O Globo
A sinalização dada pela Comissão de
Constituição e Justiça do Senado, que deverá ser confirmada pelo plenário da
Casa, ao aprovar uma reforma tributária complexa, cujos detalhes ficarão para
um futuro algo remoto e com mais exceções do que todos gostariam é a mesma que
a Câmara já indicava no primeiro semestre: independentemente da fome por cargos
e emendas, o Congresso é majoritariamente inclinado a dar suporte à agenda
econômica do governo.
Do governo, não. De Fernando Haddad. As
recentes manifestações do presidente Lula e a revelação dos bastidores de como
a meta fiscal passou a ser bombardeada por setores relevantes do Executivo, a
começar da Casa Civil, evidencia que, hoje, o ministro da Fazenda brande
sozinho a cartilha da responsabilidade fiscal, e está isolado na percepção de
que o sucesso do governo dependerá muito da performance da economia,
indissociáveis a primeira e a segunda.
Isso não se dá exatamente por vocação liberal ou republicanismo dos parlamentares. Em parte, o apoio a projetos como a tributária advém de uma percepção que acabou se massificando de que "o momento chegou". É bom para Haddad que o timing coincida com o seu.
A outra explicação para esse alinhamento
entre as expectativas da Fazenda e uma dose de boa vontade da Câmara e do
Senado é a pressão que o chamado mercado e os demais setores da economia
exercem ali dentro. Isso funciona no marco fiscal e na reforma tributária, mas
enfrenta um obstáculo quando os projetos em tela dizem respeito a aumento de
arrecadação -- algo que deixa de interessar a esses mesmos segmentos.
Essa é uma das muitas razões pelas quais Lula
errou feio ao desautorizar seu ministro em público, duas vezes em uma semana, e
em enfatizar que, para ele, o que interessa é gastar. A ênfase na necessidade
de arrecadar mais, tecla na qual Haddad vem batendo, passa a ser vista apenas
como licença para abrir a torneira da gastança com fins eleitorais. E aí o
crucial apoio do Congresso, o trunfo do primeiro ano de governo em que aprovar
qualquer coisa é mais fácil, vai se dilapidando.
Se a tributária for concluída mesmo em 2023
terá sido mais por esse alinhamento cósmico raro, no qual os agentes econômicos
e políticos chegam à mesma conclusão, que por uma articulação política
coordenada do governo Lula. Sim, Haddad, Alexandre Padilha, Simone Tebet
trabalharam pela matéria. Mas ela foi mais impulsionada por Arthur Lira e
Rodrigo Pacheco que a partir do Executivo.
Para que o impulso da tributária, esse
"agora vai" que está subentendido na sua tramitação aos trancos e
barrancos por duas Casas tão distintas, atingisse o restante da pauta
econômica, seria preciso que o governo deixasse de alvejar o ministro da
Fazenda em praça pública.
Porque, fazendo isso, Lula acaba empoderando
mais ainda Lira, que tem demonstrado destreza em trafegar sem nem precisar
trocar de roupa entre as vias do fisiologismo sem cerimônia e do fiscalismo
responsável. O mercado compra a segunda rota com entusiasmo e, com isso, faz
vista grossa para a primeira, justamente aquela que encarece o preço para o
presidente.
Bancar Haddad e fazer com que os integrantes
de seu gabinete remem na mesma direção, ao menos na largada da execução da
novíssima regra fiscal, faria com que o presidente se cacifasse para poder
negociar com os mesmos agentes econômicos sem precisar da mediação do
Congresso. Nesse sentido, o avanço da tributária é o cavalo encilhado que o
presidente deveria montar acabar com a ambiguidade da diretriz econômica.
O contrário, que é o que Lula insiste em
praticar -- parecendo até se divertir um pouco em fazer o ministro que fez
questão de nomear dançar miudinho na frigideira com óleo quente --, turva a
percepção da sociedade a respeito de quais são as prioridades do governo, e
infla a ideia de que se o gasto está liberado, o melhor é garantir um quinhão,
que pode tornar a discussão do Orçamento, logo mais, uma derrota cabal para o
governo.
Pode ser.
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