quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Carlos Melo* - Um país melhor, mas estacionado

O Globo

Saldo do primeiro ano do governo Lula é positivo, mas o Brasil busca velhas soluções para problemas novos

O saldo do primeiro ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é positivo. Está abaixo do que dizem seus entusiastas, mas bem acima do que querem fazer supor seus detratores. O país vai se reajustando à normalidade de problemas de modo menos lancinante do que viveu em anos recentes.

Se a economia não deslanchou, tampouco degringolou. A inflação voltou a níveis civilizados, o desemprego diminuiu, e o crescimento, mesmo não sendo um “espetáculo”, ficará acima do esperado. Com a concordância do Legislativo, o país voltou a ter um regime fiscal, e a reforma tributária foi, enfim, promulgada. O Brasil reassumiu lugar no concerto das nações.

meio ambiente recebeu cuidados sinceros e profissionais. A democracia não correu riscos nem foi vítima de bravatas. A racionalidade voltou a se basear na política, na ciência, no respeito aos direitos civis. Nada disso estaria garantido fosse outro o resultado da eleição. Elevou-se o nível civilizatório.

Méritos reconhecidos, cumpre, porém, apontar problemas que rodeiam o país. Um aspecto preocupante vincula-se ao projeto de futuro, sem o qual não se faz “política com P de História” — na expressão de Joaquim Nabuco. Estacionado na segunda metade do século XX, o Brasil busca velhas soluções para problemas novos. Isso raramente dá certo.

Não há visão estratégica capaz de articular ideias num mundo em revolução, buscando estabelecer interfaces entre meio ambiente, agronegócio, criando cadeias produtivas e uma nova indústria daí derivada. Ainda faltam investimentos de monta em infraestrutura, educação moderna, ciência e tecnologia, mobilidade urbana e segurança pública.

É verdade que questões emergenciais tomavam a pauta antes mesmo da posse. Foi o caso da PEC da Transição. E, logo depois, vieram os horrores do 8 de Janeiro, um cenário delicado de temor e destruição. Mas, definitivamente, o amanhã não foi empunhado pelo governo.

Vazios assim conduzem, paradoxalmente, ao passado. A “Retrotopia”, de Zygmunt Bauman, acompanhada da demagogia. Não é exclusividade do Brasil. Sem agenda substantiva, resta a mediocridade da política pequena, fisiológica, burocrática. Esta, a crônica dos últimos anos.

Em uma década, o velho patrimonialismo não só permanece, como aumentou. O fisiologismo se robusteceu e perdeu a inibição. O hiperfisiologismo, forte e vistoso, desfila sem pudor em chantagens e achaques naturalizados no Parlamento e na opinião pública.

Em 2023, o Legislativo submeteu o governo a uma espécie de stop and go: à euforia da aprovação de medidas importantes sucederam-se períodos de paralisia. Sem constrangimentos, estabeleceu-se que votação de interesse do Executivo (e do país) se dá apenas mediante a liberação, prévia, de emendas e cargos. Banalizou-se o casuísmo e o toma lá dá cá.

Grandes causas e acalorados debates desapareceram dos plenários. Das tribunas, bizarrices fizeram a festa das redes sociais. Ação parlamentar tangencia uma espécie de vereança nacional. A “transparência opaca” e duvidosa na utilização dos recursos públicos compromete a qualidade de políticas públicas. Os custos de gestão do presidencialismo de coalizão explodiram.

Não há como omitir que a crise continuada da última década fragilizou o Executivo ao mesmo tempo que fortaleceu os demais Poderes, cada um por causa de dinâmicas específicas que podem ser discutidas noutro momento. Do segundo mandato de Dilma Rousseff a Jair Bolsonaro, governos fracos e sem agenda deram pernicioso protagonismo ao Legislativo, sobretudo à Câmara.

Não se trata de retomar a tradicional e inadequada hegemonia do Executivo. Mas de ousar uma agenda capaz de estabelecer relação qualificada, mais equilibrada e menos rumorosa entre Poderes. O desafio dos próximos anos: projetar o futuro e aperfeiçoar o relacionamento institucional.

*Carlos Melo, cientista político, é professor senior fellow do Insper

Um comentário:

  1. Muito bom! No DESgoverno Bolsonaro, muitos dos problemas novos eram causados pelo próprio miliciano mentiroso ou por seus cúmplices do ministério, como Weintraub, Ricardo Salles, Pazuello, Guedes e outros incompetentes ou criminosos.

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