sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

César Felício - A interminável montagem de Lula

Valor Econômico

A impressionante demora do presidente em se decidir é um indicativo da falta de segurança em seu entorno. Lula não tem anteparo

Um ato para marcar o primeiro aniversário do 8 de janeiro deverá ser a nota final da passagem de Flavio Dino pelo Ministério da Justiça. Caso ele saia na sequência, o que é pouco provável, terão transcorrido 25 dias entre sua aprovação pelo Senado para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal e seu afastamento do governo.

A vaga de Rosa Weber no STF demorou dois meses para receber uma indicação do presidente, embora o nome de Dino tenha surgido como favorito para a função cerca de 30 dias antes.

Na ocasião em que o falatório sobre Dino começou, Lula ainda não tinha concluído a mini-reforma ministerial para entronizar André Fufuca nos Esportes e Silvio Costa Filho nos Portos e Aeroportos. Eles tomaram posse em 14 de setembro e foram escolhidos entre junho e julho.

A dificuldade de acomodá-los foi tanta que nasceu um novo Ministério, o da Micro e Pequena Empresa, para acomodar o deslocado Márcio França.

A substituição de Dino virá a ser decidida, provavelmente, no momento em que uma nova reforma ministerial já é discutida, com intensa pressão sobre a articulação política do governo e sobre os ministros mais frágeis, como o permanentemente a perigo Juscelino Rezende, das Comunicações.

Lula está movendo peças da sua engenharia de poder, portanto, há quase seis meses, sem que consiga fechar o quadro. A nova reforma a caminho deve estender ainda mais essa incerteza. A impressionante demora do presidente em se decidir é um indicativo da falta de segurança em seu entorno. Lula não tem anteparo.

Há insegurança sobre a capacidade de liderança desses ministros na operação política, não só na articulação entre as forças que apoiam o governo, mas também no embate com as que não apoiam. Não funciona nem como escudo, nem como espada.

Dino exerceu um papel aliancista durante a campanha eleitoral e se destacou por ir para a linha de frente, de modo extremamente agressivo, por vezes, contra a oposição ao governo. Quem dentro do governo poderá substitui-lo nesse papel? Nenhum dos nomes que apareceram cotados para a pasta tem esse perfil, também ausente no restante da Esplanada.

FGTS na alça de mira

O emaranhado das leis que o governo precisará mandar em função da reforma tributária, há compromisso de enviar duas antes, até no máximo 20 de março: a lei que irá mudar as regras da tributação sobre a renda e a que disporá da tributação sobre a folha. São leis ordinárias, conforme se depreende da leitura dos incisos I e III do artigo 18 da reforma. Precisam ser enviadas pelo Executivo dentro de 90 dias depois da promulgação, que ocorreu na tarde dessa quarta-feira.

No parágrafo único o Congresso expressamente juntou uma coisa com a outra: “ eventual arrecadação da União decorrente da aprovação da medida de que trata o inciso I poderá ser considerada como fonte de compensação para redução da tributação incidente sobre a folha de pagamentos e sobre o consumo de bens e serviços”.

Está dado portanto o estímulo para que venha um imposto sobre a renda substancialmente aumentado. Politicamente essa não é uma discussão trivial. É possível encontrar tramitando no Congresso projetos que aumentam a lista de isenções ao imposto de renda, mais difícil detectar uma que a diminua.

Por isso um representante do empresariado no Senado, pertencente ao Centrão vê como factível um desalinhamento dos dois projetos. A revisão da tributação sobre a folha avançaria e o do aumento do imposto sobre a renda andaria mais devagar. Os projetos têm data certa para serem enviados, mas não para serem aprovados. E o ano de 2024 é eleitoral. A partir de junho em tese os trabalhos nas duas casas do Congresso entram em modo de campanha.

A proposta de tributação sobre a folha pode sugerir um redesenho amplo, contudo, o que naturalmente aumentaria a complexidade de sua tramitação. A maioria de direita e centro-direita na Câmara e no Senado podem aproveitar a ocasião para tentar acoplar no projeto uma nova reforma trabalhista. Ou, caso não se chegue a tanto, focar na revisão ou na extinção de benefícios como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Ao ser perguntado se não existe um pacto tácito entre o Executivo e o Congresso sobre o tema, pelo qual, sem que se jamais se admita, o governo federal abre mão de investir na revisão da reforma trabalhista aprovada no governo Temer e o Centrão abre mão de uma nova rodada de revisão de direitos, o senador sorri.

O pacto existe, mas é frágil, dada a baixa disposição das partes envolvidas em se comprometer com ele. Volta e meia surge na Esplanada dos Ministérios uma ideia de se cruzar a linha. Na mais recente, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, avançou sobre a possibilidade de rever a abertura do comércio aos domingos.

A Câmara desengavetou a proposta de “carteira verde e amarela”, remanescente do governo Bolsonaro. O governo federal recuou e o Senado deve engavetar o projeto de contratação com menos encargos votada pela Câmara. Foi escaramuça de um lado e tiro de advertência do outro, indicador de uma fronteira armada.

 

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