Folha de S. Paulo
Governador considerado um dos mais ineptos do
país proíbe nas escolas livros de autores consagrados
Graças a Deus, fui educado por Drácula, Frankenstein, Jack, o Estripador, a Múmia, o Lobisomem, o Médico e o Monstro, Fu Manchu e estrelas que tais da alta literatura. Li-os por volta dos 10 ou 11 anos, nos livros de bolso da editora Tecnoprint, as famosas Edições de Ouro, com texto integral e tradução competente. Eram vendidos em displays verticais em bancas de jornal e pontos de ônibus, ao alcance da mesada de qualquer criança. Não me consta que alguma delas tenha cravado os caninos na mãe ou aberto seu cachorro à faca para lhe perscrutar as tripas. Não éramos idiotas, sabíamos o que estávamos lendo. Mil anos depois, ainda conservo aquelas edições originais.
Dois burocratas regionais a cargo do governador de Santa Catarina, Sr. Jorginho Mello, tiraram nove
títulos de circulação das bibliotecas escolares do estado. São livros de terror
e crítica social, de autoria de Stephen King, Anthony Burgess, William Hjortsberg e outros, americanos e britânicos
lidos por crianças e adultos mundialmente.
Para desgraça de Santa Catarina, Mello é, pelas estatísticas, um dos
governadores mais ineptos do país. Se quisesse ser coerente na proteção de seus
governados de todas as idades, deveria proibir também um livro de grande beleza
e importância, este, sim, contendo passagens de apavorar até marmanjos. Algumas
delas:
Extermínio de povos inteiros por inundações,
fome ou incêndios; condenações à morte por apedrejamento, lepra e serpentes;
pais comendo (crua ou cozida) a carne de seus filhos; captura de virgens como
pilhagem de guerra; arremesso de bebês de encontro às rochas; grávidas vazadas
à espada; e enforcamentos, incestos e estupros a granel. É terrível. Eu próprio
nunca me recuperei da bela Jezebel sendo atirada pela janela da torre do
palácio, pisoteada por cavalos e tendo sua carne comida por cachorros.
O livro é a Bíblia.
Simples e complexo assim.
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