sexta-feira, 24 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Enfrentamento entre STF e Senado é prejudicial ao país

O Globo

Instituições deveriam aproveitar tramitação da PEC para esfriar os ânimos e buscar o entendimento

O Brasil nada tem a ganhar com o embate institucional entre Senado e Supremo Tribunal Federal (STF), desencadeado pela aprovação, na noite de quarta-feira, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) limitando o poder de ministros da Corte tomarem decisões individuais, conhecidas no jargão jurídico como monocráticas. Ainda que o texto da PEC tenha sido suavizado em relação à versão original e que o Senado tenha agido dentro de suas prerrogativas, ela despertou uma reação no STF que, embora com excessos condenáveis, não se pode classificar como de todo injustificável.

A PEC aprovada proíbe decisões monocráticas que suspendam atos dos presidentes da República, do Senado e da Câmara. Pelo texto encaminhado aos deputados, tais casos teriam de ser levados a plenário (exceto se o Judiciário estiver em recesso, quando haveria prazo de 30 dias para que o presidente da Corte os levasse a votação). A medida faz parte de um pacote de projetos bem mais intrusivos que tramitam no Senado buscando impor freios à atuação do STF. Daí talvez os ânimos exaltados.

Falando em nome da Corte, os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, respectivamente presidente e decano, criticaram a PEC em termos duros na abertura da sessão desta quinta-feira. “O Senado e seus integrantes merecem toda a consideração institucional. E, naturalmente, merecem respeito suas deliberações”, disse Barroso. Mas afirmou em seguida que o “STF não vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu funcionamento”. “Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”, disse.

Gilmar foi mais enfático na crítica, dando um tom desafiador não oportuno ao momento. “É preciso altivez para rechaçar esse tipo de ameaça de maneira muito clara. Esta Casa não é composta por covardes. Esta Casa não é composta por medrosos. Cumpre dizê-lo com serenidade, mas com firmeza”, afirmou. “Este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações.”

Citou em seguida exemplos de decisões do Supremo que beneficiaram toda a sociedade nos últimos anos. “É o caso da política armamentista do governo anterior, da abertura indiscriminada do comércio no auge da pandemia e do estímulo a tratamentos ineficazes de combate ao vírus”, disse. Barroso lembrou que o STF “enfrentou o negacionismo em relação à pandemia, salvando milhares de vidas, o negacionismo ambiental, enfrentando o desmatamento da Amazônia e a mudança climática, bem como funcionou como um dique de resistência contra o avanço autoritário”. E recordou os ataques golpistas de 8 de janeiro ao mencionar “a criminosa invasão física que vandalizou as instalações da Corte”.

Não é segredo que o protagonismo assumido pelo STF em temas fundamentais para o país — em maior parte por dever constitucional, em parte por alegada omissão do Congresso — vinha incomodando parlamentares. Isso ficou evidente durante o julgamento da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acusou o Judiciário de interferir em assuntos do Legislativo.

No passado recente, decisões individuais de ministros causaram constrangimento também a presidentes da República. Em 2016, no governo Dilma Rousseff, Gilmar impediu que Luiz Inácio Lula da Silva, então acossado pelas denúncias da Lava-Jato, assumisse o Ministério da Casa Civil. Em 2020, na gestão de Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes barrou a nomeação de Alexandre Ramagem, hoje deputado federal (PL-RJ), para o comando da Polícia Federal.

Mesmo que possa haver ou ter havido decisões monocráticas controversas, a PEC foi aprovada no Senado em meio a um embate político que contamina o ambiente para decisões desse porte. Teria sido mais proveitoso para o país se tivesse ocorrido um debate entre Senado e Supremo. Nas palavras de Gilmar, o Supremo foi alvo de “alterações casuísticas engendradas no seio do Poder Legislativo sem qualquer reflexão mais vagarosa e apurada com a participação do principal ator institucional afetado”. Deve-se condenar o tom agressivo do decano — ele encerrou seu discurso chamando os autores da PEC de “pigmeus morais”, o que não se justifica nem pelo calor do momento —, mas é inegável que, no mínimo, o Supremo deveria ter sido consultado formalmente.

Não adianta apenas uma negociação de bastidores, se é que houve. Era preciso ter havido coordenação institucional. No fim do ano passado, ainda na gestão da ministra Rosa Weber, o próprio STF adotou mudanças regimentais afetando decisões monocráticas (o relator passou a ter de submeter imediatamente ao plenário aquelas envolvendo prisão, afastamento de cargo público ou interrupção de políticas governamentais) e pedidos de vista (estabelecendo prazos para devolução dos processos), dois dos temas que preocupavam os parlamentares. Por que o Senado não adotou ação conjunta para aperfeiçoar as práticas?

Em reação à manifestação dos ministros do Supremo, Pacheco repeliu em tom firme o que chamou de “agressões”. “Nós não podemos admitir que a individualidade de um ministro do STF declare inconstitucional lei sem a colegialidade do STF”, disse. “Não admito que se queira politizar e gerar problema institucional em torno de um tema que foi debatido com a maior clareza possível, que não constitui nenhum tipo de enfrentamento, nenhum tipo de retaliação.” E lembrou as ocasiões em que o Senado defendeu a democracia e o próprio STF.

Em seu pronunciamento, Gilmar antecipou que, por representar uma intromissão de um Poder no funcionamento de outro, a PEC fere cláusula pétrea da Constituição. Haverá juristas que pensem de modo diferente, apesar de caber ao Supremo a palavra final em controvérsias do tipo. Esse enfrentamento não será um bom caminho. Melhor para o país e para as instituições que a própria tramitação da matéria dê tempo ao tempo, esfrie os ânimos e enseje o entendimento.

Meta de reduzir déficit no ano corre risco de fracassar

Valor Econômico

Seria mais produtivo estabelecer uma meta fiscal realista e uma estimativa igualmente mais sóbria de receitas possíveis para se ter um orçamento factível

O déficit primário, a diferença entre receitas e despesas excluindo juros, está se aproximando do limite de R$ 213,6 bilhões fixados para o ano, e não diminuindo no primeiro ano do governo Lula. A equipe econômica pretendia ter um resultado negativo menos exacerbado que esse de 2% do PIB, reduzindo-o para cerca de R$ 100 bilhões. A quinta revisão bimestral de receitas e despesas, divulgada na quarta-feira, mostra que o rombo, previsto em R$ 141,4 bilhões na avaliação anterior, subiu para R$ 177,4 bilhões (1,7% do PIB).

Enquanto alas do governo se digladiam em torno de manter ou não a meta de zerar o déficit em 2024 - decisão adiada pelo menos até a primeira revisão de gastos em março do ano que vem -, a queda do déficit no ano corrente, que parecia tranquila, simplesmente não ocorreu. O novo regime fiscal, que precisa de aumento de arrecadação para sustentar uma elevação obrigatória mínima real de despesas de 0,6% a cada ano, vai estrear com receitas em queda e sérias dúvidas sobre se o governo obterá todas as receitas extras que negociou com o Congresso.

Com a economia crescendo ao redor de 3%, as receitas primárias estão R$ 13,03 bilhões menores que na última revisão bimestral, e as receitas administradas pelo Fisco, R$ 22,18 bilhões menores. Já as despesas primárias estão R$ 21,88 bilhões acima das previstas. Obter um resultado fiscal melhor que o do exercício corrente em 2024 com a economia crescendo à metade da velocidade atual (1,5%, segundo a última previsão do boletim Focus) é uma missão difícil, que exigirá do governo sério comprometimento com a meta fiscal definida. Isso implicará, caso as receitas se frustrem, um inevitável corte de despesas.

Mas o novo regime fiscal permite ao governo preservar aumento de gastos de pelo menos 0,6%, e descumprir a meta estabelecida, com algumas consequências. A bem-vinda lei complementar 200, que o instituiu, fixa os limites mínimo e máximo para as despesas, enquanto que o objetivo fiscal a ser perseguido é fixado pela lei orçamentária e pode, quase sem grandes dificuldades, ser alterado a qualquer momento. A dicotomia de objetivos tornou-se clara quando setores do governo começaram a discutir as implicações do déficit zero no orçamento de 2024. Para obtê-lo, seria necessário um contingenciamento de gastos de até 25% das despesas discricionárias, de R$ 215 bilhões, isto é, um represamento orçamentário de R$ 52 bilhões. É preciso disciplina para conciliar os objetivos.

Houve uma revolta do comando do PT, esposada no início pelo presidente Lula, para que o governo não se autoimpusesse uma grande contenção de despesas. O discurso de Lula afirmando que a meta de déficit zero era quase impossível de ser atingida teve um preço político, pois significaria uma mudança das regras do jogo quando ele mal estava começando. Houve desgaste político, e Lula aceitou os argumentos do ministro Fernando Haddad, de que só deveria desistir dos objetivos traçados depois que terminassem as negociações por mais receitas e se o governo fracassasse.

Talvez como medida apaziguadora, a equipe econômica apresentou o caminho intermediário de fazer um contingenciamento de gastos bem mais suave, de R$ 23 bilhões, para preservar, como diz a lei que criou o novo regime, aumento real de despesas de 0,6%. O senador Randolfe Rodrigues, líder do governo no Senado, propôs uma emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias para que fique explícito esse entendimento. Mas ele deixa implícita uma opção prioritária pelo gasto, se preciso for em detrimento da execução da meta estabelecida.

Essa dubiedade pode ser uma alternativa que agrade a todos, dentro e fora do governo, e até resolver o problema do orçamento de 2024, mas cria armadilhas para os anos subsequentes. Foi o Congresso que estabeleceu que o governo não sofreria sanções por descumprir a meta fiscal, desde que fizesse um esforço para que ela se realizasse - esse esforço seria o contingenciamento. Não está escrito em nenhuma regra que o represamento pode ser aquém do necessário e é esse que parece o caminho pelo qual o governo pretende seguir. Uma contenção de R$ 23 bilhões, por exemplo, é inferior aos R$ 30 bilhões do orçamento de 2023 que estão “empoçados”, segundo dados do Tesouro, ou seja, não foram gastos até agora. A média dos últimos anos desses recursos orçados e não utilizados é de cerca de R$ 22 bilhões, ou seja, não seria preciso fazer um grande esforço fiscal para atingi-lo.

O problema não resolvido é que o descumprimento da meta acarreta redução da variação de despesas de 70% para 50% da variação das receitas em 2025, proibição de concursos e outras limitações. A contenção de gastos, com isso, é muito significativa. Apesar das idas e vindas do governo, os analistas continuam prevendo déficit de 0,8% do PIB em 2024 e 0,6% em 2025. Assim, seria mais produtivo estabelecer uma meta fiscal realista e uma estimativa igualmente mais sóbria de receitas possíveis para se ter um orçamento factível, que contemplasse algum freio nos gastos e algum aumento de investimentos. A LDO, que definirá tudo, está nas mãos do Congresso, a quem cabe também contribuir para um ajuste fiscal sério.

Por vias tortas

Folha de S. Paulo

Movida por revanche, PEC que limita decisão individual no STF acerta no mérito

Um jogo de exageros retóricos perpassa os debates públicos e as escaramuças privadas em torno da proposta de emenda à Constituição nº 8 de 2021, recém-aprovada no Senado e encaminhada para a análise da Câmara dos Deputados.

Não se trata, como querem fazer crer os ministros do Supremo Tribunal Federal, de ameaça existencial à corte ou ao Estado democrático de Direito. É verdade, contudo, que não estamos diante de uma medida concebida para aperfeiçoar as instituições ou aprimorar o equilíbrio entre os Poderes, como diz Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado.

A PEC, em sua versão final, tem como principal dispositivo a limitação das decisões individuais (monocráticas) de ministros e desembargadores em ações de controle de constitucionalidade —aquelas nas quais um tribunal pode suspender a eficácia de uma determinada lei por considerá-la uma afronta à Constituição Federal ou estadual.

Em texto anterior, havia ainda a previsão de disciplinar pedidos de vista, deixando-os menos à mercê dos ministros —mas esse trecho não resistiu às discussões no plenário do Senado e terminou excluído, em parte porque o próprio STF, faz poucos meses, baixou norma interna com o mesmo objetivo.

Nada há de errado nessas medidas, ainda que se possam discutir os detalhes. Ambas tocam em desvios das cortes brasileiras; integrantes do STF, em particular, recorrem tão amiúde a esses instrumentos que fazem da exceção uma regra perniciosa a serviço de seus próprios interesses. Daí por que não cabe na PEC o figurino que os ministros reservaram para ela.

Ao mesmo tempo, cumpre ressaltar, se a proposta acerta nos vícios, não o faz por virtude de seus proponentes. A despeito do discurso dos senadores, estes se mexeram sobretudo por revanchismo.

Com Pacheco e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) à frente, parte dos congressistas joga para satisfazer setores conservadores da política e da opinião pública, em particular aliados e seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que tomaram o Supremo e o Judiciário como antagonistas.

Deve-se atentar para o risco de que prosperem propostas absurdas de retaliação política, como a que dá aos parlamentares a capacidade de anular decisões judiciais —ao arrepio do sistema de freios e contrapesos entre os Poderes.

Mas ao STF, que tem razão de se orgulhar de sua atuação no governo Bolsonaro, falta humildade para perceber que, sem autocontenção, continuará fornecendo a melhor munição a seus inimigos.

Ameaça bacteriana

Folha de S. Paulo

Alta na resistência microbiana exige ações individuais, clínicas e do Estado

No seu discurso ao receber o prêmio Nobel em 1945 pela descoberta da penicilina cerca de 20 anos antes, Alexander Fleming imaginou um futuro no qual o remédio seria vendido livremente nas farmácias.
E fez um alerta —o uso indiscriminado poderia tornar as bactérias resistentes. Passados quase 80 anos, estudos confirmam a previsão do biólogo britânico.

Segundo pesquisa da Universidade de Sidney (Austrália), publicada na revista The Lancet Regional, mais da metade dos antibióticos usados em doenças comuns na infância, como otite e pneumonia, não são mais eficazes.

O problema, apelidado de "superbactérias", não afeta apenas crianças. Relatório da OMS divulgado no final do ano passado revelou que a resistência antimicrobiana (RAM) aumentou 15% nos microrganismos monitorados.

Mais de 20% das cepas de Escherichia coli, que causa infecção urinária, não respondem aos tratamentos disponíveis. Constatou-se, ainda, RAM acima de 50% em bactérias relacionadas à sepse (infecção generalizada), que pode ser fatal.

Mutações que tornam bactérias, fungos, vírus ou parasitas mais resistentes são naturais, mas estamos agilizando esse processo com o uso indiscriminado de remédios.

Ademais, com a pandemia, houve aumento do uso de antibióticos devido à alta de infecções hospitalares. No Brasil, a Fiocruz detectou que, em 2019, cerca de 1.000 bactérias isoladas eram resistentes; já em 2021, eram mais de 3.700.

A primeira recomendação da OMS é prevenir contaminações. Lavar as mãos e higienizar os alimentos são medidas simples. No Brasil, contudo, onde cerca de metade da população não tem acesso à rede de esgoto, a implementação de infraestrutura sanitária há tempos é urgente.

Também é fundamental que médicos prescrevam antibióticos a partir de diagnóstico exato, com dosagem e duração do tratamento corretas —ainda é comum a indicação de remédios contra bactérias para doenças virais, como gripe. E pacientes, claro, precisam seguir à risca as prescrições.

O poder público deve manter monitoramento dos patógenos, reforçar programas de prevenção e controle de infecções e amplificar informações sobre a RAM.

A indústria farmacêutica precisa diversificar os produtos, mas antibióticos não são lucrativos e, por serem oriundos de substâncias encontradas na natureza, as pesquisas são mais custosas e demoradas.

A ciência tem arsenal para combater o futuro previsto por Fleming. Basta colocar em prática.

Uma PEC muito positiva para o STF

O Estado de S. Paulo

Não é revanche nem afronta às competências do Judiciário. Aprovada pelo Senado, a PEC que limita decisões individuais contra atos do Legislativo fortalece o STF e sua colegialidade

Há muita fumaça sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita decisões individuais dos tribunais contra atos legislativos e foi aprovada na quarta-feira pelo Senado. Seu conteúdo não é uma afronta ao Supremo Tribunal Federal (STF), nem viola – sequer pela mais remota hipótese – nenhuma cláusula pétrea da Constituição. Trata-se de uma medida correta, que não apenas aperfeiçoa o equilíbrio entre os Três Poderes, mas fortalece a colegialidade da Corte Constitucional.

Em primeiro lugar, a PEC 8/2021 não tem nenhuma relação com a PEC 50/2023, em tramitação na Câmara, que pretende conferir ao Congresso o poder de anular decisões do Supremo. Por ferir a separação dos Poderes e violar, assim, uma das cláusulas pétreas da Constituição, a PEC 50/2023 é um completo disparate e merece cabal rejeição.

A rigor, a PEC 8/2021 não traz nenhuma novidade. A Lei 9.868/99, que regula o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade no STF, já limita a concessão de liminares por um só ministro. “Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do tribunal”, diz o art. 10.

Esse dispositivo legal explicita uma realidade que, nos últimos anos, foi esquecida. Um ato legislativo, aprovado pela Câmara e pelo Senado e sancionado pelo presidente da República, dispõe de presunção de legalidade. E mais: em respeito ao processo democrático ao qual foi submetido, ele deve dispor de um mínimo de estabilidade. Não pode ser removido ou suspenso pela canetada de um ministro. E isso nunca foi um assunto polêmico e, menos ainda, sinal de confronto entre os Poderes. Era algo inteiramente pacífico.

Se há algo controvertido no tema, trata-se do comportamento do Supremo, que passou a entender que seus ministros poderiam individualmente, à revelia da Lei 9.868/99, sustar atos do Poder Legislativo. Ao longo dos últimos anos, houve muitas decisões monocráticas suspendendo indefinidamente decisões do Congresso em assuntos como juiz de garantias, nomeação de diretores em estatais e distribuição de royalties do petróleo.

Tem razão, portanto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, quando diz que a PEC 8/2021 é “a busca de um equilíbrio entre os Poderes”, reconhecendo que uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República pode ser declarada inconstitucional, mas que isso deve ser feito colegialmente, e não por apenas um ministro.

Ao contrário do que alguns têm afirmado, a PEC 8/2021 não diminui em nada o poder do Supremo, que continua podendo exercer, com plenitude e independência, o controle de constitucionalidade das leis. A proposta aprovada pelo Senado não abre nenhuma brecha para que atos legislativos contrários à Constituição prosperem.

A PEC 8/2021 simplesmente limita o poder individual dos ministros, o que significa fortalecer a colegialidade do tribunal. A alteração constitucional em estudo não é, portanto, apenas uma proteção do Legislativo e do Executivo perante o Judiciário. É também uma defesa da própria Justiça, cujos tribunais são órgãos coletivos por excelência. A autoridade de uma corte constitucional decorre diretamente de sua colegialidade. Assim, a PEC 8/2021 fortalece e prestigia o STF.

Adverte-se que a PEC 8/2021 não proíbe irrestritamente a atuação monocrática dos ministros do STF, mas apenas aquela sobre os atos do Legislativo. O poder geral de cautela concedido a um magistrado, autorizando-o a proferir decisões liminares, protege o direito constitucional a um processo efetivo. Em muitas situações, a espera pela decisão definitiva do órgão colegiado poderia ocasionar danos e prejuízos irreversíveis. O que não deve ocorrer é a permanência das liminares monocráticas ao longo do tempo, sem a devida revisão pelo colegiado, como já prevê o atual Regimento Interno do STF.

A PEC 8/2021 é uma oportunidade de aperfeiçoamento institucional. Não convém desperdiçá-la.

Inteligência artificial nas eleições

O Estado de S. Paulo

Usada nas eleições argentinas, a inteligência artificial já é realidade na política, o que levanta questões cruciais sobre a lisura das campanhas e sobre a qualidade da democracia

Reportagem no Estadão do dia 16 de novembro relata a invasão da inteligência artificial nas eleições presidenciais argentinas. Tanto a campanha de Javier Milei quanto a de Sergio Massa usaram a tecnologia para adulterar imagens e vídeos, além de colocar palavras nas bocas dos candidatos e inseri-los em filmes famosos e em memes.

A campanha de Massa, por exemplo, usou inteligência artificial para retratar o peronista como um homem destemido e carismático, incluindo-o em vídeos como soldado, como caça-fantasmas e como Indiana Jones. A campanha de Milei, atenta à personalidade algo colérica do candidato, optou por retratá-lo como um leão gracioso de desenho animado.

Mas a inteligência artificial não serviu apenas para a produção de conteúdo autoelogioso. A campanha de Milei compartilhou imagens aparentemente geradas por inteligência artificial retratando Massa como um líder comunista chinês. Já a campanha de Massa usou a inteligência artificial para criar uma série de imagens caricaturais de Milei e seus aliados como zumbis.

A reportagem destaca que o conteúdo gerado por inteligência artificial compartilhado pelas campanhas normalmente recebia rótulos alertando para essa circunstância. Mesmo assim, alguns eleitores passaram a duvidar da realidade.

Foi o que ocorreu com um vídeo que mostrava Massa aparentemente exausto após um evento de campanha. O vídeo gerou teorias e acusações improcedentes de lado a lado, mas as imagens, em si, eram verdadeiras. Falso, porém, era o vídeo que mostrava Massa fazendo uso de cocaína, compartilhado por integrantes do partido de Milei nas redes sociais.

Em artigo de junho deste ano, Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade Harvard e especialista na matéria, projeta o momento em que a inteligência artificial gerará instrumentos para maximizar as chances de convencer o eleitor a votar no candidato que os detenha.

Esses instrumentos seriam capazes de aprimorar técnicas de identificação de público-alvo (microtargeting) e manipular comportamentos em escala e eficácia inéditas, de modo que os vídeos, textos e e-mails que passaríamos a receber se destinariam sempre mais a cada um de nós individualmente, pois a máquina “aprenderia” com o tempo as estratégias mais eficazes para o nosso convencimento – técnica denominada reinforcement learning.

A inteligência cogitada por Lessig poderia atuar das mais diferentes formas, como o envio de mensagens com conteúdos não políticos ao gosto do eleitor (esportes, entretenimento) para neutralizar mensagens de oponentes políticos, o envio de mensagens desagradáveis concomitantemente à visualização de mensagens desse oponente ou mesmo o ingresso em grupos de familiares e amigos do eleitor nas redes sociais para dar a impressão de que seu “candidato-cliente” tem a simpatia de membros desses grupos.

Um cenário como esse faz perguntar quem seria o real eleitor e o real vencedor da eleição. Mais ainda: se o único objetivo dessa potencial inteligência é angariar votos, especialmente pelo recurso a interesses, emoções e pulsões de cada eleitor, qual seria a preocupação dela com a verdade dos fatos levados ao conhecimento do público? Qual seria o papel das ideias e programas dos candidatos nas eleições? As campanhas seriam ainda instrumento para uma livre escolha?

A aplicação da inteligência artificial nas eleições ainda é incipiente e imprevisível, mas tanto o ocorrido nas eleições presidenciais argentinas quanto os constantes alertas de especialistas – alertas que já repercutem nas legislações europeia e norte-americana – evidenciam a necessidade de regular o uso da inteligência artificial no Brasil. É hora, portanto, de se debruçar sobre projetos como o PL 5051/19, atualmente no Senado, que estabelece os princípios para o uso da inteligência artificial no País. É isso ou aguardar que as próprias empresas interessadas se autorregulem – o que, a julgar pela enxurrada de desinformação nas redes sociais durante as recentes eleições, é duvidoso.

Uma vergonhosa imagem do Brasil

O Estado de S. Paulo

Morte em show de Taylor Swift e pancadaria no Maracanã pintam o retrato do descaso

No curtíssimo intervalo de quatro dias, dois eventos que poderiam ter sido um modelo de celebração, festa e marketing positivo para o Rio de Janeiro e o Brasil foram, ao contrário, motivo de vergonha, perplexidade e revolta para todo o País. A trágica morte de uma jovem de 23 anos durante o show da cantora norte-americana Taylor Swift e o triste espetáculo de violência entre as torcidas brasileira e argentina antes da partida das Eliminatórias da Copa de 2026, no Maracanã, são, cada um à sua maneira, sintomas de inaceitável amadorismo por parte dos organizadores e de lamentável descaso por parte do poder público.

Mesmo sendo, tanto o show quanto o jogo, eventos de caráter privado – razão pela qual cabe aos organizadores a maior e mais pesada parcela de responsabilidade e de punição no prazo mais breve possível –, não há como eximir de culpa as autoridades públicas, responsáveis por garantir segurança e bem-estar de todos os cidadãos. Tal dever ganha dimensão ainda maior quando se considera o tamanho dos eventos em questão e sua repercussão no exterior.

Não se sabe com certeza qual foi a causa da morte da jovem fã da cantora Taylor Swift. Mas, ainda assim, ela não foi a única a passar mal diante do desconforto e da escassez de água, num dia com sensação térmica de 60 graus, num show para 40 mil pessoas espremidas no Engenhão. O estádio, na zona norte do Rio, havia se transformado num forno.

Em pouco tempo, logo depois que a morte foi noticiada, o País tomou conhecimento das mensagens desesperadas enviadas por espectadores, que imploravam por água, como se estivessem num deserto submetidos a uma prova de resistência, e não assistindo a um show cujo ingresso mais barato custava R$ 240. Houve mais de mil desmaios e milhares de ocorrências de emergência que os poucos e despreparados postos médicos não deram conta de atender. A tragédia poderia ter sido muito maior.

Esse desrespeito é o que ficou da imagem do Brasil na passagem de Taylor Swift pelo Rio. Poucos dias depois, essa imagem ficaria ainda pior, quando a organização do jogo entre Brasil e Argentina no Maracanã foi incapaz de conter os ânimos de torcedores argentinos mais exaltados, o que gerou pancadaria generalizada, transmitida ao vivo para todo o mundo.

Qualquer um sabe, ou deveria saber, que a rivalidade entre Brasil e Argentina tem potencial de conflito até em jogo de bola de gude. Por isso, o mínimo que se esperava dos organizadores era um investimento maior em segurança e uma separação prudente das torcidas, mesmo que isso pudesse representar um retorno financeiro menor. Ver mulheres e crianças sendo encurraladas enquanto tentavam fugir da pancadaria foi a imagem mais revoltante do descaso.

E esse aspecto é central: a ganância dos organizadores, tanto no show quanto no jogo, claramente se sobrepôs à necessidade de garantir conforto e segurança para os espectadores. A essa negligência privada se somou a irresponsabilidade do Estado, que não fiscalizou o que deveria fiscalizar.

Os influenciadores e a Black Friday

Correio Braziliense

Apenas no Instagram, estima-se que o país conte com 10,5 milhões de influencers, além dos outros milhões que se concentram em plataformas como YouTube e TikTok

Brasil e influenciadores digitais são feitos um para o outro. Não restam dúvidas. Apenas no Instagram, estima-se que o país conte com 10,5 milhões de influencers, além dos outros milhões que se concentram em plataformas como YouTube e TikTok.

Estudo realizado pela Youpix este ano, em parceria com a MindMiners, ambas empresas que trabalham com estratégias de marketing e pesquisas em conteúdo digital, mostra que dobrou a quantidade de marcas que investem mais de R$ 1,5 milhão em marketing de influência, em comparação ao ano anterior. Ou seja, esse já é um mercado de grandes proporções e tem potencial para crescer ainda mais.

A pesquisa Quem te influencia?, citada acima, mostra que seis em cada 10 seguidores de redes sociais já compraram produtos ou serviços recomendados por influenciadores e preferem esse formato para a descoberta de outros produtos. Dados revelam que o número de followers (seguidores) não é o fator principal para esses consumidores: 73% deles afirmam que um influenciador é alguém que promove ideias e pode influenciar opiniões e comportamentos de seus seguidores independentemente da quantidade.

Tamanha é a força desses criadores de conteúdo junto a sua audiência que grande parte do que gira em torno da Black Friday — cujo ponto alto é exatamente hoje — conta com a participação desse novo profissional em milhares de propagandas, publicidades e até mesmo programas de televisão que uniram vendas e diversão.

Quanto às redes sociais, ainda que disperso, o Instagram é a que lidera a preferência da audiência para seguir influencers, conforme o estudo, e aparece também em primeiro lugar na preferência das marcas para trabalhos com influenciadores, o que reforça o poder da plataforma na influência que os criadores exercem.

O estudo detectou ainda que o influenciador desperta o interesse, mas a conversão em si depende de diversos fatores. Quando ocorre, a preferência, muitas vezes, recai sobre o meio digital, especialmente em canais onde é possível comparar produtos e preços: 67% dos entrevistados afirmam pesquisar melhor sobre o produto ou serviço da marca recomendada pelo influenciador antes de comprar, enquanto somente 16% dizem comprar no mesmo instante em que vê o "publipost" do influenciador.

De toda forma, em tempos de ofertas e promoções em alta — assim como todo o charme exposto pelos influenciadores —, o momento é de cautela, já que o fim do ano está chegando e, com ele, despesas pesadas que se prolongam por dezembro até desembocar em janeiro. A questão é que, bombardeado pelas redes sociais e outros meios de veiculação, o consumidor parece mesmo disposto a gastar. Pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) constatou que nove em cada 10 consumidores brasileiros pretendem fazer compras durante esta edição da Black Friday.

 

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