sábado, 9 de dezembro de 2023

Carlos Alberto Sardenberg - Quem? Lula?

O Globo

Capacidade de mediação do Brasil é zero. A menos que exerça pressão incisiva que leve Maduro a simplesmente voltar atrás

Vamos imaginar que o governo brasileiro decidisse convocar um plebiscito para saber se a população apoia a anexação do Uruguai. Há precedente histórico. O Uruguai era a Província Cisplatina do Império do Brasil até 1825.

O Uruguai não tem petróleo, mas tem pecuária avançada, produção de vinhos melhores que os nossos, uma economia equilibrada. Supondo uma votação livre, difícil saber a escolha dos brasileiros. Digamos que seja “sim”. E que o governo brasileiro inclua a Cisplatina no nosso mapa, nomeie um dirigente do PT como interventor, substituindo o governo de centro-direita deles, e Fernando Diniz convoque Luis Suárez para a Seleção Brasileira (seria, aliás, nossa maior conquista).

Grossa provocação, não é mesmo? Nem precisaria haver movimentação de tropas, jatos voando sobre o território uruguaio, digo, da Cisplatina. O plebiscito já seria um ato de agressão.

O que faria o Uruguai? Chamaria os Estados Unidos, claro, já que brigar com o Brasil estaria fora de cogitação.

Agora, a Venezuela. Um plebiscito fajuto, e Maduro declara que a região do Essequibo é território venezuelano e que vai anexá-la. Sim, há precedentes, lá de trás, de disputa da região. Cavando na História, até as Coroas espanhola e britânica, dá para arranjar qualquer argumento. Só que a situação está pacificada há tempos. A Guiana tornou-se independente, formou uma nação de ampla diversidade, ocupou Essequibo com sua população, estava quieta no seu canto.

A Venezuela é a agressora. A Guiana, a vítima.

O modo de dizer importa muito em diplomacia. Falar em conflito entre os dois países é dar um desconto para Maduro. Do mesmo modo, o presidente Lula tergiversa quando diz não querer “confusão” na América do Sul. Deveria dizer diretamente a Maduro que ele precisa ficar nos seus limites em vez de agredir o vizinho.

Lula é amigo de Maduro. Quando assumiu a presidência temporária do Mercosul, em julho deste ano, disse que era seu objetivo trazer de volta a Venezuela, suspensa por descumprimento das regras democráticas. Para ele, não tem ditadura na Venezuela.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, declarou confiar na liderança e na maturidade do Brasil. Diplomático. Ele sabe que Lula tem lado. Por isso chamou os Estados Unidos, que enviaram caças para sobrevoar o Essequibo. Porta-voz da Casa Branca advertiu a Venezuela.

Nos meios políticos e diplomáticos de Brasília, ouviram-se comentários negativos: a Guiana trouxe os Estados Unidos para nossa América do Sul. E isso traria para cá o conflito Estados Unidos x Rússia.

Ora, quem trouxe a Rússia para cá, há muito tempo, foi a Venezuela, armada com jatos russos de primeira linha, além de farto material militar terrestre. Aliás, Maduro acaba de marcar reunião com Putin.

A Guiana não tem jatos. Confiaria na Força Aérea Brasileira?

Falemos francamente: a capacidade de mediação do governo brasileiro é zero. A menos que exerça pressão incisiva que leve Maduro a simplesmente voltar atrás. Sim, voltar atrás, anular o plebiscito fajuto e conversar nas Cortes internacionais. Lula não deu sinais de que pensa nisso. Ao contrário, parece se encaminhar naquela direção de considerar igualmente responsáveis o agressor e o agredido. Venezuela é Rússia, Guiana é Ucrânia.

Só falta botar a culpa de tudo nos Estados Unidos. Falta?

Lula dedicou seu primeiro ano a buscar protagonismo internacional. Meteu-se na questão da Ucrânia, no Oriente Médio, apresentou-se como líder do combate ao aquecimento global.

Falou muito, colecionou nada. Atuação zero nas guerras. Teve de pedir aos Estados Unidos e ao Catar para tirar brasileiros de Gaza. Aqui, prometeu fechar o acordo Mercosul-União Europeia. Não conseguiu. Culpa deles, claro.

Também não conseguiu reintegrar a Venezuela ao Mercosul. Os sócios não deixaram.

Foi liderar a COP28 e voltou de lá com o Brasil integrante da Opep, aspirante a tornar-se um gigante da exploração de petróleo.

Enquanto isso, não faltaram problemas brasileiros que mereciam maior atenção do governo.

E mais uma palavrinha sobre Essequibo: não seria razoável perguntar a seus habitantes onde querem ficar?

 

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