Folha de S. Paulo
No final da xepa da votação senadores distribuíram mais favores; risco é de Câmara imitar farra
O presidente da República não pode vetar
emendas constitucionais. Câmara e Senado promulgam
o que sair do voto. O Senado
mudou a Reforma Tributária para pior, criando até mais fundo-favor regional
para zonas francas, como a de Manaus, na
xepa dos minutos anteriores à votação.
O risco agora é de que a Câmara queira
aumentar sua cota de distribuição de benesses para ainda mais setores
empresariais ou regiões ou enfiar jabutis na emenda, como o fizeram os
senadores —o salário de auditores fiscais municipais e estaduais foi equiparado
ao dos federais. Os deputados vão votar a emenda de novo, por causa das
mudanças senatoriais.
Ainda assim, o sistema de impostos deve ficar melhor do que é. É mérito do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. De Fernando Haddad, que fez da reforma uma prioridade do ministério da Fazenda. Do secretário extraordinário da reforma, Bernard Appy, um messias que pregou a mudança por quase 20 anos, muita vez no deserto, além de ter elaborado seus fundamentos técnicos. Do deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que em 2019 fez um longo e correto trabalho de amarrar politicamente o que viria a ser a base da reforma.
Isso posto, o Senado fez uma lambança. Quase
qualquer mudança tributária no mundo não passa sem privilégios e distorções
politiqueiras. Aqui pode ser ainda pior.
A implementação da reforma vai demorar. A
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá IPI, PIS e Confins,
impostos federais, passa a valer em 2027. O Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS), que substitui o ICMS, estadual, e o ISS, municipal, começa a valer
parcialmente apenas em 2029 e vigora integralmente apenas em 2033. Ainda em
2032, 60% dos impostos velhos ainda valem.
Até lá, uma década, governadores e prefeitos
podem inventar mumunhas, em especial para garantir favores a empresas amigas,
distorcer a economia,
manter injustiças tributárias e diminuir a receita de impostos de todo mundo.
Quando quebram ou quase isso, os estados vão
ao governo federal pedir dinheiro ou ao Congresso para
arrebentar ainda mais as contas públicas.
Até esta semana, governadores tentavam
derrubar a reforma ou parte dela. Mesmo que a reforma previsse que o governo
federal pague mais de duas centenas de bilhões de reais (isso de 2025 até 2033)
a estados e municípios, a título de compensações e "desenvolvimento
regional". Isto é, que banque os favores irresponsáveis que governadores
fizeram a empresas amigas, que em tese devem ter fim, com a reforma. Em tese.
Também em tese, os dinheiros serviriam para
incentivar negócios, infraestrutura, pesquisa e inovação a fim de reduzir
desigualdades regionais. Em geral, dá errado ou em nada.
A implementação da reforma dependerá de leis
complementares. Uma lei não pode modificar a Constituição, claro, mas
gambiarras legais avacalham a lei maior ou inventam mutretas explícitas, que
fizeram o sistema tributário ser o que é.
É uma mixórdia lotada de privilégios, confusa
a ponto de as leis serem definidas em milhares de disputas judiciais e por meio
de outras malandragens, em geral injustas. Quanto menos imposto se recolhe em
alguma atividade, mais sobra para os vizinhos na forma de alíquotas maiores
(isto é, em carga maior ou em menos vendas).
Pior de tudo, o sistema de impostos distorce
a decisão de investimentos, de uso de recursos produtivos, trabalho e capital.
Uma decisão de investimento, de gastar em novo negócio, muita vez não leva em
conta o bastante o retorno do empreendimento (sua "lucratividade"),
mas o favor tributário.
Assim, recursos podem ser dirigidos a
atividades menos produtivas. Isso quer dizer que a economia se torna menos
produtiva. Mais pobre. Se queres um monumento, olha em torno.
Que pena!
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