Valor Econômico
Planalto hesita e fica a reboque do
bolsonarismo sem Bolsonaro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou o
verbo no futuro, mas os problemas políticos decorrentes do fôlego renovado do
populismo de direita já começaram. Já vinham de antes, mas a vitória de Javier
Milei lhes deu eco. O prognóstico de seu governo é duvidoso, mas sua vitória
mostrou que o apelo liberal fantasiado de extrema direita preserva seu espaço
neste canto do mundo.
Na esteira da eleição argentina, a oposição
brasileira ganhou fôlego no Congresso e encontrou terreno fértil nos erros
deste governo para prosperar. O exemplo mais patente foi a aprovação da
carteira verde e amarela. Nem o governo Jair Bolsonaro tinha sido capaz de
fazer tramitar no Congresso a proposta do ex-ministro Paulo Guedes que
flexibiliza direitos trabalhistas de jovens e idosos.
Agora o projeto passou na Câmara contra a oposição de apenas 91 deputados, número inferior à base do governo na Casa. Ainda precisa ser confirmado pelo Senado e pela sanção presidencial, mas virou troféu do bolsonarismo sem Bolsonaro.
A votação deste projeto, porém, só ganhou
fôlego depois da portaria do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, sobre o
trabalho aos domingos e feriados. A lei o permite. Portaria do governo
Bolsonaro tornou a liberação permanente para 14 categorias do comércio. A de
Marinho a submeteu a convenção coletiva ou à aprovação de lei municipal.
Pressionado pelas centrais sindicais, o
ministro agiu sem ouvir o patronato, que mobilizou suas bancadas na Câmara. Na
manhã desta quarta-feira, a Câmara aprovou a urgência para votação de projeto
que cancela a portaria de Marinho. O ministro voltou atrás e criou um grupo de
trabalho para negociar com as partes envolvidas.
As bancadas de oposição contaram com a boa
vontade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que, assim como o do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) - vide a PEC contra as decisões monocráticas
do STF - não perde uma oportunidade de satisfazer as bases eleitorais com as
quais pretende contar para a sucessão das mesas diretoras e para seu próprio
futuro eleitoral.
As lideranças envolvidas nos temas em ambas
as Casas, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) e Oriovisto Guimarães
(Podemos-PR), não poderiam ser mais representativas deste movimento. Nunca se
fiaram na estridência das bancadas bala-boi-bíblia, mas militam na contenção
dos poderes dos ministros do STF e na defesa dos interesses liberais que
ascenderam no governo passado.
Sua defesa não se limita aos sócios do
bolsonarismo. Avança sobre os do lulismo. A PEC das decisões monocráticas até o
voto do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), teve. O líder não
orientou a bancada nesta direção, mas votou a favor do projeto. Nunca é tarde
para o governo tentar se dissociar dos desgastes dos superpoderes dos ministros
do Supremo junto à opinião pública. Especialmente num projeto que tem futuro
incerto na Câmara, onde Lira é beneficiário de sucessivas decisões monocráticas
no STF.
Tem ainda a campanha contra o veto
presidencial à desoneração, que tem a adesão sindical. Esboça a tese da
manutenção dos empregos e enfrenta aquela, defendida pela Fazenda, de
preservação do fôlego fiscal sem o qual não haverá políticas públicas capazes
de manter a competitividade deste governo frente ao bolsonarismo sem Bolsonaro.
O clima no Congresso sugere que um veto
presidencial à desoneração abrirá uma fissura com a coalizão de interesses que
moveu o governo passado e que demonstra ter mantido capacidade de mobilização
política. É uma situação, entre muitas, a pressionar o rombo fiscal do país,
reavaliado, nesta quarta, para R$ 177 bilhões.
Os humores com os rumos do governo não afetam
apenas as bolhas de Brasília. Já chegaram à população. A pesquisa Atlas desta
semana mostrou que a avaliação negativa (ruim/péssimo) do governo Lula
ultrapassou, pela primeira vez, a positiva (ótimo/bom). O desgaste precoce vem
associado à ascensão, ao pódio dos principais problemas do país, da
criminalidade e da corrupção.
Bolsonaro não apenas está fora do jogo como,
na pesquisa, compõe o triunvirato dos mais rejeitados ao lado de Arthur Lira e
Ciro Gomes. O problema é que o binômio que o elegeu continua vivo.
A preocupação com a corrupção é anterior à
votação, nesta quinta, do plano de investimentos da Petrobras,
um dos maiores embates em curso no governo, e lhe serve de alerta. Aquela com a
criminalidade, diz Andrei Roman, diretor do Atlas, chegou ao pico dos últimos
20 anos.
A pasta da Justiça e da Segurança Pública tem
como titular o melhor comunicador da Esplanada, o que não garante sua
blindagem. Desde a posse de Lula, Flavio Dino foi o ministro mais ativo no
embate com o bolsonarismo, mas a escalada do crime organizado acabou por
absorver sua agenda pública.
A torcida adversária o acompanhou. E, neste
tema, é mais bem sucedida ao enfrentá-lo. Seja pelos erros da militância
petista na reação a temas como o da “dama do tráfico”, seja porque a cada
operação de desbaratamento de quadrilhas de tráfico e de suas finanças segue-se
um crime inominável nas Gazas brasileiras de todos os dias.
O último foi a truculência contra torcedores
argentinos. Veio da polícia carioca, a mais bolsonarista do país, mas já caiu
no colo do governo que se opôs a Milei. Parece uma distopia, mas é apenas um
governo a reboque.
Pois é.
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