O Globo
A eficiência do setor depende de ganhos de
escala, o que fica prejudicado com subsídios e “gatos”. Ao final, tudo se
traduz em tarifa mais cara
Uma importante discussão entre especialistas
do setor elétrico é sobre como preparar o país para os efeitos adversos das
mudanças climáticas. Elas causam estresse hídrico (a água fica mais escassa),
ondas de calor e chuva, e estimulam a mudança de padrões de consumo de energia
elétrica, com a climatização de ambientes e, no futuro, a eletrificação da
frota de veículos.
A confiabilidade no suprimento de energia é
um elemento essencial para indivíduos e para o setor produtivo, e precisa ser
reforçada.
O crescimento das fontes renováveis — experiência de sucesso no Brasil —, comandado pelas fontes eólica e solar, é boa notícia, mas não resolve o problema, pois elas são intermitentes, não garantindo a oferta de energia firme.
Assim, são necessárias ações pelo lado da
oferta e da demanda, conjuntamente, de modo a minimizar o acionamento das
usinas termoelétricas, mais caras e mais poluentes.
A resposta pelo lado da demanda pode ser
menos impopular do que se imagina. Na crise de 2001, no governo FHC, a
sociedade aderiu rapidamente ao esforço de racionar o uso de energia elétrica,
inclusive com mudanças de hábitos que foram incorporadas à rotina dos lares.
A transparência na comunicação foi um
elemento fundamental, sem negar os fatos e sem infantilizar a sociedade, que
precisa ser parte da solução.
O aumento de tarifas para conter a demanda,
sozinho, tende a ser insuficiente em situações de crise, pois a queda do
consumo precisa ser robusta e tempestiva, o que esbarra na baixa sensibilidade
da demanda de energia à variação de preços.
As camadas menos favorecidas reagem mais, mas
isso impõe muitos sacrifícios e não resolve o problema. O ideal é estimular a
resposta do consumidor médio, cuja demanda reage muito pouco a preços, como
mostram pesquisadores do Ipea.
Como agravante, os ajustes de preços chegam
atrasados e quase sempre poluídos por outros fatores, como elevados tributos e
encargos. As bandeiras tarifárias nem sequer refletem adequadamente as reais
condições de escassez de energia, o que precisa ser modificado.
O uso mais eficiente da energia e a resposta
da demanda a preços são objetivos a serem sempre perseguidos, mesmo não se
estando em situação de crise.
Em relação à oferta de energia, a equação é
mais complexa. Para começar, é necessário estabelecer governança para o uso
mais eficiente da água, para um planejamento realista, como aponta o
especialista Luiz Barroso. Além disso, cabe a revisão de marcos jurídicos do
setor.
As elevadas tarifas são um capítulo à parte.
As tarifas são sobrecarregadas por muitos subsídios a terceiros e encargos,
penalizando o consumidor. Acabam sendo incentivo para o roubo de energia (os
“gatos”), que responde por quase 15% da energia elétrica gerada. No final, o
bom consumidor paga a fatura.
Adicionalmente, os subsídios são atuantes no
crescimento do mercado livre (atualmente responde por 39% da carga) e da
geração distribuída (energia renovável gerada no local ou próximo do consumo,
que conta com subsídios, apesar de beneficiarem os mais ricos), por exemplo.
A eficiência do setor depende de ganhos de
escala, o que fica prejudicado com esses “vazamentos”. Ao final, tudo se traduz
em tarifa mais cara, especialmente para o consumidor cativo.
As movimentações recentes na política,
infelizmente, vão na direção contrária à agenda de preparar o setor para os
novos desafios climáticos — e o desafio do ajuste fiscal também.
Segundo matérias da imprensa, há grande
pressão de setores interessados e de lideranças políticas para prorrogação e
extensão de subsídios, apesar de não se justificarem mais, dado o estágio atual
da produção de renováveis, mais maduro e com queda nos custos.
O mais recente PL das eólicas off-shore é um
exemplo. Lotado de “jabutis”, que beneficiam a produção ineficiente do ponto de
vista econômico, em benefício de poucos, mas com custo ao contribuinte e ao
consumidor.
São medidas que nos distanciam do bom uso dos
recursos públicos e dos novos desafios do fornecimento confiável e acessível de
energia elétrica. Adicionalmente, comprometem o papel dos preços de
“mensageiro” do verdadeiro valor da eletricidade, estimulando assim
ineficiências no consumo de energia.
É crucial não deixar “passar a boiada”.
O tema da moda.
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