O Globo
Capacidade de mediação do Brasil é zero. A
menos que exerça pressão incisiva que leve Maduro a simplesmente voltar atrás
Vamos imaginar que o governo brasileiro
decidisse convocar um plebiscito para saber se a população apoia a anexação
do Uruguai.
Há precedente histórico. O Uruguai era a Província Cisplatina do Império do
Brasil até 1825.
O Uruguai não tem petróleo, mas tem pecuária
avançada, produção de vinhos melhores que os nossos, uma economia equilibrada.
Supondo uma votação livre, difícil saber a escolha dos brasileiros. Digamos que
seja “sim”. E que o governo brasileiro inclua a Cisplatina no nosso mapa,
nomeie um dirigente do PT como interventor, substituindo o governo de
centro-direita deles, e Fernando Diniz convoque
Luis Suárez para a Seleção Brasileira (seria, aliás, nossa maior conquista).
Grossa provocação, não é mesmo? Nem
precisaria haver movimentação de tropas, jatos voando sobre o território
uruguaio, digo, da Cisplatina. O plebiscito já seria um ato de agressão.
O que faria o Uruguai? Chamaria os Estados Unidos, claro, já que brigar com o Brasil estaria fora de cogitação.
Agora, a Venezuela. Um
plebiscito fajuto, e Maduro declara que a região do Essequibo é território
venezuelano e que vai anexá-la. Sim, há precedentes, lá de trás, de disputa da
região. Cavando na História, até as Coroas espanhola e britânica, dá para
arranjar qualquer argumento. Só que a situação está pacificada há tempos. A
Guiana tornou-se independente, formou uma nação de ampla diversidade, ocupou
Essequibo com sua população, estava quieta no seu canto.
A Venezuela é a agressora. A Guiana, a
vítima.
O modo de dizer importa muito em diplomacia.
Falar em conflito entre os dois países é dar um desconto para Maduro. Do mesmo
modo, o presidente Lula tergiversa
quando diz não querer “confusão” na América do Sul. Deveria dizer diretamente a
Maduro que ele precisa ficar nos seus limites em vez de agredir o vizinho.
Lula é amigo de Maduro. Quando assumiu a
presidência temporária do Mercosul, em julho deste ano, disse que era seu
objetivo trazer de volta a Venezuela, suspensa por descumprimento das regras
democráticas. Para ele, não tem ditadura na Venezuela.
O presidente da Guiana, Irfaan Ali, declarou
confiar na liderança e na maturidade do Brasil. Diplomático. Ele sabe que Lula
tem lado. Por isso chamou os Estados Unidos, que enviaram caças para sobrevoar
o Essequibo. Porta-voz da Casa Branca advertiu a Venezuela.
Nos meios políticos e diplomáticos de
Brasília, ouviram-se comentários negativos: a Guiana trouxe os Estados Unidos
para nossa América do Sul. E isso traria para cá o conflito Estados Unidos x
Rússia.
Ora, quem trouxe a Rússia para cá, há muito
tempo, foi a Venezuela, armada com jatos russos de primeira linha, além de
farto material militar terrestre. Aliás, Maduro acaba de marcar reunião com
Putin.
A Guiana não tem jatos. Confiaria na Força
Aérea Brasileira?
Falemos francamente: a capacidade de mediação
do governo brasileiro é zero. A menos que exerça pressão incisiva que leve
Maduro a simplesmente voltar atrás. Sim, voltar atrás, anular o plebiscito
fajuto e conversar nas Cortes internacionais. Lula não deu sinais de que pensa
nisso. Ao contrário, parece se encaminhar naquela direção de considerar
igualmente responsáveis o agressor e o agredido. Venezuela é Rússia, Guiana é
Ucrânia.
Só falta botar a culpa de tudo nos Estados
Unidos. Falta?
Lula dedicou seu primeiro ano a buscar
protagonismo internacional. Meteu-se na questão da Ucrânia, no Oriente Médio,
apresentou-se como líder do combate ao aquecimento global.
Falou muito, colecionou nada. Atuação zero
nas guerras. Teve de pedir aos Estados Unidos e ao Catar para tirar brasileiros
de Gaza. Aqui, prometeu fechar o acordo Mercosul-União Europeia. Não conseguiu.
Culpa deles, claro.
Também não conseguiu reintegrar a Venezuela
ao Mercosul. Os sócios não deixaram.
Foi liderar a COP28 e
voltou de lá com o Brasil integrante da Opep, aspirante a tornar-se um gigante
da exploração de petróleo.
Enquanto isso, não faltaram problemas
brasileiros que mereciam maior atenção do governo.
E mais uma palavrinha sobre Essequibo: não
seria razoável perguntar a seus habitantes onde querem ficar?
Exatamente.
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