quinta-feira, 2 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

MEC faz bem em manter data do Enem

O Globo

Mas ministério deve explicações sobre falhas que levam candidatos a fazer provas a mais de 30 km de casa

O Ministério da Educação (MEC) tomou a decisão correta ao não adiar a data do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), marcado para o próximo domingo e o seguinte. Apesar dos problemas constatados na organização — como agendamento das provas longe da casa dos alunos —, o adiamento seria um equívoco e prejudicaria a imensa maioria dos estudantes. De acordo com o MEC, as falhas atingem apenas 1% dos inscritos, concentrados em cidades grandes como São Paulo, Rio ou Brasília.

Pela alternativa sugerida pelo MEC, esses estudantes poderão fazer as provas nos dias 12 e 13 de dezembro noutros locais, desde que, para isso, se inscrevam entre 13 e 17 de novembro. Há reclamações de que esse contingente será beneficiado por ter mais tempo para estudar, mas a solução é menos danosa do que o adiamento geral.

Oferecer uma nova data não livra o MEC, no entanto, de se explicar sobre as falhas na organização da prova. A solução só surgiu depois da enxurrada de críticas de candidatos surpreendidos pelos locais agendados. Pelo regulamento, a distância não pode ultrapassar 30 quilômetros da casa do candidato. Há relatos de estudantes que precisariam se deslocar 200 quilômetros até o local da prova, um absurdo.

É verdade que alguns municípios têm adotado medidas para facilitar a vida dos candidatos. Em São Paulo, os ônibus funcionarão com catracas livres das 9h às 21h nos dias do Enem. A iniciativa é louvável, mas o valor da tarifa não é o único obstáculo para quem mora longe dos locais de prova. O tempo de deslocamento precisa ser aliado do candidato. Não é o que acontece quando ele precisa tomar várias conduções. Nada mais frustrante do que dar de cara com o portão fechado.

Parece óbvio que o candidato precisa prestar o exame perto de casa. Compreende-se que, em determinados casos, isso não seja possível por falta de instalações, pela extensão territorial ou pela densidade populacional. Mas o limite de 30 quilômetros já é suficientemente amplo para acomodar tais circunstâncias. Precisa ser respeitado. Salvo erro do candidato durante o preenchimento do formulário, não há razão para alocá-lo em lugares distantes.

O MEC atribuiu a falha à empresa contratada para aplicar o exame. Essa explicação não basta. É preciso apurar como foram escolhidos os locais de provas para que os erros não se repitam. A despeito da troca de governo, o MEC tem um ano para organizar o Enem. Deveria ter pleno domínio sobre a logística do exame.

Com 3,9 milhões de inscritos neste ano, o Enem é o passaporte para a universidade. Trata-se de uma etapa fundamental na vida dos jovens, por envolver seu futuro. Uma boa nota na prova abre portas para instituições públicas, para bolsas do Prouni em universidades privadas e para o financiamento estudantil. Sabe-se que o estresse é inevitável depois uma preparação que costuma ser exaustiva. Por isso mesmo o MEC precisa oferecer toda a infraestrutura necessária para que os candidatos façam a prova com tranquilidade. Isso obviamente inclui a facilidade de acesso. Do ponto de vista do candidato, espera-se que a dificuldade fique restrita às questões da prova.

Desemprego em queda gera menos pressão inflacionária que no passado

O Globo

Principal explicação para recorde da população ocupada é o êxito da reforma trabalhista de 2017

O desemprego no Brasil ficou em 7,7% no terceiro trimestre, menor nível desde fevereiro de 2015, quando começou a subir com o naufrágio econômico do governo Dilma Rousseff. O Brasil tinha em setembro 8,3 milhões de desempregados, quase metade do registrado no pior momento da pandemia, quando a desocupação chegou perto de 15%. Em razão de avanços da reforma trabalhista de 2017, como maior flexibilidade de contratação e menos desavenças na Justiça do Trabalho, a retomada da economia permitiu ao país voltar ao patamar abaixo de 8% sem risco significativo para a inflação, como no passado.

Criar empregos é meta fundamental de toda sociedade. Mas um mercado de trabalho aquecido demais eleva os salários, a demanda por consumo e, em decorrência, os preços. De acordo com a ciência econômica, há uma taxa de desemprego natural, abaixo da qual a criação de empregos se torna necessariamente inflacionária. Embora a discussão sobre o valor preciso dessa taxa no Brasil seja algo esotérica, contaminada por inclinações ideológicas, diversos estudos confirmam que ela caiu com a reforma de 2017. Por isso o recorde de brasileiros trabalhando hoje gera menos preocupação com a inflação.

Na comparação com o trimestre anterior, havia mais 929 mil ocupados em setembro. Seis de cada dez, empregados com carteira assinada no setor privado. Os maiores empregadores foram os setores de informação, comunicação, financeiro, imobiliário e administrativo. Os demais se mantiveram estáveis. O rendimento médio, estimado em R$ 2.982, registrou alta de 1,7% sobre os três meses terminados em junho e de 4,2% sobre o mesmo período do ano passado. “Houve aumento no rendimento médio dos empregados com carteira no setor privado, empregados no setor público e trabalhadores por conta própria”, diz a coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE, Adriana Beringuy.

A maior parte do ganho salarial nos últimos anos tem recaído sobre a parcela mais pobre da população, revelou estudo recente da Fundação Getulio Vargas. O salário médio dos 25% que ganham menos subiu 15,4% em relação a 2019. A renda dos 25% que ganham mais, em contrapartida, sofreu queda de 0,6%. Claro que o impacto de mais emprego e mais ganho salarial na inflação não será nulo. Mas o mercado de trabalho tem exercido menos pressão nos preços do que se imaginava.

De acordo com o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a explicação para isso está não apenas no número de empregos gerados em consequência da reforma (o numerador na taxa de desocupação), mas sobretudo no total da população empregada ou em busca de trabalho (o denominador), ainda abaixo do nível pré-pandemia. Se todos voltassem a procurar emprego e não conseguissem, a desocupação estaria, diz ele, em torno de 10%. Como a fração da população sem rendimento permanece maior do que sugere a taxa de desemprego, a pressão inflacionária acaba sendo menor.

Bônus sem ônus

Folha de S. Paulo

Congresso aumenta poder sobre o governo; falta contrapartida da responsabilidade

No subsolo das trepidações frequentes da política brasileira nos últimos anos, ocorre uma reacomodação das placas tectônicas que definem o equilíbrio de poderes. Perde musculatura o Executivo, cujo chefe é ungido diretamente pela maioria do eleitorado.

As crises dramáticas que se abateram, por razões distintas, sobre as administrações Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) parecem ter acelerado um processo que de resto já estava em curso e respondia, até certo ponto, a uma desejável necessidade de limitar o alcance tentacular do Palácio do Planalto.

O problema foi o Congresso Nacional ter-se fortalecido ao longo dessa trajetória a ponto de imiscuir-se em decisões típicas de governo, mas sem a contrapartida de os legisladores responderem política e juridicamente por seus atos.

O Tesouro Nacional, por decisão de deputados e senadores, tornou-se o financiador da nababesca rotina das agremiações políticas. Os fundos eleitoral e partidário terão carreado R$ 7 bilhões no biênio 2022-23 a oligarquias sem o menor compromisso com representatividade e democracia interna.

Trata-se de anomalia na comparação internacional, mas não, infelizmente, a única provocada pela hipertrofia do Legislativo. O peso das emendas parlamentares nas despesas discricionárias da União também destoa absurdamente.

Não bastasse o tanto que o Congresso já caminhou na transformação das idiossincrasias paroquiais de deputados e senadores em gastos obrigatórios, o Senado agora debate tornar mandatório também o pagamento de emendas de comissões permanentes das Casas.

A sem-cerimônia com que o Legislativo incumbe o pagador de impostos federais de custear os caprichos de seus integrantes contagia o próprio líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele se empenha em empurrar uma fatura de mais de R$ 6 bilhões anuais para a União arcar com salários de servidores dos antigos territórios nacionais.

O jogo do bilhão continua quando Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e mandachuva do centrão, se apodera do comando da Caixa Econômica Federal, em meio à corrosão dos limites para a apropriação partidária de cargos que deveriam ser preenchidos por critérios técnicos em estatais.

Deputados e senadores lambuzam-se na hora da farra, mas não sofrem as consequências do desequilíbrio orçamentário e das péssimas escolhas de gasto público que a sua ação inconsequente acarreta.

É preciso reequilibrar essa equação, pois a má governança conduz ao subdesenvolvimento. Quem adquire poder precisa ganhar também responsabilidade condizente.

Cemitérios sob nova gestão

Folha de S. Paulo

Concessão pode melhorar serviço; prefeitura deve exigir transparência de direitos

Neste Finados, os paulistanos encontrarão os cemitérios privatizados. Até o início deste ano, os serviços funerários e a gestão dos espaços de sepultamento e crematórios da cidade eram exercidos diretamente pela prefeitura, em modelo de monopólio estatal. Mas, desde março, operam sob regime de concessão, que deve durar 25 anos.

São quatro consórcios que cobram das famílias pelos serviços e se comprometem com a prefeitura a cumprir uma série de exigências. O poder público fica encarregado da supervisão.

O Estado brasileiro não tem um bom histórico como administrador, e monopólios não costumam promover a qualidade nos serviços. A privatização, portanto, tem potencial para revelar-se uma boa solução para anos de descaso que levaram a uma situação crítica, que inclui depredação de jazigos com obras de arte de valor inestimável.

O êxito ou fracasso do modelo de gestão depende de contratos bem elaborados e de rígida fiscalização.
Em setembro, o Datafolha ouviu os paulistanos sobre a nova administração dos cemitérios. Só 9% perceberam melhorias, ante 32% que notaram piora. A qualidade permaneceu a mesma para 26%, e 33% não tinham opinião formada.

Tais números não surpreendem. O efeito mais perceptível da privatização até agora foi o reajuste dos preços, que estavam defasados. Serviços não muito luxuosos, os mais requisitados, sofreram alta considerável. Restauros, reformas e construção de crematórios, que poderão fazer a diferença, estão previstos para uma fase posterior.

Os consórcios, é claro, tentam melhorar a imagem oferecendo novidades. Para este Finados, estão previstos shows, chuvas de pétalas e até distribuição de brindes. De forma um pouco mais permanente, há as visitas guiadas a túmulos históricos e de celebridades.

Existe uma questão psicológica para a qual a prefeitura precisa estar atenta. A morte de um ente querido deixa as famílias particularmente vulneráveis. É um momento em que ninguém agirá como consumidor racional, que busca o melhor preço e se informa adequadamente sobre seus direitos.

Se o poder público não for rigoroso em cobrar a exposição transparente de todas as gratuidades previstas e as tarifas mais em conta para pessoas de menor renda, haverá abusos. Trata-se de uma curva de aprendizado, tanto para a prefeitura como para os consórcios e também para os munícipes.

Eleição não é vale-tudo

O Estado de S. Paulo

Ao condenar Jair Bolsonaro e Braga Netto por uso eleitoreiro do 7 de Setembro, o TSE aplicou corretamente a Constituição. Chapa que não respeita a lei eleitoral não pode ficar impune

Na terça-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proferiu uma importante lição ao País. Aplicando a Constituição de 1988 e a legislação eleitoral, a Corte condenou Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto por abuso de poder político e econômico na campanha presidencial de 2022, em razão do uso eleitoreiro das comemorações oficiais do Bicentenário da Independência no Rio de Janeiro e em Brasília. Na ocasião, Bolsonaro, na condição de presidente, e Braga Netto, na de vice, eram candidatos à reeleição.

Como resultado do julgamento, o TSE declarou a inelegibilidade dos dois candidatos por oito anos, contados a partir das eleições de 2022. Também foi reconhecida a prática de conduta vedada a agente público, com a aplicação de multa no valor de R$ 425 mil a Bolsonaro e de R$ 212 mil a Braga Netto.

Jair Bolsonaro já estava inelegível pelo mesmo período em razão da condenação proferida pelo TSE no processo relativo a uma reunião com embaixadores estrangeiros, em julho de 2022, na qual o então presidente da República atacou e difamou o sistema eleitoral brasileiro. Como as penas não se somam, a nova condenação não altera o prazo de inelegibilidade.

De toda forma, o julgamento sobre o uso eleitoreiro do 7 de Setembro transmite uma mensagem importante para todo o sistema político-partidário. As eleições não são um vale-tudo. Quem está em cargo público concorrendo à reeleição não pode se valer do posto para promover sua campanha eleitoral.

A decisão do TSE condenando Bolsonaro e Braga Netto não se baseia em criatividade interpretativa. É estrita aplicação da Constituição de 1988. Depois de definir que a soberania popular é “exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”, o legislador constituinte dispôs, no art. 14, § 9.º, que a legislação eleitoral deve estabelecer as hipóteses de inelegibilidade de modo a proteger, entre outros fins, a “legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

Não houve, portanto, nenhum ativismo judicial. O TSE simplesmente aplicou a Lei Complementar (LC) 64/1990, que regulamenta o art. 14 da Constituição. No processo, eram abundantes as provas indicando a ocorrência de desvio eleitoreiro de finalidade das festividades de 7 de Setembro, com o uso das prerrogativas do cargo e de bens, serviços e recursos públicos para promover a reeleição. Por exemplo, no ato em Brasília, Jair Bolsonaro pediu voto em seu discurso. E um dos coordenadores da campanha, Fábio Wajngarten, na época sem cargo no governo, foi quem orientou a chegada do então presidente, explicitando a ilegal utilização do ato oficial para fins eleitorais.

Com a decisão, o TSE afirma que a lei vale para todos, também para o presidente da República. Além de reiterar o princípio da igualdade de todos perante a lei, a condenação de Bolsonaro e de Braga Netto é uma orientação importante para as futuras disputas eleitorais. Não se pode fazer o que bem entender para se reeleger. O cargo público não está a serviço da campanha eleitoral de quem detém, naquele momento, a máquina pública. É um recado moralizador para todos, que vale para o bolsonarismo e para o lulopetismo – useiro e vezeiro da prática.

A decisão do TSE tem ainda um outro aspecto relevante. No processo relativo à reunião dos embaixadores, o então candidato do PL à Vice-Presidência da República tinha sido absolvido, por ausência de provas quanto ao seu envolvimento nos ataques às urnas eletrônicas. Agora, Braga Netto foi declarado inelegível e recebeu pena de multa, uma vez que participou dos atos de 7 de Setembro no Rio de Janeiro e em Brasília.

O TSE fez bem em incluir o candidato a vice-presidente na condenação. Afinal, Braga Netto é responsável por suas ações. Não deveria ter assentido a tão descarado abuso de poder político. Além disso, punindo os dois, evita-se a impunidade. Não há motivo para tolerância. Campanha abusiva deve gerar inelegibilidade de todos os integrantes da chapa.

O custo Brasil e o custo PT

O Estado de S. Paulo

Propostas do governo para reduzir disfunções estruturais que travam os negócios só avançarão se não forem sabotadas por petismo retrógrado e lobbies de grupos viciados em privilégios

O governo, através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), listou 17 projetos prioritários a serem executados nos próximos 24 meses para reduzir o custo Brasil – o conjunto de disfunções estruturais que travam os negócios, encarecendo produtos e serviços, inibindo investimentos e comprometendo a produtividade e a geração de empregos.

Um levantamento do Movimento Brasil Competitivo estimou que, em comparação à média de custos de produção dos países da OCDE – um grupo das democracias ricas –, as despesas adicionais que as empresas desembolsam todo ano para produzir no País chegam a R$ 1,7 trilhão, cerca de 20% do PIB.

Seis fatores respondem por mais de 80% desse custo. Só o ônus de mão de obra – composto pelas deficiências de capital humano, encargos trabalhistas e judicialização dos riscos trabalhistas – responde por até R$ 360 bilhões. As dificuldades de honrar tributos em um sistema complicado e oneroso respondem por até R$ 310 bilhões. Os gastos com uma infraestrutura precária pesam até R$ 290 bilhões na produção. Restrições à oferta de capital e os custos do crédito representam até R$ 260 bilhões adicionais, enquanto a ineficácia e a instabilidade jurídico-regulatória oneram os produtores em até R$ 210 bilhões, e os impostos para importação, em R$ 150 bilhões.

Alguns problemas já foram parcialmente enfrentados, por exemplo, com a reforma trabalhista ou o arcabouço fiscal (no caso do déficit orçamentário, que impacta os juros). Outros estão sendo enfrentados agora, como na reforma tributária. Mas frequentemente esses esforços são minados por alas retrógradas do próprio governo, que insistem em “rever” modernizações trabalhistas ou ameaçar sua própria meta fiscal. É o custo PT. A reforma tributária também tem sido desidratada por pressões de grupos corporativos ávidos em manter privilégios injustificáveis.

As propostas do CNDI miram aspectos mais específicos, sobretudo da produção industrial, relacionados à infraestrutura, regulação, tributação e crédito.

Algumas iniciativas consistem simplesmente em consumar a regulação de legislações já aprovadas, como a Lei do Gás e os marcos da cabotagem e das ferrovias. Outras acertam no diagnóstico, mas não desenham soluções concretas, como, por exemplo, “remover barreiras à entrada de novos investidores” ou “realizar acordos comerciais com parceiros estratégicos” – um sintoma, talvez, da falta de clareza ou disposição do governo em relação à integração ao comércio internacional.

Dez em dez empresários sofrem com os custos de transporte e logística. O plano do CNDI aponta medidas indispensáveis, como qualificar a estruturação, a governança e a prestação de contas de projetos de infraestrutura, onde o desperdício é crônico e crescente.

Mas ainda não é claro com quais meios se fará isso.

Várias iniciativas visam à desburocratização, seja harmonizando leis e regulações regionais díspares (como no setor de gás natural), seja simplificando processos de autorização (como para os terminais de uso privado nos portos) ou racionalizando encargos setoriais (como os incidentes sobre a tarifa de energia elétrica) e taxas (como as incidentes sobre as exportações via portos).

Os projetos foram definidos após uma consulta pública com empresas e entidades representativas de toda a economia. Seu maior mérito é registrar em um único documento um consenso razoavelmente consolidado sobre as prioridades para a redução do custo Brasil. Resta saber se, para tirá-las do papel, setores atualmente privilegiados estarão dispostos a renunciar a seus benefícios em prol do desenvolvimento sustentável geral, e até que ponto o governo terá disposição e foco para as articulações políticas necessárias. Isso vale especialmente para o maior dos entraves, o fiscal. Ampliar uma carga tributária que já consome um terço do PIB é inviável. A opção é controlar gastos. Mas, dado o credo desenvolvimentista do governo e o fato de que cada área de potencial reajuste é dominada por algum grupo de influência, esse caminho está longe de estar garantido.

Um amigo da cultura e do País

O Estado de S. Paulo

A lição de Danilo Santos de Miranda é a valorização da educação como pilar da democracia

Grandes transformações sociais não raro começam miúdas. Inicialmente, partem de ideias e ações modestas inspiradas apenas pela paixão típica dos visionários que dedicam boa parte de suas vidas a inflamar os outros com seu entusiasmo pelas causas justas. Danilo Santos de Miranda era um desses brasileiros notáveis. Sua morte, aos 80 anos, deixa um vazio que, se não pode ser preenchido, poderá ser amenizado por quem se revelar à altura de seguir seu legado como um dos maiores defensores da democratização do acesso à educação e à cultura da história recente do País.

Danilo Miranda esteve à frente da regional do Sesc em São Paulo de 1984 até o domingo passado, quando morreu por causa não divulgada. Por mais longa e exitosa que tenha sido sua gestão do Sesc-SP, louvá-lo como um administrador de sucesso que, ao longo de todo esse tempo, profissionalizou a gestão da cultura no País e fez da regional paulista do Sesc o modelo a ser seguido por todas as outras seria reduzir, de forma imperdoável, sua enorme importância para o Brasil.

Com sólida formação humanista, desde o tempo que passou no seminário dos jesuítas de Friburgo (RJ) ainda adolescente, Danilo fez do Sesc-SP um dínamo da cultura nacional, mas não se restringiu a isso, como se fosse pouco. O filósofo teve a sensibilidade e a inteligência de perceber, desde muito cedo, que a construção de um país democrático, justo e desenvolvido está umbilicalmente ligada ao desenvolvimento individual de seus cidadãos por meio da educação e da cultura.

Muito mais do que somente centros culturais, Danilo expandiu as unidades do Sesc-SP como verdadeiros centros cívicos, espaços de cidadania e convivência nos quais os paulistas puderam encontrar de tudo, com a mais alta qualidade, para adquirir conhecimento, fruir a arte em suas múltiplas manifestações e se capacitar cada vez mais para a vida em sociedade.

“O Brasil tem condições de melhorar as coisas para o futuro”, disse Danilo ao Estadão em entrevista concedida em maio deste ano. “Tudo isso envolve política, sim; envolve economia, sim; mas, sobretudo, envolve a cultura e o convencimento a respeito de quem nós somos”, disse o filósofo. A chave para a materialização desse projeto de país melhor no futuro? “Colaborar na nossa atividade, no nosso dia a dia”, concluiu Danilo.

Danilo Miranda sempre acreditou que a cultura e a educação eram as chaves para transformar vidas e construir um país mais justo e próspero a partir do microcosmo individual. Ao assumir a direção regional do Sesc-SP, fez dessa crença a espinha dorsal de uma administração que ofereceu relevantes oportunidades culturais e educacionais para todos os cidadãos, independentemente de sua origem social e econômica.

Seu compromisso com a democratização do acesso a bens culturais, não resta dúvida, é seu grande legado. Danilo jamais compreendeu a cultura como um artigo de luxo reservado a poucos, mas sim como um direito fundamental de todos os brasileiros e um poderoso instrumento de construção da identidade nacional, sem a qual nenhum projeto de país decente pode prosperar.

 

 

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