terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Carlos Andreazza - Lirão autossuficiente

O Globo

O parlamentarismo orçamentário banca a autonomia pervertida do Congresso — ponta de uma cadeia de disfunções que mina o arranjo entre Poderes e faz erodir o equilíbrio da República

A Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme relatório aprovado na comissão mista, é categórica: o parlamentarismo orçamentário — fiador da autonomia pervertida do Congresso — vige no Brasil; ponta de uma cadeia de disfunções que mina o arranjo entre Poderes e faz erodir o equilíbrio da República.

Governo desapetrechado, que faz acordo — ode à fragilidade — para ter ainda menos instrumentos de negociação. Congresso — o imperador Lira — governante, que extrai do Planalto pacto informal para que a nova fachada do orçamento secreto, a emenda de comissão, não seja contingenciada. (Para aprovar os projetos arrecadatórios de Haddad, ora, o compromisso por mais gastos de bloqueio interditado.) Corte Constitucional rebatedora, com sua deturpação proativa sendo açulada — para frear o Parlamento — pelo mesmo governo que cede à concentração de poder parlamentar.

Não virá para tanto — a ser líder de Lula no STF — o senador Flávio Dino? Mais um agente político no tribunal — zelador dos trânsitos antes de guardião da Constituição.

O efeito dominó agravador dos vícios institucionais. Governo fraco, desprovido de meios, que admite a fraqueza e a enfrenta apostando na doença. (Se o gênio xandônico não volta mais à lâmpada, que haja — é a pretensão — um Xandão para chamar de meu.) Congresso forte que concentra poder em poucos alcolumbres. Supremo convidado — provocado — a legislar sobre o legislado; a avançar sobre o legislado. O espírito do tempo é autoritário.

O Parlamento ganha musculatura — existência executiva informal — ao se ordenar gestor de fundos orçamentários cada vez maiores e menos dependentes dos controles de tempo do Executivo. Uma autodeterminação viciada — para a qual colaboraram sucessivos governos — que, esvaziando os termos da negociação política e depauperando o Planalto de turno, contribui para a hipertrofia do já mui expandido Supremo Tribunal Federal.

O volume obrigatório de emendas parlamentares crescentes e a manutenção, sob fachadas cambiantes, do sistema operacional — opaco e autoritário — do orçamento secreto definem a inexistência de base legislativa de apoio a governo no Brasil. O ministro Alexandre Padilha e os líderes governistas no Congresso podem discursar sobre a formação da maioria que, afinal, aprovou a reforma tributária. É do jogo.

A verdade consistindo em o Lirão apresentar — a cada votação de interesse — custo de administração pesado (e de carga progressiva) pela reunião episódica dos votos necessários; e para além dos necessários, aquela vitória robusta, com que se demonstra força. Força de quem? O Parlamento, reduzido a seus poucos donos, que controla vultosos fundos orçamentários — restritos os mecanismos do governo para negociar com as liberações de emendas —, tem a independência corrompida, pois achacadora, de só formar as maiorias circunstanciais se com mais dinheiros e codevasfs.

Desmobilizadas as estruturas de lideranças partidárias, ademais grassando a impositividade (formal e informal) das emendas parlamentares, poder concentrado em Lira e seus elmares, a base é de apoio ao Lirão autossuficiente. (Arthur Lira é alguém que não se move, senão para concentrar ainda mais poder em si.) Vitória de quem? Donde o governo — fraco para todo lado — a investir no STF como espécie de terceiro turno da atividade legislativa. Dino indicado a ser um facilitador-geral do Planalto no tribunal.

O senador, ministro de Estado, a ser ministro do Supremo, tem clareza sobre o que será, ainda que deturpando — não estará sozinho — a natureza da função, incapaz de diferençar o que afirma discernir:

— Sei distinguir o que é o papel de um juiz e de um político. Se tiver a honra de receber a aprovação [estava em campanha no Senado], levarei comigo esse compromisso de ser um guardião e um facilitador do diálogo entre os Poderes.

Mais um togado monocrata — comunista ou não — para mediar o ritmo dos interesses políticos a partir (em defesa) da agenda do governo. Repito: Dino foi indicado ao Supremo rebatedor para rebater — também internamente — pelo Planalto. Um desenvolvimento de Lewandowski. O STF compreendido como agência política e desejado como ente associado-aliado — atraído a ocupar espaços em que já atua com fluência.

Lula a convidar ministros do Supremo para confraternização (oi!?) em que — informa este GLOBO — se discutirá a relação com o Congresso. Isso não é normal.

Descreve-se aqui um conjunto de degradações — o sucateamento — da República que força a pressão pelo sistema semipresidencialista. Em campanha também — muito à vontade para opinar sempre, perdido o comedimento —, ministros do Supremo. Necessário sendo lembrar que o primeiro-ministro seria Lira. O cínico a advertir: mera formalização.

 

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