Folha de S. Paulo
Presidente eleito desnomeia guru da
dolarização, chama gente da casta e não tem plano
A vitória de Javier Milei causou
sensação pelo caráter
caricato e lunático do presidente eleito da Argentina.
Em seguida, suscitou chutes analíticos sobre
mudanças e configurações do "mapa ideológico" da América
Latina, embora a América Latina não exista.
A seguir, vieram
as especulações de como seriam as relações do governo dos vizinhos com o do
Brasil e sobre o futuro do Mercosul, que
existe, mas como múmia minúscula. Mais importante, porém, é saber o que vai
sobrar da Argentina.
Milei não sabe o que fazer da mera montagem de seu governo, que dirá do seu programa. Nos últimos dias, a dolarização parece ter se tornado um assunto distante. O resto do plano econômico é uma barafunda agora contraditória.
Recém-eleito, Milei e sua coalizão diziam que
teriam os cargos principais dos ministérios. Milei também havia praticamente
nomeado seu guru da dolarização, Emilio Ocampo, para o Banco Central. A turma
de Mauricio Macri, ex-presidente (2015-19) e aliado de segundo turno, ficaria
no segundo escalão, "técnico". A "casta" (políticos
tradicionais e outros) ficaria de fora.
Ao final da primeira semana de presidente
eleito e a 15 dias da posse, Milei desnomeou Ocampo e outros próximos. Patricia
Bullrich, candidata derrotada da coalizão macrista, foi indicada para o
Ministério da Segurança.
Peronistas não-kirchneristas ganharam cargos
no primeiro escalão, entre outros tantos mais da "casta". Mesmo
contando as promessas vagas de aliança, Milei não tem 30% das cadeiras da
Câmara.
A maior bancada de ministros por ora é a dos
ex-colegas de Milei na Corporación America, do empresário Eduardo Eurnekian,
holding de aeroportos, energia, minas, agropecuária, construção civil etc.
Luis "Toto" Caputo, banqueiro de
investimento que ocupou cargos maiores na equipe econômica de Macri, seria o
ministro da Economia.
Segundo relatos de jornalistas e consultores da finança, Caputo disse em
encontro com empresários e banqueiros que o plano será de choque, mas
orlultodoxo e sem surpresas.
Quase ao mesmo tempo, o gabinete de Milei
soltava nota dizendo que o fechamento do BC (Banco Central) "não é um
assunto negociável".
Fechar o BC é uma ideia exótica, para dizer o
menos, embora não se saiba o que queira dizer. Funções de um BC podem ficar a
cargo de uma agência reguladora, como a supervisão e a regulação de bancos,
embora a fiscalização fique bem capenga, se feita assim à parte.
Mas quem faria política monetária, controle
de inflação? Quer dizer, basicamente, determinação de taxas de juros por meio
de venda e compra de títulos públicos, controlando em certa medida o excesso ou
escassez de moeda? Quem socorreria bancos em crise de liquidez (o que exige
criação de moeda, aliás)? O mercado? A gestão de moeda e crédito seria
privatizada?
O problema principal de Milei é que o BCRA
financia os déficits do governo, emitindo moeda na veia do Tesouro, e sempre o
fará, acha. Muito libertário, de resto, acredita que a criação de moeda, a
administração de seu valor e a gerência de riscos do sistema inteiro (de
bancários a inflacionários) deveria caber aos próprios bancos ou similares, por
conta e risco, sendo punidos em mercado por seus excessos.
É possível, mas é uma receita de crises
recorrentes e explosivas.
Nem se pergunte de quem seria a
responsabilidade de manter reservas internacionais. Como a discussão está posta
em termos vagos e doidos, além de ser assunto complicado e comprido, não dá
para entrar em detalhes.
O que se quer dizer aqui é que Milei em tese
quer virar o sistema financeiro e econômico do avesso, em um país despencando
do abismo, quando não sabe nem que rumo dar ao núcleo da sua equipe de governo.
Loucura total.
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