O Globo
Jogo do presidente da Câmara tem custo, mas
oferece ao ministro menos riscos e mais chance de vitória que a disputa com os
colegas de Esplanada
Fernando Haddad ganhou tempo e avançou
algumas casas no difícil tabuleiro posto diante de si desde que foi nomeado
ministro da Fazenda, mas está longe de vencer a guerra pelo rumo da política
econômica. Como diria a música do Coldplay: ninguém disse que seria fácil, mas
ninguém também avisou que seria assim tão difícil.
O tempo de que o titular da Fazenda agora
dispõe se conta em semanas, no máximo em meses, para fazer virar receita uma
série de ideias hoje dispersas em Medidas Provisórias e Projetos de Lei em
tramitação nas duas Casas do Legislativo.
Isso demandará negociações caso a caso, tendo Arthur Lira e Rodrigo Pacheco como potenciais aliados, mas, a depender do rumo que as conversas tomarem, também virtuais obstáculos ao avanço das matérias. O tempo é curto, os interesses em jogo são enormes, e os lobbies em atuação são influentes.
A equipe de Haddad viu avanços na negociação
do projeto mais estratégico para fazer os bilhões necessários ao cumprimento da
meta fiscal entrarem no caixa do Tesouro, a MP 1.185, que muda o cálculo de
impostos federais para empreendimentos que receberam subvenção de estados e
municípios e levaria, segundo a Fazenda, a uma arrecadação extra de R$ 35
bilhões no ano que vem.
A previsão da pasta é que o projeto esteja no
ponto para ser votado na semana do dia 27, com resistências já debeladas graças
a um trabalho de conversas que fez o próprio Haddad arregaçar as mangas e
receber líderes e bancadas dos partidos nas últimas semanas. Empresas que terão
de pagar mais imposto federal com a mudança da sistemática atuam no sentido
contrário e, dado o cabo de guerra, o fator capaz de fazer a diferença é o
mesmo que vem se mostrando fundamental ao ano todo: Arthur Lira.
O presidente da Câmara sinalizou que pode
puxar a corda para o lado de Haddad quando se opôs à mudança da meta de déficit
zero na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Fez isso quando Lula tinha acabado de
implodir a meta num discurso, e seus críticos ganhavam espaço junto ao ouvido
presidencial. Lira quer terminar 2023 como grande fiador de uma agenda
econômica virtuosa, que tem a reforma tributária e a mudança do arcabouço
fiscal, com os consequentes ganhos em termos de confiança dos agentes
econômicos, como estandartes.
Avacalhar a meta dois meses depois que a
Câmara a chancelou, com a ajuda determinante dele, não combinava com o script
do Lira acolhido pelo mercado. Sua oposição à ideia capitaneada por Rui Costa
certamente teve peso para que Haddad conseguisse convencer Lula a lhe dar mais
prazo.
Só que o relógio corre em ritmo acelerado. O
ano está acabando, e, para que consiga ver aprovadas as matérias que lhe dão o
estofo para ao menos tentar entregar um resultado fiscal próximo da meta,
Haddad terá de, agora, atender aos pleitos de Lira.
Não que 2023 já não tenha sido pródigo em
desejos do presidente da Câmara acolhidos. Ninguém conseguiu emplacar tantos
aliados e abrir um acesso tão grande ao manejo do Orçamento quanto ele. Os
muitos aliados de Lira podem retorquir, e estarão certos, que também ninguém
entregou ao governo tantos votos quanto o alagoano.
A negociação em curso envolve maior
impositividade das famosas emendas, seja as de bancada, seja as rubricas que
foram sendo criadas para substituir o orçamento secreto. A dificuldade do
governo de alocar verbas para as próprias políticas públicas é uma das coisas
que mais incomodam Lula na sua volta ao Planalto. Mas é fruto de uma dinâmica,
desde o impeachment de Dilma Rousseff, em que a Câmara foi ganhando poder
justamente para não emparedar mais nenhum presidente.
Para Haddad, não há outro caminho a não ser
jogar o jogo de Lira. Que, por incrível que pareça, oferece menos riscos e mais
chance de vitória que a disputa que ele trava com seu próprio campo e seus
próprios colegas de Esplanada.
Pode ser.
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