O Globo
Desde janeiro, país tem uma ministra da Saúde
que acredita na vacina, um ministro da Defesa que não ataca as urnas e um
chanceler que não sonha em nos fazer párias
O ano começou mal. Sete dias depois de Lula
vestir a faixa, bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
A tentativa de golpe não visava só derrubar o
governo eleito nas urnas. A extrema direita queria rasgar a
Constituição e impor uma nova ditadura, sonho do capitão desde os tempos de
recruta.
A intentona de 8 de janeiro fracassou. Não
graças aos militares, como dizem arautos da caserna, mas apesar deles. Oficiais
de alta patente protegeram um movimento ilegal, que conspirou e tentou destruir
as instituições. Responsabilizá-los é tarefa necessária para consolidar a
democracia.
Até aqui, o Supremo condenou 25 pessoas entre mais de 1.400 denunciados pelos atos antidemocráticos. Todos estavam na base da pirâmide do extremismo. Idealizadores e financiadores do golpe continuam impunes. A ver se serão incomodados pelo novo procurador-geral da República.
O Ministério Público se livrou de Augusto
Aras, que acobertou múltiplos crimes da gestão passada. Seu lugar foi ocupado
por Paulo Gonet, que passou pela sabatina sem dizer o que pensa. Com duas vagas
a preencher no Supremo, Lula escolheu o advogado particular e o ministro da
Justiça. A diversidade subiu a rampa, mas ficou no álbum de fotos da posse.
Jair Bolsonaro virou freguês da Polícia
Federal. Depôs sobre o roubo de joias, os atos antidemocráticos, as confissões
do ajudante de ordens e a falsificação do cartão de vacina. Os inquéritos ainda
não resultaram em denúncias criminais. Na Justiça Eleitoral, o capitão já
começou a pagar por seus atos. Está inelegível até 2030.
O novo governo apostou na reconstrução de
pontes com o mundo. Lula visitou 25 países, foi aplaudido na ONU e assumiu a
presidência rotativa do Mercosul e do G20. O Brasil voltou a defender a paz, o
diálogo e o multilateralismo. Poderia ter ajudado a baixar as armas em Gaza, se
não fosse o veto americano a qualquer resolução contra a vontade de Israel.
No front doméstico, o governo ainda pena para
mostrar a que veio. Lula reciclou velhos programas e entregou ministérios a
personagens como Juscelino Filho e André Fufuca. Mesmo assim, sofreu sucessivas
derrotas para o Centrão. Na última sessão de 2023, o bando de Arthur Lira
inflou as emendas impositivas e cortou verbas do PAC e da Farmácia Popular.
Entre as boas notícias, a redução do
desmatamento da Amazônia, a revogação de decretos armamentistas e o aumento da
vacinação infantil, revertendo uma queda iniciada em 2016. A economia reagiu e
deve crescer 3%, apesar das previsões lúgubres do FMI e da Faria Lima.
Na sexta-feira, Lula disse que a maior
conquista do ano foi “fazer o Brasil voltar à normalidade”. Difícil discordar.
Desde janeiro, o país tem uma ministra da Saúde que acredita na vacina, um
ministro da Educação que conhece o idioma e um ministro das Relações Exteriores
que não sonha em nos transformar em párias. A ministra do Meio Ambiente defende
a floresta, o ministro da Defesa não ataca as urnas e o ministro de Direitos
Humanos entende que as minorias devem ser protegidas, não ofendidas.
Depois da longa noite bolsonarista, 2023 foi
o ano do alívio.
Verdade,sem discordância.
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