domingo, 24 de dezembro de 2023

Míriam Leitão – Eventos recentes na visão dos militares

O Globo

O ano complicado, que começou com o ataque de 8 de janeiro, termina com a percepção de ameaça às instituições se dissipando, avaliam oficiais

O ano começou turbulento para a relação entre civis e militares e está terminando, na visão de alguns oficiais que ouvi nas três forças, muito melhor do que começou. Por isso, dizem que vão com tranquilidade para as comemorações que o governo prepara para o 8 de janeiro. “A democracia saiu fortalecida”, me disse um oficial superior. Os militares admitem que houve “contaminação” de parte das Forças Armadas pelas ideias do bolsonarismo, mas o mais importante, segundo eles, é não ter havido um único movimento de tropas. O Exército, afirmou um general, tem 680 estabelecimentos militares e não houve um único ato.

O que um dos oficiais me disse é que o 8 de janeiro serviu para arrefecer o ímpeto antigoverno. “Se havia alguma indignação com a eleição do presidente Lula, passou a haver reprovação ao que houve em 8 de janeiro e um arrefecimento das críticas ao presidente Lula”. A explicação é que quem levantava bandeiras contra a esquerda ficou constrangido diante da evidente ilegalidade dos atos.

Ninguém com quem eu falei esconde a inclinação política das Forças Armadas. “Somos conservadores e na área dos costumes sempre vamos estar mais à direita”, afirmou um integrante da Aeronáutica. Segundo uma fonte do Exército, foi dito com todas as letras ao presidente Lula que a maioria dos militares da ativa, da reserva e dos policiais militares votou “no outro candidato”. Mas isso é natural e faz parte do direito de voto.

O problema foi ver as dificuldades que ocorreram na passagem de Comando das Forças, até porque acontecia na mais alta hierarquia. No Exército, o general Freire Gomes passou o comando ao general Júlio César Arruda no dia 30 de dezembro, antes da posse, na presença do então vice-presidente Hamilton Mourão, e houve nova mudança, no dia 21 de janeiro, quando o general Tomás Paiva assumiu. Arruda, entre outras coisas, não aceitava suspender a nomeação do tenente-coronel Mauro Cid para comando de unidade. Na Marinha, o almirante Almir Garnier se negou a passar o comando para o almirante Marcos Sampaio Olsen. A única transição normal foi na Força Aérea, onde assumiu o brigadeiro Marcelo Damasceno. O que eu ouvi na Marinha é que Garnier depois disso se isolou. Hoje ele não tem comparecido às cerimônias militares da força.

Apesar de atos de indisciplina, como o do almirante Garnier, o que é ressaltado por eles é que o rito democrático foi respeitado. O eleito foi empossado, governa e tem o respeito das Forças Armadas. “Ele é o novo comandante supremo das Forças Armadas”, ressaltou uma das fontes. Na visão dos militares também não houve erro na tumultuada relação da comissão do TSE. Dizem que oficiais do Alto Comando do Exército nunca quiseram participar, porque avaliavam que não era função das Forças Armadas. Têm, contudo, uma visão positiva do resultado porque duas das sugestões que deram foram aceitas e isso aperfeiçoou a urna eletrônica.

Perguntei aos militares sobre os acampamentos em frente aos quartéis e a estranha conivência deles com a permanência de pessoas ali pedindo ditadura militar. Admitem que havia muitos familiares de militares acampados, mas um general me disse que se tivesse havido uma ordem judicial para a retirada, ela teria sido respeitada. “Tanto que nos dois lugares onde houve ordem judicial, os acampados foram retirados.” O que eles contam é que tudo começou em 2018, na greve dos caminhoneiros, quando ocorreram os primeiros acampamentos. “E nem o MP agiu, nem a Justiça determinou a retirada. Depois, virou moda”.

O resumo das conversas em que quis ouvir a versão dos militares sobre os eventos recentes é que, na visão deles, o mais importante desse final do ano é que está se dissipando “a percepção de ameaça” às instituições democráticas. “Não pode haver essa percepção de que o Brasil possa ter um retrocesso que não cabe mais no século XXI.” Segundo essa fonte, “qualquer outra solução é anacrônica e os problemas da democracia se resolvem na democracia”. E completou, “temos de acabar com as dúvidas”.

Eles são a favor da PEC que impede que um militar que entre para a política volte para as forças. E também apoiam o retorno da Comissão de Mortos e Desaparecidos. “Enquanto houver desaparecido é dever do Estado procurar”. O ano foi turbulento, mas saí das conversas com a impressão de que sim, o ano termina muito melhor do que começou.

Feliz Natal. Que haja paz no seu lar.

 

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