quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Martin Wolf* - Afrouxamento monetário à vista

Valor Econômico

Inflação em queda põe BCs no ponto mais difícil do ciclo monetário

As taxas de juros dos bancos centrais atingiram um pico nos Estados Unidos e na zona do euro? Se sim, com que rapidez elas poderão cair? Começando na metade de 2021, os bancos centrais tiveram que apertar significativamente suas políticas monetárias. Mas o que eles terão de fazer a seguir é incerto. Independentemente do que os banqueiros centrais possam dizer sobre o que pretendem fazer, os acontecimentos sempre têm a última palavra. Se, como muitos agora esperam, o núcleo da inflação cair rapidamente em direção a suas metas, eles terão de flexibilizar suas políticas.

Embora a perda de credibilidade seja prejudicial quando a inflação fica alta demais, ela também o é quando a inflação fica baixa demais. Um retorno da inflação abaixo da meta e à política monetária de “puxar a corda” seria altamente indesejável. O momento de responder a esses riscos parece próximo - mais próximo do que os bancos centrais admitem, especialmente tendo em conta as defasagens na transmissão do aperto passado. Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), e Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), declararam seu plano de não flexibilizar tão cedo. As taxas de intervenção permanecem estáveis há algum tempo: a taxa dos fed funds está em 5,5% desde julho e a taxa de depósito do BCE está em 4% desde setembro.

Ainda assim, Powell alertou este mês que a missão de devolver a inflação à meta de 2% tem “um longo caminho a percorrer”. Do mesmo modo, Lagarde disse ao “Financial Times” na semana passada que a inflação na zona do euro recuará para a meta de 2% se as taxas de juros forem mantidas nos níveis atuais por “tempo suficiente”. Mas “isso não é algo que significa que nos próximos dois trimestres estaremos vendo uma mudança. Tempo suficiente precisa ser um tempo suficiente”.

Uma conclusão razoável desse comportamento é que, salvo surpresas, as taxas de juros atingiram agora o pico. Mas os bancos centrais enfatizam simultaneamente seu plano de mantê-las em alta. Uma justificativa para a divulgação dessa intenção é que ela é por si só uma ferramenta de política. Se os mercados acreditam que os juros mais baixos virão em breve, eles provavelmente aumentarão os preços dos bônus, reduzindo assim as taxas e facilitando as condições monetárias. Diante da incerteza quanto às perspectivas, os bancos centrais não desejam que as atuais condições financeiras apertadas sejam prejudicadas desta forma. Eles preferem preservá-las até terem a certeza de que suas economias não precisarão mais delas.

Até aqui, tudo compreensível. A questão é quão incertas as perspectivas realmente são. As respostas que os otimistas dão para os EUA e a zona do euro são diferentes. Mas eles chegaram praticamente à mesma conclusão: a ameaça da inflação está passando muito mais rapidamente do que os bancos centrais sugerem.

Em análises recentes, economistas do Goldman Sachs apresentaram esse caso claramente. Eles afirmam que nos EUA o “núcleo da inflação caiu acentuadamente desde o pico alcançado na pandemia e deverá começar sua descida final em 2024”. Eles veem uma maior desinflação resultante do reequilíbrio dos mercados automobilístico, aluguéis de moradias e mercados de trabalho. Eles acrescentam que “o crescimento dos salários caiu quase para o seu ritmo sustentável de 3,5%”. No geral, o núcleo da inflação das despesas com consumo pessoal (PCE, na sigla em inglês) deverá cair para cerca de 2,4% até dezembro do ano que vem.

Na zona do euro, o Goldman Sachs acredita que a “inflação subjacente vai se normalizar em 2024. O núcleo da inflação esfriou mais que o esperado nos últimos meses... e o crescimento dos salários está dando sinais claros de desaceleração”.

Embora a inflação esteja arrefecendo nos dois lugares, os choques e os desempenhos econômicos têm sido muito diferentes. A divergência mais marcante está no crescimento este ano. As previsões de consenso para o crescimento dos EUA e da zona do euro em 2023 se acompanharam de perto em baixa em 2022, com as previsões para 2023 caindo de cerca de 2,5% em janeiro de 2022 para perto de zero no fim do ano passado. Mas as previsões para os EUA estão agora em 2,4%, enquanto que para a zona do euro são de apenas 0,5%.

Parece cada vez mais plausível que o ciclo de aperto terminou e que o começo da flexibilização subsequente está mais próximo do que os BCs sugerem. Se isso não acontecer, há um certo risco de que seja tarde demais para evitar até mesmo um retorno à inflação baixa demais

A combinação nos EUA de crescimento vigoroso, baixo desemprego e queda da inflação se parece bastante com a “desinflação imaculada” na qual eu, por exemplo, não acreditava. Por que isso aconteceu é assunto para outra hora. Em termos do PIB, porém a desinflação parece menos imaculada na zona do euro. Isso não surpreende, uma vez que a inflação e o crescimento fraco foram motivados pelo choque energético causado pela guerra da Rússia na Ucrânia.

Agora, olhe para frente. Tal como argumentou John Llewellyn, a economia dos EUA poderá ficar substancialmente mais fraca no ano que vem. Quanto ao crescimento da zona do euro, até mesmo as previsões relativamente otimistas do Goldman Sachs são de um crescimento de apenas 0,9% em 2024. Além disso, mesmo isso pressupõe o afrouxamento da política monetária do BCE em resposta às notícias melhores sobre a inflação.

Os bancos centrais precisam olhar para o futuro e lembrar das defasagens entre suas ações e a atividade econômica. Ao fazer isso, poderão também olhar para os dados monetários. O crescimento anual dos agregados monetários (M3) é firmemente negativo. Os dados monetários não podem ser direcionados. Mas também não podem ser ignorados.

Em resumo, parece cada vez mais plausível que este ciclo de aperto chegou ao fim. Também parece bastante provável que começo da flexibilização subsequente está mais próximo do que os bancos centrais estão sugerindo. Se isso não acontecer, há um certo risco de que seja tarde demais para evitar um abrandamento custoso e até mesmo um retorno à inflação baixa demais. No entanto, nada disso é certo: a formulação da política monetária encontra-se agora em um ponto realmente difícil do ciclo.

Também precisamos observar algumas lições. Primeiro, a própria resiliência das economias confirma que o aperto foi justificado: a que altura estaria agora a inflação nos EUA sem ele? Em segundo lugar, as expectativas de inflação permaneceram bem ancoradas, apesar do grande erro no alvo. Assim, o regime de meta de inflação funcionou bem.

Em terceiro lugar, os mercados de trabalho também se comportaram melhor que o esperado. Em quarto lugar, a orientação futura é arriscada: os formuladores de políticas deveriam pensar cuidadosamente antes de assumirem compromissos que logo eles poderão ter de quebrar. Finalmente, eles não deveriam travar uma guerra por muito tempo, apenas porque começaram tarde demais. Sim, o último quilômetro pode realmente ser o mais difícil. Mas é preciso ter cuidado ao cruzar a linha de chegada. (Tradução de Mário Zamarian)

*Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

 

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