segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Marcos Vasconcellos - Lula e Haddad jogam o jogo das expectativas

Folha de S. Paulo

Principais projeções para a economia trazem uma realidade melhor do que a inicialmente prevista

Não canso de dizer que o mercado vive de expectativas. Os números na tela do seu aplicativo de investimentos ou homebroker movem-se de acordo com o quanto a realidade se aproximou ou se distanciou do que imaginavam os donos do dinheiro.

Na última semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pareceu jogar com isso, ao despejar água no chope da questão fiscal para 2024. Lula, de certa forma, desautorizou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e disse que "dificilmente chegaremos à meta zero" no ano que vem.

A "meta zero" do déficit fiscal é o governo gastar exatamente o que arrecadar, sem gerar novas dívidas. E Haddad vinha prometendo a perseguição dela a investidores e empresários, como garantia do controle máximo de gastos. Por mais que não acreditem cegamente na promessa, os interlocutores costumam ver com bons olhos a garantia de empenho.

Agora, Lula age como personagem da velha anedota e avisa que a meta "subiu no telhado". Notícias já apontam que o governo discute déficit de 0,25% para 2024. Com isso, o mercado é obrigado a recalibrar suas previsões. A receita funciona para um governante que tem o projeto de dizer, ao fim do mandato, que superou as expectativas.

Veja bem: se o governo não cumprir a promessa de Haddad no ano que vem, seu chefe pode dizer aos mesmos empresário e investidores: "Eu bem que avisei que era difícil". Se o déficit fiscal ficar perto de zero, o que seria um descumprimento da promessa inicial (ruim para a imagem do governo) transforma-se automaticamente em uma "boa surpresa".

O próprio ano de 2023 pode servir como exemplo para entender como essa receita funciona. Nas últimas eleições presidenciais, quando o PT de Lula derrotou o PL de Jair Bolsonaro nas urnas, um dos temas preferidos dos agentes do mercado era a extinção do teto de gastos.

Foi alardeado (e não sem razão) que o novo governo já tinha como certeza a extinção do teto, cuja função declarada era garantir a racionalidade nos gastos públicos. Com Lula eleito, os agentes do mercado jogaram as previsões lá para baixo.

O novo governo tomou posse, o arcabouço fiscal foi aprovado, houve alívio internacional do choque de inflação sofrido como reflexo da pandemia e da Guerra da Ucrânia, e os "big numbers" do ano soam como uma "boa surpresa".

O relatório Focus, boletim semanal no qual o Banco Central reúne as previsões dos analistas do mercado, é a testemunha e a prova do que digo.

Entre janeiro, na primeira publicação de previsões do ano, e o fim de outubro, as principais projeções para a economia trazem uma realidade melhor (às vezes bem melhor) do que a inicialmente prevista. Falo de inflação (medida pelo IPCA); crescimento do PIB (Produto Interno Bruto); preço do dólar; e taxa básica de juros (Selic).

Existem dois jeitos de superar as expectativas: aumentando as entregas ou diminuindo as previsões. Infelizmente, a segunda maneira parece ter a preferência.

Ob.: Um dos números do Focus para o qual a previsão hoje é pior do que em janeiro é o de "investimento direto no país", ou seja, dinheiro injetado por empresas ou pessoas estrangeiras em empreendimentos brasileiros. Esse é o tipo de negócio inviável quando as opiniões dos governantes sobre a questão fiscal mudam ao sabor do noticiário.

 

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