O Globo
Na visão do ministro dos Direitos Humanos,
Silvio Almeida, a República é um horizonte que só se realiza com a inclusão dos
negros
Estamos entre o dia da República, ontem, e o
dia da Consciência Negra, na próxima segunda. O que liga os dois? Na visão do
ministro dos Direitos Humanos, Silvio
Almeida, o republicanismo, que nasceu restrito, precisa da inclusão
de cada vez mais brasileiros: “a República é um horizonte”, diz ele. Um dia da
consciência negra é pouco para tanto trabalho. Mesmo o Novembro Negro, que o
ministro quer que se institua, ainda é insuficiente. Porque a tarefa é
nacional. “Me diga um país que conseguiu se desenvolver discriminando 50% da
população?”.
Nesta segunda metade de novembro, o Brasil tem a chance de pensar em duas datas que nos constituem e que podem nos dar um horizonte. A inclusão dos negros em todos os campos da atividade brasileira, a remoção incessante de barreiras à ascensão do povo preto não é o atendimento de reivindicações de uma parcela da população. É a realização do projeto de República, e a garantia de que haja desenvolvimento.
Para abrir as cortinas e olhar longo e aberto
para o país, o ministro Silvio Almeida, advogado e filósofo, é pessoa
essencial. Eu o entrevistei na GloboNews, no programa de ontem, em conversa de
uma hora, na qual ele falou profundamente sobre a sua tese do “racismo
estrutural” brasileiro e do trabalho do Ministério dos Direitos Humanos e da
Cidadania. O combate ao racismo está sob o comando do Ministério da Igualdade
Racial, mas ele lembra que toda a pauta de direitos humanos num país como o
Brasil será sempre um combate ao racismo.
—Tem um ministério que é condutor da política
de igualdade racial, sob o comando da ministra Anielle
Franco, tem também o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério
dos Direitos Humanos. Todos juntos não conseguem dar conta de fazer políticas
públicas de combate ao racismo sem o Ministério das Cidades, sem o da Educação,
o da Saúde, sem os ministérios do Planejamento, Fazenda, Gestão e Inovação. O
Ministério dos Direitos Humanos cuida fundamentalmente de cinco públicos:
criança e adolescente, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+, pessoas em
situação de rua, idosos e eu incluiria pessoas à mercê da violência. Todos
esses públicos são atravessados pela questão racial.
Na segunda-feira, o ministro foi, com a
família, à cerimônia de sanção da renovação da lei de cotas, que ele classifica
como sendo a política mais bem-sucedida, junto com o SUS, em mexer com as
questões estruturais que dizem respeito à formação do Brasil.
—Para mim foi muito emocionante. Sou de uma
época em que não havia política de cotas raciais. Mas, ao mesmo tempo, eu
costumo dizer que sou um professor das cotas, e da expansão do ensino superior
no Brasil por meio do Sisu, por meio do Prouni. Porque essas perspectivas que
se desenharam no Brasil nos últimos 20 anos que colocaram mais jovens negros e
jovens negras nas universidades fizeram com que olhasse para esse mundo e
falasse assim: ‘Puxa vida, acho que aqui tem um canto para mim. Acho que eu
posso ser professor, porque acho que há mais espaço nas universidades. Acho que
há um espaço no qual eu possa ensinar e ao mesmo tempo aprender com pessoas que
se parecem comigo. Eu acho que se existem alunos negros entrando na
universidade é porque talvez haja espaço para professores negros também’. Então
eu meio que organizei a minha vida a partir dessa abertura que o Brasil deu.
As cotas, que começam oficialmente em 2003,
com a aprovação da política para a UERJ, estão mudando o Brasil de forma
impressionante e contrariando todo o temor que se levantou na ocasião.
—Algumas pessoas disseram à época que era uma
política que dividiria o país, era antinacional Essas pessoas não entenderam
nada do que significa o Brasil, do que significa o racismo aqui. O racismo
divide o Brasil. O racismo impede que o Brasil seja o que alguns chamam de
Nação. A gente não vai resolver todos os problemas ligados ao racismo, porque
que cota não impede que os negros sejam mortos na periferia. Mas, sinaliza com
uma espécie de conciliação nacional.
As cotas mostram que as políticas de ação
afirmativa, em todas as áreas, são caminho. O caminho para o que? Para combater
as desigualdades, para que o país seja uma Nação, para que a República tenha um
horizonte.
Exatamente.
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