quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Lu Aiko Otta - Investimento em ritmo lento, como no passado

Valor Econômico

Números do Orçamento mostram que há dinheiro, mas que esse não foi totalmente gasto

Olhando para os números do Orçamento nestes dez primeiros meses de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o que se vê são ministérios investindo menos do que poderiam. Até agora, o Orçamento está maior do que a capacidade de execução do governo. É de se perguntar, então, se um eventual contingenciamento de verbas em março de 2024, provavelmente necessário para cumprir a meta de zerar o déficit fiscal, poderia realmente levar à paralisação de obras, como é o temor da ala política do governo.

Conforme levantamento feito por Gil Castello Branco, da organização Contas Abertas, o Orçamento deste ano destina R$ 72,6 bilhões para investimentos. Desses, haviam sido empenhados (reservados para pagamento de um contrato específico) R$ 50,1 bilhões até anteontem. Os valores efetivamente pagos chegaram a R$ 20,3 bilhões.

Os valores que não forem empenhados até o dia 31 de dezembro serão crédito orçamentário perdido, informou o especialista.

Nas duas primeiras edições do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 e 2011, o principal problema nunca foi a falta de verbas. Foi a dificuldade em executar tudo o que estava no Orçamento.

O economista-chefe da corretora Tullet Prebon, Fernando Montero, mostra a baixa execução do Orçamento de outra forma. Compara as projeções do governo para o conjunto de suas despesas este ano (crescimento real de 8,9%), com o efetivamente realizado (5,7% de janeiro a outubro, tomando por base estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Assim, para chegar no resultado esperado, os gastos precisariam dar um salto de 24,7% no último bimestre do ano. “Não dá tempo”, afirmou.

Ele notou também que, a despeito de o governo haver reforçado o Orçamento para investimentos este ano, os volumes dispendidos até agora não são muito maiores do que os de 2022.

Na mesma linha, mas em outro ângulo, as repórteres Edna Simão e Jéssica Sant’Ana, deste jornal, mostraram na segunda-feira que há R$ 28 bilhões liberados e não gastos no caixa do Tesouro. É um volume maior do que o visto em anos anteriores. Os técnicos chamam esse fenômeno de “empoçamento”.

 

São três recortes mostrando que há dinheiro, mas esse não foi totalmente gasto. Para Montero, isso é decorrência do grande reforço orçamentário proporcionado pela Emenda Constitucional da Transição. Em 2024, avaliou, o governo terá menos folga orçamentária e a estrutura dos ministérios estará mais organizada, por isso a tendência é o empoçamento ser menor. “Na dúvida, [os ministros] terão Lula berrando todo dia.”

Na visão de Montero, Lula investiu contra a meta de déficit zero e o contingenciamento de verbas em 2024 por receio de a máquina desacelerar. “Ninguém vai se mexer, se esperar um grande bloqueio à frente”, disse. “E ele quer investir todo o possível, claro.”

Do ponto de vista de realização de obras, o impacto de um contingenciamento orçamentário em março de 2024 tende a ser pequeno, avalia-se entre técnicos. Poderiam ser executadas despesas contratadas neste ano. No entanto, haveria grande reação no campo político.

“Fazer um bloqueio grande no início do ano produz uma sinalização ruim”, comentou um integrante do time econômico. “Ainda que, às vezes, na prática nem tenha esse efeito todo.”

Se um eventual contingenciamento pode ser menos impactante nos investimentos do que aparenta, o mesmo não se pode dizer sobre o descumprimento da meta fiscal. A ala política do governo quer um objetivo mais frouxo para ser capaz de atingi-lo, evitando as punições previstas no arcabouço fiscal. A mais grave delas é limitar o crescimento das despesas a 50% do aumento das receitas (e não 70%, como a regra geral).

Para conseguir um cessar-fogo em torno da meta fiscal até março, Haddad se comprometeu a contingenciar no máximo R$ 23 bilhões no ano que vem. É o suficiente para garantir a expansão mínima de 0,6% nas despesas e acomodar o crescimento vegetativo, segundo explicou.

“É narrativa da turma espremida entre o PT e o mercado”, rebateu Montero. Ele calcula que, em comparação com o que foi gasto nos 12 meses até setembro, o Orçamento de 2024 (já considerando o corte de R$ 23 bilhões) é 6,3% maior, em termos reais. Ou seja, comportaria o crescimento vegetativo de uma década.

Mesmo com essa expansão, o Orçamento de 2024 estará apertado para a maior parte dos ministérios, na comparação com 2023.

Essa situação é provocada pelo aumento de despesas obrigatórias. Além daquelas atreladas ao salário mínimo, que têm aumento real, voltaram a vigorar os pisos de despesas com saúde e educação.

Como mostrou o Valor no dia 16, a revisão de alguns desses itens precisará ser discutida em 2024. Do contrário, não será possível fechar uma proposta orçamentária para 2025, alertam técnicos.

Num ano eleitoral em que será necessário empreender debates difíceis, os embates entre as alas política e econômica do governo devem se intensificar. Não haverá tédio em 2024.

 

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