quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Míriam Leitão - O Estado contra-ataca

O Globo

Com atuação das Forças Armadas, o objetivo do plano divulgado pelo ministro Flávio Dino é descapitalizar a “narcomilícia”, e estrangular a logística do crime

O governo convocou todas as forças federais para atuar na crise de segurança, mas através de um plano que é diferente de outros e, ao contrário do que se pensava, não é apenas do Rio. É nacional. A Marinha e a Aeronáutica atuarão através de uma GLO, e que também é diferente das que ocorreram no passado, porque será específica e pontual.

O ministro Flávio Dino me disse o que o governo não fará: “não concordamos e não faremos ações de ocupação militar com tiros a esmo porque isso é irresponsável, ineficiente, puramente demagógico e quem morre são os mais vulneráveis”. O ministro combate a ideia de que o crime organizado está apenas nas áreas mais pobres do Rio. “Quem inventou a milícia no Rio de Janeiro foram os políticos. Onde houve a apreensão de 47 fuzis? Numa mansão na Barra da Tijuca”.

Ontem, dia do lançamento do plano para combater a milícia e o tráfico de drogas, o ministro da Justiça me deu uma longa entrevista que foi ao ar na GloboNews. Ele detalhou o plano que resume como sendo “integrar as ações do Estado, focar na prioridade e não cometer erros pretéritos”. Além disso, falou de outros temas que o circundam. Negou que o presidente Lula tenha falado com ele sobre indicação para o Supremo e disse que prefere pensar no assunto apenas quando, e se, isso for colocado. Sobre a tentativa de golpe do começo do ano, ele descreveu o que sentiu.

—No dia 8 de janeiro, quando eu cheguei à janela do Ministério da Justiça e olhei aquilo, a sensação foi a de estar à beira de um abismo. Decorridos dez meses, hoje eu sei que o abismo era muito mais profundo do que aquilo que eu via. Porque de fato havia o engendramento de um golpe.

Flávio Dino é contra a criação do Ministério da Segurança e justifica de forma objetiva: 90% do tempo de um ministro da Justiça é dedicado à segurança pública. E há uma relação estreita entre os dois temas, a tal ponto que, se fossem divididos, haveria uma duplicidade de comandos.

A maior parte da entrevista foi, claro, sobre o plano anunciado ontem pelo presidente Lula, com ministros e comandantes militares. A operação segue a um planejamento claro: não é uma intervenção, aliás, nem é apenas em um estado. A Marinha atuará nos portos do Rio, de Itaguaí e de Santos. A Aeronáutica estará presente ostensivamente nos aeroportos de Guarulhos e Galeão. Os dois mil homens e mulheres do Exército reforçarão a atuação na fronteira. Desta forma, explicou o ministro, o governo descapitaliza a “narcomilícia”, e estrangula a logística do crime. Por outro lado, a inteligência da PF com a inteligência das polícias locais, e talvez a Receita e o Coaf, atuarão para executar o estrangulamento financeiro do crime. Integrarão também o plano a PRF e a Força Nacional.

—O Cifra (Comitê Integrado de Investigação Financeira e Recuperação de Ativos) buscará a eficiência e a velocidade na ação. Nos últimos anos, houve um alargamento dos negócios das milícias e do tráfico. Há uma interpenetração profunda do crime organizado com postos de gasolina, estabelecimentos comerciais e nunca houve uma investigação decidida sobre esses mecanismos. O objetivo é desidratar e asfixiar o crime — disse o ministro, que afirma ainda que a operação será centrada no Rio para atingir o crime nacionalmente:

—As facções do Rio e de São Paulo, nascidas no ventre do sistema penitenciário, acabaram se transformando em redes nacionais e transnacionais. O trabalho no Rio alcança todos os estados brasileiros.

Já está em andamento um plano específico para a região Norte, onde o tráfico de drogas e de armas atua junto com o crime ambiental.

— É o Plano Amazônia: Segurança e Soberania (Amas) Haverá um encontro do governo com os governadores da região no dia 10 de novembro. Vamos implantar bases híbridas, terrestres e fluviais e estamos nos equipando com, por exemplo, lanchas blindadas porque o crime aumentou seu poder bélico nos últimos anos e, de fato, não foi combatido.

Lembrei a ele que todas as intervenções na segurança do Rio acontecem por espasmos. Vão na crise e depois se recolhem. O ministro disse que a atuação das forças armadas é por seis meses, podendo ser prorrogada, mas estão sendo criados mecanismos de cooperação com os estados que serão permanentes. Para Dino, o que está acontecendo na prática é o começo da implantação do Sistema Único de Segurança Pública, que foi criado por lei em 2018, mas até agora estava abandonado.

 

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