O Globo
A ordem no governo Lula é
abafar o mais rapidamente possível o caso da mulher de um líder de facção
criminosa do Amazonas recebida em audiências por secretários do Ministério da
Justiça. Neste feriado, dois dias depois da primeira reportagem do Estado de S.
Paulo sobre as visitas de Luciane Barbosa, a “dama do tráfico amazonense”, uma
tropa de integrantes do primeiro e do segundo escalão fez postagens de
desagravo a Dino.
O coro foi puxado pelo presidente da
República, que atribuiu as denúncias a “ataques artificialmente plantados” —
ou, nas palavras do titular dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, “claramente
coordenados”. Subindo o tom na defesa do chefe, o secretário nacional do
Consumidor, Wadih Damous, falou em “mentira adotada como padrão de jornalismo”.
Na superfície, a manifestação de Lula foi
apenas uma defesa enfática de seu ministro. Indo mais fundo, o que emerge é
outra coisa. Observadores privilegiados da guerra intestina que se desenrola em
Brasília pela nomeação para a próxima vaga no Supremo Tribunal Federal (STF)
não têm dúvida de que Lula buscou traçar um “risco no chão”, impondo um freio
não à imprensa ou às fake news, mas a seus próprios aliados.
Afinal, embora tenham circulado informações falsas afirmando que Dino se encontrara com a tal “dama do tráfico”, não foi isso que o jornalismo profissional trouxe à tona.
Luciane é mulher de Tio Patinhas, conhecido
por encomendar assassinatos cruéis e patrocinar uma fuga em massa do Centro de
Detenção Provisória de Manaus em 2018 — está preso por tráfico de drogas e
lavagem de dinheiro. Ela própria foi condenada por lavar dinheiro do tráfico,
mas recorre em liberdade.
De acordo com o Estadão, ela esteve com dois
secretários da Justiça entre março e maio deste ano. O jornal também teve
acesso a um relatório da Polícia Civil do Amazonas segundo o qual a ONG em nome
da qual Luciane foi recebida em Brasília é sustentada pela facção criminosa.
A mesma facção também é acusada de pagar os
honorários da advogada que marcou as audiências, a ex-deputada estadual do Rio
pelo PSOL Janira Rocha. As passagens de Luciane foram pagas pelo Ministério dos
Direitos Humanos.
Nem a equipe da Justiça nem a dos Direitos
Humanos negam as informações, mas dizem que há uma tempestade em copo d’água,
porque Luciane nem sequer esteve pessoalmente com os ministros. Além disso,
seria impossível evitar sua presença em encontros com autoridades, uma vez que
ela chegou de última hora como acompanhante de Janira e nem tinha sido
condenada ainda na época das visitas.
Silvio Almeida afirmou que seu ministério
pagou as passagens porque Luciene estava numa lista de indicados pelo comitê
estadual dos direitos humanos do Amazonas para um evento do governo.6 fotos
Não deixa de ser sinal de amadorismo, porém,
que essa falha no controle só tenha sido descoberta agora pela imprensa.
Depois que a história veio a público, o
secretário executivo da Justiça, Ricardo Cappelli, determinou que os nomes dos
participantes de audiências sejam comunicados com até 48 horas de antecedência
para checagem. Mas a demissão ou o afastamento dos secretários que receberam
Luciane está fora de cogitação.
O prejuízo para a imagem do governo já teria
sido grande mesmo que se tratasse de um episódio isolado.
Mas, apesar de o discurso oficial tentar
minar a credibilidade das reportagens atribuindo tudo a um vazamento por parte
do crime organizado, no entorno do presidente ninguém ignora que a repercussão
do caso foi turbinada pelos próprios petistas — tão contrários à ida de Dino
para o Supremo quanto os bolsonaristas.
O PT faz
lobby para o advogado-geral da União, Jorge Messias, filiado ao partido. O
bolsonarismo vê Dino como inimigo número um no governo, pelos embates públicos
que já tiveram e pelos desdobramentos do 8 de Janeiro.
Juntos, os dois grupos se assanharam ao ver o
“sangue na água” e passaram a trabalhar para dizimar as chances de uma eventual
nomeação de Dino ser aprovada pelo Senado. Só que, ao fazer isso, os petistas
atiraram contra seu próprio governo.
A ofensiva digital de Lula, portanto, é menos
contra a imprensa e as fake news do que contra seu próprio pessoal.
Ao final do dia de ontem, assessores
palacianos sopravam aos repórteres que o presidente agora esperará mais uns
dias para fazer a indicação ao STF.
A tática pode até frear a autofagia dos
petistas. Bem mais difícil será consertar o estrago causado pela história das
audiências da “dama do tráfico” circulando livremente pelo ministério que tem
como função primordial combater o crime organizado.
Coisa estranha.
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