O Globo
O ano complicado, que começou com o ataque de
8 de janeiro, termina com a percepção de ameaça às instituições se dissipando,
avaliam oficiais
O ano começou turbulento para a relação entre
civis e militares e está terminando, na visão de alguns oficiais que ouvi nas
três forças, muito melhor do que começou. Por isso, dizem que vão com
tranquilidade para as comemorações que o governo prepara para o 8 de janeiro.
“A democracia saiu fortalecida”, me disse um oficial superior. Os militares
admitem que houve “contaminação” de parte das Forças Armadas pelas ideias do
bolsonarismo, mas o mais importante, segundo eles, é não ter havido um único
movimento de tropas. O Exército, afirmou um general, tem 680 estabelecimentos
militares e não houve um único ato.
O que um dos oficiais me disse é que o 8 de janeiro serviu para arrefecer o ímpeto antigoverno. “Se havia alguma indignação com a eleição do presidente Lula, passou a haver reprovação ao que houve em 8 de janeiro e um arrefecimento das críticas ao presidente Lula”. A explicação é que quem levantava bandeiras contra a esquerda ficou constrangido diante da evidente ilegalidade dos atos.
Ninguém com quem eu falei esconde a
inclinação política das Forças Armadas. “Somos conservadores e na área dos
costumes sempre vamos estar mais à direita”, afirmou um integrante da
Aeronáutica. Segundo uma fonte do Exército, foi dito com todas as letras ao
presidente Lula que a maioria dos militares da ativa, da reserva e dos
policiais militares votou “no outro candidato”. Mas isso é natural e faz parte
do direito de voto.
O problema foi ver as dificuldades que
ocorreram na passagem de Comando das Forças, até porque acontecia na mais alta
hierarquia. No Exército, o general Freire Gomes passou o comando ao general
Júlio César Arruda no dia 30 de dezembro, antes da posse, na presença do então
vice-presidente Hamilton Mourão, e houve nova mudança, no dia 21 de janeiro,
quando o general Tomás Paiva assumiu. Arruda, entre outras coisas, não aceitava
suspender a nomeação do tenente-coronel
Mauro Cid para comando de unidade. Na Marinha, o almirante
Almir Garnier se negou a passar o comando para o almirante Marcos Sampaio
Olsen. A única transição normal foi na Força Aérea, onde assumiu o brigadeiro
Marcelo Damasceno. O que eu ouvi na Marinha é que Garnier depois disso se
isolou. Hoje ele não tem comparecido às cerimônias militares da força.
Apesar de atos de indisciplina, como o do
almirante Garnier, o que é ressaltado por eles é que o rito democrático foi
respeitado. O eleito foi empossado, governa e tem o respeito das Forças
Armadas. “Ele é o novo comandante supremo das Forças Armadas”, ressaltou uma
das fontes. Na visão dos militares também não houve erro na tumultuada relação
da comissão do TSE. Dizem que oficiais do Alto Comando do Exército nunca
quiseram participar, porque avaliavam que não era função das Forças Armadas.
Têm, contudo, uma visão positiva do resultado porque duas das sugestões que
deram foram aceitas e isso aperfeiçoou a urna eletrônica.
Perguntei aos militares sobre os acampamentos
em frente aos quartéis e a estranha conivência deles com a permanência de
pessoas ali pedindo ditadura militar. Admitem que havia muitos familiares de
militares acampados, mas um general me disse que se tivesse havido uma ordem
judicial para a retirada, ela teria sido respeitada. “Tanto que nos dois
lugares onde houve ordem judicial, os acampados foram retirados.” O que eles
contam é que tudo começou em 2018, na greve dos caminhoneiros, quando ocorreram
os primeiros acampamentos. “E nem o MP agiu, nem a Justiça determinou a
retirada. Depois, virou moda”.
O resumo das conversas em que quis ouvir a
versão dos militares sobre os eventos recentes é que, na visão deles, o mais
importante desse final do ano é que está se dissipando “a percepção de ameaça”
às instituições democráticas. “Não pode haver essa percepção de que o Brasil
possa ter um retrocesso que não cabe mais no século XXI.” Segundo essa fonte,
“qualquer outra solução é anacrônica e os problemas da democracia se resolvem
na democracia”. E completou, “temos de acabar com as dúvidas”.
Eles são a favor da PEC que impede que um
militar que entre para a política volte para as forças. E também apoiam o
retorno da Comissão de Mortos e Desaparecidos. “Enquanto houver desaparecido é
dever do Estado procurar”. O ano foi turbulento, mas saí das conversas com a
impressão de que sim, o ano termina muito melhor do que começou.
Feliz Natal. Que haja paz no seu lar.
Feliz Natal!
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