
cidade apática.
Um turista poderia esperar, com razão, clima
semelhante ao vivido durante a polarizada campanha eleitoral brasileira.
Afinal, a família Bolsonaro e marqueteiros petistas se envolveram diretamente
na disputa argentina.
Mas não havia agitação nas ruas. Nem sinal
das bandeiras e toalhas estendidas nas sacadas dos apartamentos, prática que
marcou bairros Brasil afora em outubro de 2022.
Quando provocado, um interlocutor poderia
dizer que Javier Milei, ultraliberal autointitulado “anarco-capitalista”, não
tinha noção de como manejar o Estado. Outro afirmaria que sua intenção de
acabar com ministérios sociais comprovava sua falta de compaixão com os
compatriotas mais pobres. Porém, muitos argumentariam que algo de diferente
precisaria ser feito na economia. Mesmo que isso representasse uma medida
extrema.
A autoestima do argentino está ferida. Ao
prometer tornar a Argentina grande novamente, Milei apostou nesse estado de
desânimo e no desgosto em relação a instituições que não têm dado conta dos
problemas da nação.
Muitos parecem nem se importar com o fim do
Banco Central, órgão fundamental para garantir a estabilidade da moeda e
regular o sistema financeiro de qualquer país que pretenda ser um habitat
saudável para empresários e investidores. Na semana passada, um eleitor de
Milei justificava sua opção dizendo que o BC local não consegue mais nem
decidir se cria uma nota de 10 mil pesos, diante do fato de que a cédula mais
alta atualmente em circulação, a de 2 mil pesos, apresenta valor ínfimo perante
o dólar. Uma justificativa superficial para problemas complexos.
Pelas ruas de Buenos Aires, poucos sabem os
efeitos de uma dolarização da economia. Ou até mesmo explicar como ela seria
executada na prática.
Para implementá-la, e acabar com o Banco
Central, Milei primeiro terá que alterar o atual arcabouço legal da Argentina.
De acordo com a Constituição do país, é atribuição do Congresso estabelecer e
regulamentar um banco federal com a faculdade de emitir moeda. Em outro trecho,
também elenca entre os deveres do Legislativo discutir o valor da moeda
nacional e defendê-lo.
Além do desafio jurídico, há questões
práticas que a administração Milei terá que enfrentar. Para atrair dólares, ela
possivelmente terá que fixar uma taxa de câmbio que reduzirá ainda mais o poder
de compra dos argentinos. Haveria, inevitavelmente, um empobrecimento da
população.
Nos últimos dias de campanha, o ultraliberal
precisou modular o discurso: assegurou que não privatizará a saúde e a
educação. Pode ter atraído muitos eleitores na reta final. No entanto, as águas
da economia permanecem turvas.
Verdade.
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