O Globo
A reforma tem defeitos, mas é uma travessia
histórica. Na regulamentação podem ser reduzidos os tratamentos diferenciados
Amanhã, ao ser promulgada a Reforma
Tributária, o Brasil estará dando um passo histórico. Desde a
redemocratização foram muitas as tentativas de fazer a reforma dos impostos
sobre consumo e nada foi adiante. Agora está aprovada o que pareceu impossível
tantas vezes. No ano que vem, terão que ser travadas outras batalhas nessa
mesma frente.
Primeiro, a da regulamentação, que será fundamental para saber qual é a dimensão dessa mudança, dado que ela pode perder parte dos seus méritos exatamente quando forem discutidas as leis complementares. A segunda parte da reforma será a do Imposto de Renda, que se for bem feita terá o poder de reduzir desigualdades no Brasil.
O Brasil, ao encerrar o governo militar, fez
uma nova Constituição. Estava certo. Tanto estava que o Chile, que não
seguiu esse caminho, ainda anda em círculos no assunto. Depois, o
Brasil dedicou todos os esforços para fazer a estabilização monetária. Estava
certo. Tanto que a Argentina que
não fez isso está nesse momento
enfrentando uma espiral inflacionária sem fim à vista. Nos últimos
trinta anos, o Brasil aprovou algumas reformas, nem todas boas ou suficientes,
mas as tentativas de mudar os tributos sobre consumo nunca tiveram sucesso.
Desta vez, o caminho foi bem interessante. A
proposta foi formulada por economistas encabeçados por Bernard Appy e entrou na
agenda através do Congresso pela emenda 45 do deputado Baleia Rossi (MDB-SP).
O governo Bolsonaro não quis levá-la adiante, mesmo com todo o empenho do então
presidente da Câmara Rodrigo Maia.
O acerto do atual governo foi respeitar essa
iniciativa do Legislativo e somar esforços. Sem o Executivo evidentemente uma
mudança dessa proporção não aconteceria. Haddad assumiu dizendo que o arcabouço
fiscal e a Reforma Tributária eram as prioridades, criou uma secretaria para
isso entregue a Appy e entrou nessa negociação.
O Congresso introduziu modificações na
proposta que, em grande parte, pioraram o texto, mas não se perdeu a essência.
Hoje existem 27 legislações de ICMS, haverá uma. Por isso, quando se diz que
unificou cinco impostos, na verdade é muito mais, porque o Imposto sobre Bens e
Serviços passará a ser um só para os estados e o Distrito Federal. O fim da
cumulatividade simplificará e tornará mais leve e lógico o pagamento de
impostos no Brasil. Conseguir caminhar da origem para o destino, ainda que
lentamente, será outro grande ganho.
Contudo, houve concessões demais a
determinados grupos e setores que terão tratamento diferenciado. Na
regulamentação é que será definido exatamente os contornos dessa vantagem, por
isso é fundamental que tudo seja entendido em todos os seus detalhes. Houve
derrotas claras.
Na votação da sexta-feira, a Câmara retirou a
sobretaxa que incidiria sobre o comércio de armas no Brasil. Um parlamentar
ligado ao governo anterior, em determinado momento, disse que o imposto
seletivo incidiria sobre produtos que fazem mal à saúde, e que não seria justo,
portanto, recair sobre armas. “Que mal as armas fazem à saúde?”, perguntou o
parlamentar. Ora, ora. No fim, a bancada da bala venceu e as armas não entraram
nesse imposto seletivo que vai recair sobre cigarros e bebidas.
A reforma tem outros defeitos. O IPI que seria
extinto foi mantido para ser cobrado de produtos que concorram com os
produzidos na Zona Franca de Manaus. Montadoras que produzem carros
com motores à combustão terão benefícios prorrogados. Os quatro fundos criados,
por razões diversas, vão exigir a transferência de um volume considerável de
recursos para os estados ao longo dos próximos anos. Ainda assim os ganhos da
reforma são muitos.
Ainda existe outra etapa da Reforma
Tributária, além da regulamentação desta que foi aprovada. Os impostos que
incidem sobre a renda também serão objeto de uma proposta de reforma e esta
será a chance de aumentar a progressividade do sistema tributário brasileiro.
Há muito trabalho pela frente para alterar a
forma ineficiente, complexa e injusta com a qual o Brasil recolhe dinheiro dos
seus cidadãos. Mas o que foi conseguido até agora é fundamental porque cria a
chance de aumentar a eficiência da economia. A reforma dos tributos sobre
consumo deixa pra trás o sistema tributário criado pelo regime militar. Era um
passo que precisava ser dado para atualizar o Brasil.
Então.
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