Enfrentamento entre STF e Senado é prejudicial ao país
O Globo
Instituições deveriam aproveitar tramitação
da PEC para esfriar os ânimos e buscar o entendimento
O Brasil nada tem a ganhar com o embate
institucional entre Senado e Supremo Tribunal Federal (STF),
desencadeado pela aprovação, na noite de quarta-feira, da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) limitando o poder de ministros da Corte tomarem decisões
individuais, conhecidas no jargão jurídico como monocráticas. Ainda que o texto
da PEC tenha sido suavizado em relação à versão original e que o Senado tenha
agido dentro de suas prerrogativas, ela despertou uma reação no STF que, embora
com excessos condenáveis, não se pode classificar como de todo injustificável.
A PEC aprovada proíbe decisões monocráticas que suspendam atos dos presidentes da República, do Senado e da Câmara. Pelo texto encaminhado aos deputados, tais casos teriam de ser levados a plenário (exceto se o Judiciário estiver em recesso, quando haveria prazo de 30 dias para que o presidente da Corte os levasse a votação). A medida faz parte de um pacote de projetos bem mais intrusivos que tramitam no Senado buscando impor freios à atuação do STF. Daí talvez os ânimos exaltados.
Falando em nome da Corte, os ministros Luís Roberto
Barroso e Gilmar Mendes,
respectivamente presidente e decano, criticaram a PEC em termos duros na
abertura da sessão desta quinta-feira. “O Senado e seus integrantes merecem
toda a consideração institucional. E, naturalmente, merecem respeito suas
deliberações”, disse Barroso. Mas afirmou em seguida que o “STF não vê razão
para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu
funcionamento”. “Não se sacrificam instituições no altar das conveniências
políticas”, disse.
Gilmar foi mais enfático na crítica, dando um
tom desafiador não oportuno ao momento. “É preciso altivez para rechaçar esse
tipo de ameaça de maneira muito clara. Esta Casa não é composta por covardes.
Esta Casa não é composta por medrosos. Cumpre dizê-lo com serenidade, mas com
firmeza”, afirmou. “Este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações.”
Citou em seguida exemplos de decisões do
Supremo que beneficiaram toda a sociedade nos últimos anos. “É o caso da
política armamentista do governo anterior, da abertura indiscriminada do
comércio no auge da pandemia e do estímulo a tratamentos ineficazes de combate
ao vírus”, disse. Barroso lembrou que o STF “enfrentou o negacionismo em
relação à pandemia, salvando milhares de vidas, o negacionismo ambiental,
enfrentando o desmatamento da Amazônia e a mudança climática, bem como
funcionou como um dique de resistência contra o avanço autoritário”. E recordou
os ataques golpistas de 8 de janeiro ao mencionar “a criminosa invasão física
que vandalizou as instalações da Corte”.
Não é segredo que o protagonismo assumido
pelo STF em temas fundamentais para o país — em maior parte por dever
constitucional, em parte por alegada omissão do Congresso — vinha incomodando
parlamentares. Isso ficou evidente durante o julgamento da descriminalização do
porte de maconha para uso pessoal, quando o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), acusou o Judiciário de interferir em assuntos
do Legislativo.
No passado recente, decisões individuais de
ministros causaram constrangimento também a presidentes da República. Em 2016,
no governo Dilma Rousseff, Gilmar impediu que Luiz Inácio Lula da Silva, então
acossado pelas denúncias da Lava-Jato, assumisse o Ministério da Casa Civil. Em
2020, na gestão de Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes barrou a
nomeação de Alexandre Ramagem, hoje deputado federal (PL-RJ), para o comando da
Polícia Federal.
Mesmo que possa haver ou ter havido decisões
monocráticas controversas, a PEC foi aprovada no Senado em meio a um embate
político que contamina o ambiente para decisões desse porte. Teria sido mais
proveitoso para o país se tivesse ocorrido um debate entre Senado e Supremo.
Nas palavras de Gilmar, o Supremo foi alvo de “alterações casuísticas
engendradas no seio do Poder Legislativo sem qualquer reflexão mais vagarosa e
apurada com a participação do principal ator institucional afetado”. Deve-se
condenar o tom agressivo do decano — ele encerrou seu discurso chamando os
autores da PEC de “pigmeus morais”, o que não se justifica nem pelo calor do
momento —, mas é inegável que, no mínimo, o Supremo deveria ter sido consultado
formalmente.
Não adianta apenas uma negociação de
bastidores, se é que houve. Era preciso ter havido coordenação institucional.
No fim do ano passado, ainda na gestão da ministra Rosa Weber, o próprio STF
adotou mudanças regimentais afetando decisões monocráticas (o relator passou a
ter de submeter imediatamente ao plenário aquelas envolvendo prisão,
afastamento de cargo público ou interrupção de políticas governamentais) e
pedidos de vista (estabelecendo prazos para devolução dos processos), dois dos
temas que preocupavam os parlamentares. Por que o Senado não adotou ação
conjunta para aperfeiçoar as práticas?
Em reação à manifestação dos ministros do
Supremo, Pacheco repeliu em tom firme o que chamou de “agressões”. “Nós não
podemos admitir que a individualidade de um ministro do STF declare
inconstitucional lei sem a colegialidade do STF”, disse. “Não admito que se
queira politizar e gerar problema institucional em torno de um tema que foi
debatido com a maior clareza possível, que não constitui nenhum tipo de
enfrentamento, nenhum tipo de retaliação.” E lembrou as ocasiões em que o
Senado defendeu a democracia e o próprio STF.
Em seu pronunciamento, Gilmar antecipou que,
por representar uma intromissão de um Poder no funcionamento de outro, a PEC
fere cláusula pétrea da Constituição. Haverá juristas que pensem de modo
diferente, apesar de caber ao Supremo a palavra final em controvérsias do tipo.
Esse enfrentamento não será um bom caminho. Melhor para o país e para as
instituições que a própria tramitação da matéria dê tempo ao tempo, esfrie os
ânimos e enseje o entendimento.
Meta de reduzir déficit no ano corre risco de
fracassar
Valor Econômico
Seria mais produtivo estabelecer uma meta
fiscal realista e uma estimativa igualmente mais sóbria de receitas possíveis
para se ter um orçamento factível
O déficit primário, a diferença entre
receitas e despesas excluindo juros, está se aproximando do limite de R$ 213,6
bilhões fixados para o ano, e não diminuindo no primeiro ano do governo Lula. A
equipe econômica pretendia ter um resultado negativo menos exacerbado que esse
de 2% do PIB, reduzindo-o para cerca de R$ 100 bilhões. A quinta revisão
bimestral de receitas e despesas, divulgada na quarta-feira, mostra que o
rombo, previsto em R$ 141,4 bilhões na avaliação anterior, subiu para R$ 177,4
bilhões (1,7% do PIB).
Enquanto alas do governo se digladiam em
torno de manter ou não a meta de zerar o déficit em 2024 - decisão adiada pelo
menos até a primeira revisão de gastos em março do ano que vem -, a queda do
déficit no ano corrente, que parecia tranquila, simplesmente não ocorreu. O
novo regime fiscal, que precisa de aumento de arrecadação para sustentar uma
elevação obrigatória mínima real de despesas de 0,6% a cada ano, vai estrear
com receitas em queda e sérias dúvidas sobre se o governo obterá todas as
receitas extras que negociou com o Congresso.
Com a economia crescendo ao redor de 3%, as
receitas primárias estão R$ 13,03 bilhões menores que na última revisão
bimestral, e as receitas administradas pelo Fisco, R$ 22,18 bilhões menores. Já
as despesas primárias estão R$ 21,88 bilhões acima das previstas. Obter um
resultado fiscal melhor que o do exercício corrente em 2024 com a economia
crescendo à metade da velocidade atual (1,5%, segundo a última previsão do
boletim Focus) é uma missão difícil, que exigirá do governo sério
comprometimento com a meta fiscal definida. Isso implicará, caso as receitas se
frustrem, um inevitável corte de despesas.
Mas o novo regime fiscal permite ao governo
preservar aumento de gastos de pelo menos 0,6%, e descumprir a meta
estabelecida, com algumas consequências. A bem-vinda lei complementar 200, que
o instituiu, fixa os limites mínimo e máximo para as despesas, enquanto que o
objetivo fiscal a ser perseguido é fixado pela lei orçamentária e pode, quase
sem grandes dificuldades, ser alterado a qualquer momento. A dicotomia de
objetivos tornou-se clara quando setores do governo começaram a discutir as
implicações do déficit zero no orçamento de 2024. Para obtê-lo, seria
necessário um contingenciamento de gastos de até 25% das despesas
discricionárias, de R$ 215 bilhões, isto é, um represamento orçamentário de R$
52 bilhões. É preciso disciplina para conciliar os objetivos.
Houve uma revolta do comando do PT, esposada
no início pelo presidente Lula, para que o governo não se autoimpusesse uma
grande contenção de despesas. O discurso de Lula afirmando que a meta de
déficit zero era quase impossível de ser atingida teve um preço político, pois
significaria uma mudança das regras do jogo quando ele mal estava começando.
Houve desgaste político, e Lula aceitou os argumentos do ministro Fernando
Haddad, de que só deveria desistir dos objetivos traçados depois que
terminassem as negociações por mais receitas e se o governo fracassasse.
Talvez como medida apaziguadora, a equipe
econômica apresentou o caminho intermediário de fazer um contingenciamento de
gastos bem mais suave, de R$ 23 bilhões, para preservar, como diz a lei que
criou o novo regime, aumento real de despesas de 0,6%. O senador Randolfe
Rodrigues, líder do governo no Senado, propôs uma emenda à Lei de Diretrizes
Orçamentárias para que fique explícito esse entendimento. Mas ele deixa
implícita uma opção prioritária pelo gasto, se preciso for em detrimento da
execução da meta estabelecida.
Essa dubiedade pode ser uma alternativa que
agrade a todos, dentro e fora do governo, e até resolver o problema do
orçamento de 2024, mas cria armadilhas para os anos subsequentes. Foi o
Congresso que estabeleceu que o governo não sofreria sanções por descumprir a
meta fiscal, desde que fizesse um esforço para que ela se realizasse - esse
esforço seria o contingenciamento. Não está escrito em nenhuma regra que o
represamento pode ser aquém do necessário e é esse que parece o caminho pelo
qual o governo pretende seguir. Uma contenção de R$ 23 bilhões, por exemplo, é
inferior aos R$ 30 bilhões do orçamento de 2023 que estão “empoçados”, segundo
dados do Tesouro, ou seja, não foram gastos até agora. A média dos últimos anos
desses recursos orçados e não utilizados é de cerca de R$ 22 bilhões, ou seja,
não seria preciso fazer um grande esforço fiscal para atingi-lo.
O problema não resolvido é que o descumprimento da meta acarreta redução da variação de despesas de 70% para 50% da variação das receitas em 2025, proibição de concursos e outras limitações. A contenção de gastos, com isso, é muito significativa. Apesar das idas e vindas do governo, os analistas continuam prevendo déficit de 0,8% do PIB em 2024 e 0,6% em 2025. Assim, seria mais produtivo estabelecer uma meta fiscal realista e uma estimativa igualmente mais sóbria de receitas possíveis para se ter um orçamento factível, que contemplasse algum freio nos gastos e algum aumento de investimentos. A LDO, que definirá tudo, está nas mãos do Congresso, a quem cabe também contribuir para um ajuste fiscal sério.
Por vias tortas
Folha de S. Paulo
Movida por revanche, PEC que limita decisão
individual no STF acerta no mérito
Um jogo de exageros retóricos perpassa os
debates públicos e as escaramuças privadas em torno da proposta de
emenda à Constituição nº 8 de 2021, recém-aprovada no Senado e
encaminhada para a análise da Câmara dos Deputados.
Não se trata, como querem
fazer crer os ministros do Supremo Tribunal Federal, de ameaça
existencial à corte ou ao Estado democrático de Direito. É verdade, contudo,
que não estamos diante de uma medida concebida para aperfeiçoar as instituições
ou aprimorar o equilíbrio entre os Poderes, como diz Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
presidente do Senado.
A PEC, em sua versão final, tem como
principal dispositivo a limitação das decisões individuais (monocráticas) de
ministros e desembargadores em ações de controle de constitucionalidade
—aquelas nas quais um tribunal pode suspender a eficácia de uma determinada lei
por considerá-la uma afronta à Constituição Federal ou estadual.
Em texto anterior, havia ainda a previsão de
disciplinar pedidos de vista, deixando-os menos à mercê dos ministros —mas esse
trecho não resistiu às discussões no plenário do Senado e terminou excluído, em
parte porque o próprio STF, faz poucos meses, baixou norma interna com o mesmo
objetivo.
Nada há de errado nessas medidas, ainda que
se possam discutir os detalhes. Ambas tocam em desvios das cortes brasileiras;
integrantes do STF, em particular, recorrem
tão amiúde a esses instrumentos que fazem da exceção uma regra perniciosa a
serviço de seus próprios interesses. Daí por que não cabe na PEC o figurino que
os ministros reservaram para ela.
Ao mesmo tempo, cumpre ressaltar, se a
proposta acerta nos vícios, não o faz por virtude de seus proponentes. A
despeito do discurso dos senadores, estes se mexeram sobretudo por revanchismo.
Com Pacheco e Davi Alcolumbre (União
Brasil-AP) à frente, parte dos congressistas joga para satisfazer setores
conservadores da política e da opinião pública, em particular aliados e
seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que tomaram o Supremo e o
Judiciário como antagonistas.
Deve-se atentar para o risco de que prosperem
propostas absurdas de retaliação política, como a que dá aos parlamentares a
capacidade de anular decisões judiciais —ao arrepio do sistema de freios e
contrapesos entre os Poderes.
Mas ao STF, que tem razão de se orgulhar de
sua atuação no governo Bolsonaro, falta humildade para perceber que, sem
autocontenção, continuará fornecendo a melhor munição a seus inimigos.
Ameaça bacteriana
Folha de S. Paulo
Alta na resistência microbiana exige ações
individuais, clínicas e do Estado
No seu discurso ao receber o prêmio Nobel em
1945 pela descoberta da penicilina cerca de 20 anos antes, Alexander Fleming
imaginou um futuro no qual o remédio seria vendido livremente nas farmácias.
E fez um alerta —o uso indiscriminado poderia tornar as bactérias resistentes.
Passados quase 80 anos, estudos confirmam a previsão do biólogo britânico.
Segundo pesquisa da
Universidade de Sidney (Austrália), publicada na revista The Lancet Regional,
mais da metade dos antibióticos usados em doenças comuns na infância, como
otite e pneumonia, não são mais eficazes.
O problema, apelidado de
"superbactérias", não afeta apenas crianças. Relatório da OMS
divulgado no final do ano passado revelou que a resistência
antimicrobiana (RAM) aumentou 15% nos microrganismos
monitorados.
Mais de 20% das cepas de Escherichia coli,
que causa infecção urinária, não respondem aos tratamentos disponíveis.
Constatou-se, ainda, RAM acima de 50% em bactérias relacionadas à sepse
(infecção generalizada), que pode ser fatal.
Mutações que tornam bactérias, fungos, vírus
ou parasitas mais resistentes são naturais, mas estamos agilizando esse
processo com o uso indiscriminado de remédios.
Ademais, com a pandemia, houve aumento do uso
de antibióticos devido à alta de infecções hospitalares. No Brasil, a Fiocruz
detectou que, em 2019, cerca de 1.000 bactérias isoladas eram
resistentes; já em 2021,
eram mais de 3.700.
A primeira recomendação da OMS é prevenir
contaminações. Lavar as mãos e higienizar os alimentos são medidas simples. No
Brasil, contudo, onde cerca de metade da população não tem acesso à rede de
esgoto, a implementação de infraestrutura sanitária há tempos é urgente.
Também é fundamental que médicos prescrevam
antibióticos a partir de diagnóstico exato, com dosagem e duração do tratamento
corretas —ainda é comum a indicação de remédios contra bactérias para doenças
virais, como gripe. E pacientes, claro, precisam seguir à risca as prescrições.
O poder público deve manter monitoramento dos
patógenos, reforçar programas de prevenção e controle de infecções e amplificar
informações sobre a RAM.
A indústria farmacêutica precisa diversificar
os produtos, mas antibióticos não são lucrativos e, por serem oriundos de
substâncias encontradas na natureza, as pesquisas são mais custosas e
demoradas.
A ciência tem arsenal para combater o futuro previsto por Fleming. Basta colocar em prática.
Uma PEC muito positiva para o STF
O Estado de S. Paulo
Não é revanche nem afronta às competências do
Judiciário. Aprovada pelo Senado, a PEC que limita decisões individuais contra
atos do Legislativo fortalece o STF e sua colegialidade
Há muita fumaça sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita decisões individuais dos tribunais contra atos legislativos e foi aprovada na quarta-feira pelo Senado. Seu conteúdo não é uma afronta ao Supremo Tribunal Federal (STF), nem viola – sequer pela mais remota hipótese – nenhuma cláusula pétrea da Constituição. Trata-se de uma medida correta, que não apenas aperfeiçoa o equilíbrio entre os Três Poderes, mas fortalece a colegialidade da Corte Constitucional.
Em primeiro lugar, a PEC 8/2021 não tem
nenhuma relação com a PEC 50/2023, em tramitação na Câmara, que pretende
conferir ao Congresso o poder de anular decisões do Supremo. Por ferir a
separação dos Poderes e violar, assim, uma das cláusulas pétreas da Constituição,
a PEC 50/2023 é um completo disparate e merece cabal rejeição.
A rigor, a PEC 8/2021 não traz nenhuma
novidade. A Lei 9.868/99, que regula o processo e o julgamento da ação direta
de inconstitucionalidade no STF, já limita a concessão de liminares por um só
ministro. “Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será
concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do tribunal”, diz o art.
10.
Esse dispositivo legal explicita uma
realidade que, nos últimos anos, foi esquecida. Um ato legislativo, aprovado
pela Câmara e pelo Senado e sancionado pelo presidente da República, dispõe de
presunção de legalidade. E mais: em respeito ao processo democrático ao qual
foi submetido, ele deve dispor de um mínimo de estabilidade. Não pode ser
removido ou suspenso pela canetada de um ministro. E isso nunca foi um assunto
polêmico e, menos ainda, sinal de confronto entre os Poderes. Era algo
inteiramente pacífico.
Se há algo controvertido no tema, trata-se do
comportamento do Supremo, que passou a entender que seus ministros poderiam
individualmente, à revelia da Lei 9.868/99, sustar atos do Poder Legislativo.
Ao longo dos últimos anos, houve muitas decisões monocráticas suspendendo
indefinidamente decisões do Congresso em assuntos como juiz de garantias,
nomeação de diretores em estatais e distribuição de royalties do petróleo.
Tem razão, portanto, o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco, quando diz que a PEC 8/2021 é “a busca de um equilíbrio entre
os Poderes”, reconhecendo que uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo
presidente da República pode ser declarada inconstitucional, mas que isso deve
ser feito colegialmente, e não por apenas um ministro.
Ao contrário do que alguns têm afirmado, a
PEC 8/2021 não diminui em nada o poder do Supremo, que continua podendo
exercer, com plenitude e independência, o controle de constitucionalidade das
leis. A proposta aprovada pelo Senado não abre nenhuma brecha para que atos
legislativos contrários à Constituição prosperem.
A PEC 8/2021 simplesmente limita o poder
individual dos ministros, o que significa fortalecer a colegialidade do
tribunal. A alteração constitucional em estudo não é, portanto, apenas uma
proteção do Legislativo e do Executivo perante o Judiciário. É também uma
defesa da própria Justiça, cujos tribunais são órgãos coletivos por excelência.
A autoridade de uma corte constitucional decorre diretamente de sua
colegialidade. Assim, a PEC 8/2021 fortalece e prestigia o STF.
Adverte-se que a PEC 8/2021 não proíbe
irrestritamente a atuação monocrática dos ministros do STF, mas apenas aquela
sobre os atos do Legislativo. O poder geral de cautela concedido a um
magistrado, autorizando-o a proferir decisões liminares, protege o direito
constitucional a um processo efetivo. Em muitas situações, a espera pela
decisão definitiva do órgão colegiado poderia ocasionar danos e prejuízos
irreversíveis. O que não deve ocorrer é a permanência das liminares
monocráticas ao longo do tempo, sem a devida revisão pelo colegiado, como já
prevê o atual Regimento Interno do STF.
A PEC 8/2021 é uma oportunidade de
aperfeiçoamento institucional. Não convém desperdiçá-la.
Inteligência artificial nas eleições
O Estado de S. Paulo
Usada nas eleições argentinas, a inteligência
artificial já é realidade na política, o que levanta questões cruciais sobre a
lisura das campanhas e sobre a qualidade da democracia
Reportagem no Estadão do dia 16 de novembro
relata a invasão da inteligência artificial nas eleições presidenciais
argentinas. Tanto a campanha de Javier Milei quanto a de Sergio Massa usaram a
tecnologia para adulterar imagens e vídeos, além de colocar palavras nas bocas
dos candidatos e inseri-los em filmes famosos e em memes.
A campanha de Massa, por exemplo, usou
inteligência artificial para retratar o peronista como um homem destemido e
carismático, incluindo-o em vídeos como soldado, como caça-fantasmas e como
Indiana Jones. A campanha de Milei, atenta à personalidade algo colérica do
candidato, optou por retratá-lo como um leão gracioso de desenho animado.
Mas a inteligência artificial não serviu
apenas para a produção de conteúdo autoelogioso. A campanha de Milei
compartilhou imagens aparentemente geradas por inteligência artificial
retratando Massa como um líder comunista chinês. Já a campanha de Massa usou a
inteligência artificial para criar uma série de imagens caricaturais de Milei e
seus aliados como zumbis.
A reportagem destaca que o conteúdo gerado
por inteligência artificial compartilhado pelas campanhas normalmente recebia
rótulos alertando para essa circunstância. Mesmo assim, alguns eleitores
passaram a duvidar da realidade.
Foi o que ocorreu com um vídeo que mostrava
Massa aparentemente exausto após um evento de campanha. O vídeo gerou teorias e
acusações improcedentes de lado a lado, mas as imagens, em si, eram
verdadeiras. Falso, porém, era o vídeo que mostrava Massa fazendo uso de
cocaína, compartilhado por integrantes do partido de Milei nas redes sociais.
Em artigo de junho deste ano, Lawrence
Lessig, professor de direito da Universidade Harvard e especialista na matéria,
projeta o momento em que a inteligência artificial gerará instrumentos para
maximizar as chances de convencer o eleitor a votar no candidato que os
detenha.
Esses instrumentos seriam capazes de
aprimorar técnicas de identificação de público-alvo (microtargeting) e
manipular comportamentos em escala e eficácia inéditas, de modo que os vídeos,
textos e e-mails que passaríamos a receber se destinariam sempre mais a cada um
de nós individualmente, pois a máquina “aprenderia” com o tempo as estratégias
mais eficazes para o nosso convencimento – técnica denominada reinforcement
learning.
A inteligência cogitada por Lessig poderia
atuar das mais diferentes formas, como o envio de mensagens com conteúdos não
políticos ao gosto do eleitor (esportes, entretenimento) para neutralizar
mensagens de oponentes políticos, o envio de mensagens desagradáveis
concomitantemente à visualização de mensagens desse oponente ou mesmo o
ingresso em grupos de familiares e amigos do eleitor nas redes sociais para dar
a impressão de que seu “candidato-cliente” tem a simpatia de membros desses
grupos.
Um cenário como esse faz perguntar quem seria
o real eleitor e o real vencedor da eleição. Mais ainda: se o único objetivo
dessa potencial inteligência é angariar votos, especialmente pelo recurso a
interesses, emoções e pulsões de cada eleitor, qual seria a preocupação dela
com a verdade dos fatos levados ao conhecimento do público? Qual seria o papel
das ideias e programas dos candidatos nas eleições? As campanhas seriam ainda
instrumento para uma livre escolha?
A aplicação da inteligência artificial nas
eleições ainda é incipiente e imprevisível, mas tanto o ocorrido nas eleições
presidenciais argentinas quanto os constantes alertas de especialistas –
alertas que já repercutem nas legislações europeia e norte-americana –
evidenciam a necessidade de regular o uso da inteligência artificial no Brasil.
É hora, portanto, de se debruçar sobre projetos como o PL 5051/19, atualmente
no Senado, que estabelece os princípios para o uso da inteligência artificial
no País. É isso ou aguardar que as próprias empresas interessadas se
autorregulem – o que, a julgar pela enxurrada de desinformação nas redes
sociais durante as recentes eleições, é duvidoso.
Uma vergonhosa imagem do Brasil
O Estado de S. Paulo
Morte em show de Taylor Swift e pancadaria no
Maracanã pintam o retrato do descaso
No curtíssimo intervalo de quatro dias, dois
eventos que poderiam ter sido um modelo de celebração, festa e marketing
positivo para o Rio de Janeiro e o Brasil foram, ao contrário, motivo de
vergonha, perplexidade e revolta para todo o País. A trágica morte de uma jovem
de 23 anos durante o show da cantora norte-americana Taylor Swift e o triste
espetáculo de violência entre as torcidas brasileira e argentina antes da
partida das Eliminatórias da Copa de 2026, no Maracanã, são, cada um à sua
maneira, sintomas de inaceitável amadorismo por parte dos organizadores e de
lamentável descaso por parte do poder público.
Mesmo sendo, tanto o show quanto o jogo,
eventos de caráter privado – razão pela qual cabe aos organizadores a maior e
mais pesada parcela de responsabilidade e de punição no prazo mais breve
possível –, não há como eximir de culpa as autoridades públicas, responsáveis
por garantir segurança e bem-estar de todos os cidadãos. Tal dever ganha
dimensão ainda maior quando se considera o tamanho dos eventos em questão e sua
repercussão no exterior.
Não se sabe com certeza qual foi a causa da
morte da jovem fã da cantora Taylor Swift. Mas, ainda assim, ela não foi a
única a passar mal diante do desconforto e da escassez de água, num dia com
sensação térmica de 60 graus, num show para 40 mil pessoas espremidas no
Engenhão. O estádio, na zona norte do Rio, havia se transformado num forno.
Em pouco tempo, logo depois que a morte foi
noticiada, o País tomou conhecimento das mensagens desesperadas enviadas por
espectadores, que imploravam por água, como se estivessem num deserto
submetidos a uma prova de resistência, e não assistindo a um show cujo ingresso
mais barato custava R$ 240. Houve mais de mil desmaios e milhares de
ocorrências de emergência que os poucos e despreparados postos médicos não
deram conta de atender. A tragédia poderia ter sido muito maior.
Esse desrespeito é o que ficou da imagem do
Brasil na passagem de Taylor Swift pelo Rio. Poucos dias depois, essa imagem
ficaria ainda pior, quando a organização do jogo entre Brasil e Argentina no
Maracanã foi incapaz de conter os ânimos de torcedores argentinos mais
exaltados, o que gerou pancadaria generalizada, transmitida ao vivo para todo o
mundo.
Qualquer um sabe, ou deveria saber, que a
rivalidade entre Brasil e Argentina tem potencial de conflito até em jogo de
bola de gude. Por isso, o mínimo que se esperava dos organizadores era um
investimento maior em segurança e uma separação prudente das torcidas, mesmo
que isso pudesse representar um retorno financeiro menor. Ver mulheres e
crianças sendo encurraladas enquanto tentavam fugir da pancadaria foi a imagem
mais revoltante do descaso.
E esse aspecto é central: a ganância dos organizadores, tanto no show quanto no jogo, claramente se sobrepôs à necessidade de garantir conforto e segurança para os espectadores. A essa negligência privada se somou a irresponsabilidade do Estado, que não fiscalizou o que deveria fiscalizar.
Os influenciadores e a Black Friday
Correio Braziliense
Apenas no Instagram, estima-se que o país
conte com 10,5 milhões de influencers, além dos outros milhões que se
concentram em plataformas como YouTube e TikTok
Brasil e influenciadores digitais são feitos
um para o outro. Não restam dúvidas. Apenas no Instagram, estima-se que o país
conte com 10,5 milhões de influencers, além dos outros milhões que se
concentram em plataformas como YouTube e TikTok.
Estudo realizado pela Youpix este ano, em
parceria com a MindMiners, ambas empresas que trabalham com estratégias de
marketing e pesquisas em conteúdo digital, mostra que dobrou a quantidade de
marcas que investem mais de R$ 1,5 milhão em marketing de influência, em
comparação ao ano anterior. Ou seja, esse já é um mercado de grandes proporções
e tem potencial para crescer ainda mais.
A pesquisa Quem te influencia?, citada
acima, mostra que seis em cada 10 seguidores de redes sociais já compraram
produtos ou serviços recomendados por influenciadores e preferem esse formato
para a descoberta de outros produtos. Dados revelam que o número de followers
(seguidores) não é o fator principal para esses consumidores: 73% deles afirmam
que um influenciador é alguém que promove ideias e pode influenciar opiniões e
comportamentos de seus seguidores independentemente da quantidade.
Tamanha é a força desses criadores de
conteúdo junto a sua audiência que grande parte do que gira em torno da Black
Friday — cujo ponto alto é exatamente hoje — conta com a participação desse
novo profissional em milhares de propagandas, publicidades e até mesmo
programas de televisão que uniram vendas e diversão.
Quanto às redes sociais, ainda que disperso,
o Instagram é a que lidera a preferência da audiência para seguir influencers,
conforme o estudo, e aparece também em primeiro lugar na preferência das marcas
para trabalhos com influenciadores, o que reforça o poder da plataforma na
influência que os criadores exercem.
O estudo detectou ainda que o influenciador
desperta o interesse, mas a conversão em si depende de diversos fatores. Quando
ocorre, a preferência, muitas vezes, recai sobre o meio digital, especialmente
em canais onde é possível comparar produtos e preços: 67% dos entrevistados
afirmam pesquisar melhor sobre o produto ou serviço da marca recomendada pelo
influenciador antes de comprar, enquanto somente 16% dizem comprar no mesmo
instante em que vê o "publipost" do influenciador.
De toda forma, em tempos de ofertas e promoções em alta — assim como todo o charme exposto pelos influenciadores —, o momento é de cautela, já que o fim do ano está chegando e, com ele, despesas pesadas que se prolongam por dezembro até desembocar em janeiro. A questão é que, bombardeado pelas redes sociais e outros meios de veiculação, o consumidor parece mesmo disposto a gastar. Pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) constatou que nove em cada 10 consumidores brasileiros pretendem fazer compras durante esta edição da Black Friday.
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